1.8. Um tiro no escuro.

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Marc e Horath tinham suas armas apontadas em direção ao tanque. Escondido atrás de uma das caixas d'água, Richard segurava sua pistola frente ao peito, apenas esperando algum movimento perigoso para entrar em ação. Se a pessoa que estivesse dirigindo aquele tanque quisesse atirar na gente, bem, nós tínhamos uns dez minutos pela frente. Nossas três armas não eram páreas para um tanque com o aquele. Viraríamos picadinho humano antes que tentássemos qualquer forma de revidar o ataque.

−Marc! O que está acontecendo?

−Eu não sei!

De repente, a pesada porta do tanque se abre e uma cabeça surge. Se víssemos o rosto de Raul, já podíamos abraçar uns aos outros e nos preparar para morrer. Contudo, não foi um coque de cabelo alto que vimos aparecer através da porta. Foram longos dreads negros.

−Janak! – Dei dois passos a frente e parei. – O que merda você está fazendo?

−Vocês precisam ir embora! Agora!

Não havia nenhum tom de ameaça em sua voz, então eu estava começando a descartar a idéia de que aquilo era um ataque. Comecei a racionar rapidamente e me lembrei de que Janak estava a caminho do Sul do país. Era isso. Não se tratava de um ataque. Tratava-se de um aviso.

−O que está acontecendo?

Agora eu estava próximo do portão e Janak estava a menos de trinta centímetros de distância, do outro lado da cerca. Seus olhos pareciam preocupados e ele respirava com um pouco de dificuldade, como se tivesse corrido uma longa distância até ali.

−A vontade de Michelle de ir para o Sul não era por acaso. – Disse ele, entre curtas pausas de respiração. – Há um perigo se aproximando, Silver. Algo muito pior do que Raul.

Marc e Horath estavam logo atrás de mim, atentos à conversa. Richard tinha saído do seu esconderijo e agora caminhava em nossa direção.

−Do que você está falando?

Janak fez que ia abrir a boca, mas antes que pudesse responder, um ônibus surgiu a toda velocidade e estacionou brutamente ao lado do tanque. Por um segundo, pensei que os pneus iriam travar e o ônibus, tombar para o lado, mas não foi o que aconteceu. Ainda com a ignição ligada, uma mulher desceu as escadas do ônibus com as pernas apressadas e o rosto, em fúria.

−Isso não é hora de ser um grande filho da puta, Janak!

Janak a ignorou.

−Silver, me escute. Vocês precisam sair...

Janak tombou para trás e eu percebi que a mulher puxara sua jaqueta.

−Nós precisamos ir!

Ele desvencilhou-se dela, afastando-se para o lado.

−Se quisesse fazer as coisas da maneira certa, deveria ter me contado tudo desde o início. – E então ele voltou-se para mim. – A Tempestade. O que vocês sabem sobre eles?

−O quê? Eu não...

−Eu os conheço. – Era a voz de Richard. – Digo, já ouvi histórias. É o tipo de coisa que se escuta trabalhando num departamento de polícia, mas nunca tivemos nenhuma prova real de sua existência.

−Bem, eles existem. – Disparou Janak. – E eles sabem sobre vocês. Sabem sobre Raul e também sabem sobre nós.

Me virei para Richard.

−O que eles são?

−Um tipo de religião, uma seita, eu não sei... Mas as histórias não são muito boas.

−O que eles querem, Janak? – Perguntei a ele.

−Sobreviver. – A mulher atrás de Janak deu um passo a frente. Supus que aquela era Michelle. – E pra isso eles são capazes de qualquer coisa. Inclusive matar suas crianças para comer seu fígado.

Olhei para Richard e percebi que as histórias que ele conhecia eram intensas o suficiente para deixá-lo assustado. Eu nunca vira Richard assustado.

−E se estão pensando que podem ficar e lutar – ela soltou uma risada de escárnio – então talvez vocês mereçam ser comidos por serem tão burros. Só saibam disso: eles não andam em pequeno bando. E se a proteção de vocês dependerem desse imenso arsenal que estou vendo, então vocês estão muito fodidos.

Até então nós não tínhamos nenhuma razão para deixar aquele lugar. Até onde sabíamos, tudo isso poderia muito bem ser uma armadilha. Talvez eles quisessem tomar a biblioteca, talvez quisessem saquear o nosso estoque de comida, talvez, talvez, talvez... Eram muitas as possibilidades. Porém, quando eu olhava nos olhos de Janak, havia algo que me fazia acreditar que tudo aquilo era verdade. A mesma coisa que vi nos olhos de Marc, de Horath e de Luna. Havia verdade naqueles olhos. E se tratando de instinto e intuição, eu raramente me enganava.

−O que me faz garantir que o que estão falando é verdade? – Pergunto à Janak.

−Nada. – É sua resposta. – É um tiro no escuro, Silver.

Olho para Richard e ele, discretamente, balança a cabeça num sinal positivo.

−Como estão nossos carros?

−Todos com tanque cheio.

−Nosso estoque?

−Ben tem tudo sobre controle.

Marc se aproxima de mim e diz, em voz baixa:

−Nós vamos mesmo fazer isso?

Seguro o seu rosto com minhas mãos e olho no fundo dos seus olhos. Há tanto medo ali quanto deve haver nos meus.

−Você confia em mim, Marc?

Ele me observa, mas seu olhar vai muito além do que está vendo. Ele hesita, por um segundo, mas então concorda. Com veemência.

Me viro para os demais, que nos observam de longe, e digo em bom som:

−Juntem todos os seus pertences! Vamos carregar todas as caixas de comida para os carros! Ben, preciso que você cuide disso, ok?

−Sim, senhora! – Ele tocou o braço de Vesna e Melanie e os três seguiram para dentro.

−Vamos posicionar os carros e ajudar com os caixotes. Precisamos ser rápidos!

Todos os demais se organizaram para fazer alguma coisa, juntar os poucos pertences, carregar os caixotes de comida e encher garrafas de água. Enquanto isso, abri o portão da cerca e me aproximei de Janak. Michelle já caminhara de volta ao seu ônibus.

−Qual o plano?

Sua visão permaneceu fixa no horizonte distante das montanhas rochosas do norte de Harrisburg. Se seguíssemos naquela direção, chegaríamos à Rodovia 81 e seguiríamos por cerca de vinte quilômetros até chegarmos à comunidade de Skyline View. Na direção contrária, chegaríamos à Carlisle e, a partir de então, poderíamos traçar uma rota através da direção leste ou oeste para chegarmos ao Sul.

Janak, porém, não agia como alguém que tinha isso em mente. Era como se, inclusive, ele não tivesse idéia do que pudesse fazer em seguida.

−Como eu disse, Silver – Sua voz era baixa e arranhada. – É um tiro no escuro. 

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⏰ Última atualização: Nov 19, 2017 ⏰

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