1.2. A Biblioteca.

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Em meus dias de estudante, nunca vi a Biblioteca como um bom refúgio para se proteger do perigo. Na verdade, foi tudo orquestrado por uma sequente ordem de coincidências. Primeiro, eu estava na Biblioteca quando ouvi a primeira notícia sobre a Praga. Não havia televisão, mas ouvi os murmúrios se espalharem e crescerem na mesma velocidade que o pânico atingia os estudantes dali.

Marc foi a primeira pessoa para quem liguei. Quando deixei Irving,Texas para trás e me mudei para Pensilvânia, não mantive nenhum laço com ninguém naquele lugar. Mãe: morta. Irmão: morto. Pai: nunca conheci. Meus avós morreram antes que eu nascesse, eu não tinha amigos, meu emprego como garçonete era uma merda e eu mal estava conseguindo sobreviver naquela cidade. Juntei minhas coisas e me mandei para Pensilvânia nos tempos em que o Sol ainda era forte e Deus ainda existia.

No dia da Praga, Marc estava em um bar não muito distante dali. Levou cerca de quinze minutos para que ele chegasse e, só então, eu e as pessoas que ainda estávamos ali decidimos trancar os portões e declarar confinamento até que as autoridades contornassem toda a situação.

Bem, as autoridades contornaram merda nenhuma. Algumas pessoas se desesperaram e foram embora em busca de seus familiares e quando o desespero da cidade finalmente tornou-se visível para quem ainda estava ali, decidimos definir as primeiras regras do Novo Mundo: quem sair, não entra mais.

No final desta história, apenas duas pessoas continuaram ali comigo e com Marc. Só então percebi que a Biblioteca era o lugar perfeito, pois uma cerca de dois metros de alturas se erguia no perímetro da Biblioteca. O espaço entre uma grade de aço e outra era estreito o suficiente para que nenhum morto-vivo tentasse nos matar. A cerca era fixada ao chão com concreto e cimento. Eles que viessem, esses comedores de cérebros imundos. Nós estaríamos protegidos ali.

Bem, ao menos até então.

Marc, Horath e eu estávamos parados na esquina que levava à Biblioteca. A cerca estava contornada por zumbis barulhentos e famintos. A passagem da entrada principal estava bloqueada, de forma que o único jeito de entrarmos era pela porta dos fundos, que dava para a área de serviços.

Fiquei na ponta dos pés e consegui avistar Melanie saindo pelos fundos com um balde em mãos. Levei os dedos aos lábios e soltei um assobio. Ela prontamente me avistou.

Marc surgiu ao meu lado.

−Qual o plano?

−Dar a volta no bosque. - Respondi. - Irmos pelas árvores e empurrarmos o freezer até a porta dos fundos.

−Mas o freezer não vai passar por aquela porta.

−Então levaremos as caixas nas mãos.

Talvez Marc estivesse inseguro quanto ao plano, porém acabou cedendo. Horath estava mais atrás, pensativo. Seus olhos eram duas órbitas negras distantes daquele mundo. Toquei seu pulso e ele olhou para minha mão.

−Está tudo bem?

Ele balançou a cabeça.

−Vamos prosseguir logo com isso.

Voltamos por onde havíamos ido, empurrando o freezer até a estrada de baixo. A Biblioteca de HarleyUniversity era afastada de todo o campus. Ficava numa área mais rural do que urbana, cercada por um bosque denso e estradas de terra. No início, eu não entendia por que diabo alguém colocaria propositalmente uma biblioteca num lugar tão inóspito, mas aquele lugar acabou sendo perfeito no final das contas. Era um bom refúgio para se proteger quando mortos-vivos estão perambulando pela sua cidade.

A estrada por trás da Biblioteca tinha elevações que dificultava o trajeto com o freezer. E muito. As rodinhas já estavam enganchando nas pedras que surgiam pelo caminho, principalmente pelo fato de que elas haviam sido programadas para se mover por curtas distâncias, não para atravessar uma cidade.

O que deixamos para trásOnde histórias criam vida. Descubra agora