Slap! Slap! Slap!
Gustavo ainda podia sentir sua pele queimando.
— Gustavo? — o psicólogo o chamou.
Gustavo piscou os olhos verdes repetidas vezes, olhou para os lados aturdido até se dar conta de onde estava.
— Isso acontece com frequência?
— Isso o quê? — suas sobrancelhas unidas expressavam confusão.
— Essa sua mania de se desligar do mundo por alguns segundos — explica coçando a barba rala debaixo do seu queixo. — Você vai para algum lugar Gustavo? Ou apenas se lembra especificamente de alguma coisa?
Gustavo encarou o psicólogo sem expressão nenhuma. Não estava se sentindo bem com a pergunta. Na verdade não estava se sentindo bem naquele ambiente desde o dia que pisou ali pela primeira vez com o pai.
— Meu filho está... está doente Daniel. Preciso que você o ajude — Gustavo o ouviu falar antes de o psicólogo o chamar para conversar dentro da sala.
Sentiu as lágrimas se acumularem no canto dos olhos ao se lembrar das palavras duras do pai.
As semanas seguintes a chegada do vizinho foram até calmas. Se não considerar as incontáveis horas que Gustavo passou navegando pelo Facebook a procura de Felipe.
Merda! Por quê existem tantos Felipe?
Se ele ao menos soubesse o sobrenome. Gustavo o encontrava todos os dias quando estava de saída para a escola. E quando o vizinho sorria, ou lhe desejava bom dia Gustavo criava coragem para ir até ele e lhe perguntar o sobrenome. Mas a coragem lhe abandonava na mesma rapidez com que chegava.
Na quarta semana após a mudança o vizinho o convidou para ir assistir a um jogo de futebol no campo. Gustavo criava esperanças, mas sabia que Felipe estava sendo apenas simpático. Como? Bem, ele também convidou Ricardo.
Quando no campo Gustavo, Felipe e Ricardo ficaram na arquibancada por alguns minutos. Mas logo Ricardo tratou de conversar com os meninos do jogo e encaixou os três no campo.
— Ah, eu não vou. Eu não sei jogar — argumentou.
— Isso não é desculpa, vem logo! — Felipe insistiu.
Isso durou alguns minutos, mas a briga só acabou quando Felipe tirou a camisa. Era difícil para Gustavo argumentar com alguém com um corpo como aquele.
Ricardo e Felipe ficaram no time sem camisa e Gustavo no com camisa. O jogo rolou normalmente com Felipe mostrando suas belíssimas habilidades com a bola.
Gustavo estava se saindo bem, mas tudo acabou indo por água abaixo quando ele esbarrou brutalmente em Felipe. Aquele corpo sexy e suado caiu por cima dele e Gustavo teve que prender a respiração.
Felipe logo se levantou se certificando se Gustavo estava bem. Simpático e prestativo.
Gustavo pediu para sair e logo foi substituído. Felipe achou que ele estava com dores por causa da queda, mas não tinha nada haver com aquilo.
Gustavo pegou sua bike e pedalou velozmente para casa. Pegou a tolha e foi direto ao banheiro. Naquele dia pensou em Felipe, no seu corpo suado em cima dele. Só que de outra forma.
Enrolou a tolha na cintura e saiu do banheiro.
Mas ficou estático ao ver seu pai sentado na sua cama. Isso não significaria nada, se as revistas de homens pelados que Gustavo guardava no fundo da gaveta não estivessem espalhadas pela cama.
Os olhos de seu pai estava vermelhos quando lhe fitaram. Já ele estava pálido.
— Pode me explicar isso Gustavo? — ele sabia, pelo tom de voz do pai, que mesmo se explicasse já era tarde demais.
Então não se deu ao trabalho de explicar, seu silêncio confirmaria tudo.
Silêncio que foi cortado pela gritaria do pai.
Não me diz que você é gay Gustavo!
Diz que não é!
Você me mata de desgosto e de vergonha!
Deus abomina o que você faz!
Você vai para o inferno Gustavo! Para o inferno!
E tantas outras coisas que Gustavo já nem lembrava mais. Quando sua mãe chegou em casa o pai lhe explicou.
E ver o olhar de desgosto na cara de sua mãe foi como levar uma facada no coração.
Quando o irmão mais velho soube sua cara foi de nojo.
Então todos começaram a chorar e a gritar. Todos menos Gustavo. Ele não estava triste para chorar, nem com raiva para gritar.
Ele se sentia aliviado. Então respirou fundo quando seu pai lhe fez a pergunta pela milésima vez.
— O quê você é Gustavo?
— Eu sou gay pai — disse com calma.
Naquele dia Gustavo se arrependeria de ter dito assim. Mas hoje não se arrependia mais.
O silêncio que caiu sobre o local foi perturbador. Até seu pai se levantar brutalmente da cadeira.
Ele agarrou o cinto de sua calça e começou a tirá-lo.
— Eu vou te ensinar a não pecar dessa forma dentro da minha casa — o cinto pendendo na mão do pai fez Gustavo se arrepiar.
Só deu tempo de proteger o rosto.
Slap!
O couro contra sua pele fez um barulho audível, mas sua dor era maior que sua audição. O pai puxou seu cabelo e o guiou até o quarto de cima sob protestos da mãe que era contra a violência e sob o silêncio do irmão que não sabia o que pensar.
Mas nada fez seu pai parar.
— Fala que não é verdade Gustavo! Diz que você não é uma bichinha! Diz que você não gosta de garotos! Diz! — seu pai gritava. E seus gritos se misturavam aos gritos de dor de Gustavo.
Ele sentia dor, insuportável. Mas não negou nenhuma vez o que era. Não podia.
Seu pai o bateu até sua roupa formal e macia está amassada e ensopada de suor. Ele não podia mais fazer nada.
Saiu do quarto controlando a respiração.
Enquanto Gustavo chorava abraçando o corpo com dificuldade e sentindo a pele arder em brava viva.
Ele chorou até está exausto.
Chorou até cair no sono.
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A Cura Para Gustavo
Conto#12 em Conto. Conto vencedor do desafio #SetembroAmarelo. Concurso do perfil RomanceLP. • Esta obra faz críticas a decisão de um juiz federal de tratar homossexualidade como doença. SINOPSE: A sirene podia ser ouvida de longe. Os vizinhos se aglome...