1.5. O salvador.

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Quando estávamos a uma distância segura, parei para conseguir respirar com mais facilidade. Marc e Toby pararam ao meu lado. Felizmente, o altruísmo do nosso colega misterioso ganhou tempo o suficiente para que conseguíssemos despistar Raul. E agora, sem toda aquela fumaça embaçando nossa visão, eu conseguia ver de quem se tratava. Bem, eu ainda não o conhecia, mas agora nossa figura heróica tinha uma forma física.

−Eu acho - Disse Toby, com a respiração tão ofegante que cheguei a pensar que ele fosse desmaiar ali na nossa frente. - que não deveria ter faltado às minhas aulas de Educação Física.

Contudo, minha atenção estava completamente voltada para o homem misterioso a nossa frente. Ele usava um moletom desgastado, e o capuz do moletom cobria metade do seu rosto. Ele estava olhando para a direção oposta, obviamente tentando esconder o rosto, mas eu havia conseguido notar o tom negro de sua pele e a congruência de seus músculos.

−Acho que te devemos um obrigado. - Dei um passo a frente e ele, notando, virou o rosto para mim. Continuava sendo um rosto desconhecido, mas tinha feições harmônicas. Seus olhos eram escuros como sua pele e sua barba estava por fazer. Não sei o que eu estava pensando encontrar, mas o nosso herói carregava uma expressão simpática. - Bem, obrigada por nos salvar.

−Podemos saber seu nome? - Foi Marc quem perguntou.

−Janak. - Ele respondeu, prontamente. - Eu teria mais cuidado, se fosse vocês. Parece o fim do mundo, mas não é. Pessoas como Raul são capazes de matar por muito menos do que comida.

Sua expressão era tranqüila, mas havia seriedade em sua voz.

−Vocês se conhecem? - Perguntei.

−Conheço o suficiente para permanecer distante.

Ninguém disse nada, mas aquelas palavras foram suficientes para perceber que Raul não era tão amigável quanto seu sorriso falso aparentava ser.

−O que digo a vocês é: tenham cuidado. Não sei o que vocês estão fazendo aqui, exatamente no mesmo lugar onde saquearam um depósito inteiro de comida, mas vocês precisam ser mais inteligentes do que isso.

−Voltamos por medicamentos. - Falei, tentando parecer menos estúpida do que ele me fazia sentir ser. - Uma amiga está morrendo de febre, não podíamos simplesmente cruzar os braços e vê-la morrer...

−Bom, não é da minha conta. Apenas se cuidem.

Janak deu as costas, mas eu avancei em sua direção. De jeito nenhum eu o deixaria escapar antes de responder algumas perguntas.

−Ei, espere!

−Olha, não estamos tão longe. Raul vai alcançar vocês em questão de minutos se não forem embora daqui o mais rápido possível.

−E pra onde você vai?

Seus olhos negros e profundos pousaram sobre mim.

−Vou estar por aí.

Ele continuou a caminhar e eu olhei para Marc, pedindo por ajuda. Ele parecia relutante, contudo. Marc tinha esse problema com confiar em pessoas. Era preciso muito esforço para que ele desdenhasse todas as conspirações que ele criava em sua mente.

−Janak! Por que não vem conosco?

Percebi que Marc me lançou um olhar alarmado, o qual ignorei. Janak havia parado e estava olhando para mim.

−Tenho coisas para fazer.

−Onde seu grupo está? - Agora eu estava tão próxima dele que conseguia ver as rugas sob seus olhos. Apenas poucos centímetros nos separavam.

−Não tenho grupo.

−Você anda sozinho por aí?

−Tenho uma amiga. - Ele ergueu uma sobrancelha. - Por que tanta curiosidade?

−Ora, o que você acabou de fazer... Digo, é sempre bom somar forças, não acha?

Ele ponderou por alguns segundos e balançou a cabeça.

−Não.

−Desculpe?

−Sem querer ofendê-la, mas o que vocês fizeram foi muito estúpido. Sinceramente, acho que me unir a vocês só me traria mais problemas. E, além do mais, Michelle e eu nos damos bem sozinhos. Não nos preocupamos um com o outro, não precisamos sair em resgate de ninguém... - Ele puxou uma espada de esgrime do cinto de couro que cruzada seu peito. - Estamos bem assim.

Dei de ombros, fingindo dar pouca importância à sua recusa.

−É você quem está perdendo com isso, Janak.

Um sorriso insinuante formou-se em seus lábios, dando brecha a dentes brancos perfeitamente alinhados.

−Acho que vou arriscar.

Ele soltou um assobio curto e, rapidamente, avistamos um cavalo negro correndo em nossa direção. Janak fez um sinal e o animal parou, fazendo sua longa crina escura balançar. Com certeza, era o garanhão mais bonito que eu já vira em toda a minha vida.

Janak segurou as rédeas e com um rápido salto, montou no cavalo. Ao baixar o capuz que cobria sua cabeça, jogou para o lado os longos dreads escuros que estavam escondidos sob o capuz.

−Bem, senhorita... - E então ele olhou para Marc e Toby. - Senhores. Foi um prazer conhecê-los... Eu acho.

Ele olhou para frente e bateu as rédeas do cavalo, fazendo o animal galopar a toda velocidade. Em questão de segundos, Janak e seu cavalo negro haviam desaparecido de nosso campo de visão. Eu olhei para Marc e Toby, e os dois pareciam tão estupefatos quanto eu.

Sem dizer nada, seguimos na direção contrária de Janak. Precisaríamos percorrer um percurso mais longo se quiséssemos permanecer longe dos capangas de Raul. A estrada esburacada era tão inóspita que nem mesmo os zumbis davam as caras por ali. Éramos apenas nós três, calados e ansiosos e chutando pedrinhas pelo caminho. Mas Toby quebrou o silêncio.

−Eu não acredito que deixamos ele ir embora.

−Nunca precisamos de ninguém para nos defender, Toby. - A voz de Marc era séria e eu poderia jurar que havia uma pontinha de ciúmes ali.

−Não se trata de ter alguém para nos defender. - Eu disse. - Mas quando olho para o grupo de Raul e olho para o nosso... Bem, há uma diferença enorme. Digo, se tivermos um ataque ou coisa do tipo, como iríamos nos defender?

Aquelas palavras pegaram Marc de surpresa, porque nem mesmo ele, o Senhor Sabe-Todas-As-Coisas conseguiu encontrar uma resposta para aquilo. Talvez aquele fosse o momento em que lhe caísse um choque de realidade. Se Raul resolvesse nos procurar e atacar, morreríamos mais rápido do que o galope do cavalo de Janak.

Continuamos em silêncio por mais alguns metros. Eu sabia que Marc estava começando a considerar o mesmo que eu: era hora de contarmos a verdade ao grupo. Contar sobre quem éramos e usar isso para ajudar aos outros a conseguirem desenvolver alguma habilidade. Treinamentos físicos, definitivamente, não eram meu forte, e eu detestava essa idéia de preparar um exército, mas se queríamos nos proteger de ameaças externas, precisaríamos de um grupo forte e perspicaz. Precisaríamos de um novo BlackSouls.

Marc olhou para mim, mas não disse nada. E assim continuamos: em silêncio. Toby, porém, parecia muito inquieto e pensativo.

−É sério, como deixamos ele escapar? O cara é foda, tão foda, que eu com certeza daria um beijo nele se ele dissesse que ficaria.

−Tudo bem, Toby. - Dei um tapinha em seu ombro. - Encontraremos outros rapazes fortes para você beijar.

O que deixamos para trásOnde histórias criam vida. Descubra agora