capítulo 11

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A biblioteca

A verdade estava apenas a alguns passos de Bia, e ela não desistiria até alcança-la. Não prestou muita atenção na aula, passou os últimos horários pensando em como chegar até a biblioteca que Jonas havia mencionado, ela iria lá naquele mesmo dia, não importava o que tivesse lá.
Em casa, se é que podia chamar assim, Bianca abriu novamente o diário de Jonas em busca de mais informações, mais conhecimento sobre o orfanato.
Perdi minha família em um acidente de carro. Eu tinha dois irmãos mais velhos, um irmão e uma irmã na verdade, e também meus pais. Estávamos todos no carro indo até o sítio da minha família, quando um caminhão bateu no nosso carro, estava chovendo muito, eu era pequeno e, antes de acontecer, meu irmão mais velho abriu a porta que estava ao meu lado do carro e me empurrou na lama, a estrada não era asfaltada, e a queda não me machucou muito. Isso fez eu sobreviver, mas o resto da minha família não conseguiu, perdi todos de uma só vez quando tinha nove anos...
Bia já estava chorando, cada palavra que lia no diário era reflexo da sua vida, da sua dor, e ela podia sentir a dor de Jonas enquanto lia.
Depois disso, acabei me fechando para o mundo, para as pessoas, decidi não fazer amigos, não socializar, deixar me consumir sozinho, sem levar ninguém comigo. Acabei entrando em tristeza profunda, depressão, mas não por estar triste de verdade, a depressão não veio a mim pela tristeza, veio pela solidão, pelo vazio, pelo nada deixado dentro de mim quando minha família se foi, pensei que nada fosse preencher isso e, no fim, estava certo, nada nem ninguém foi capaz de me ajudar, então meu eu simplesmente se foi, e o vazio tomou conta do meu ser.
Bianca já não suportava mais a agonia que sentia só em ler aquele texto, sentia—se na pele de Jonas, apesar de saber que a história do menino é bem pior que a sua. Bia já havia passado por muita coisa, Peny nem sempre esteve em sua vida, antes dela, eram só sua mãe e ela, e Bia sempre fora uma garota solitária, nunca foi boa em fazer amigos, sua mãe era presente, mas não o bastante para substituir a falta de uma família de verdade, completa. A solidão de Bianca aumentava a cada dia que se passava, isso a deixava extremamente triste. Descobriu que tinha ansiedade quando, por vezes, chorou sozinha sem motivo aparente, então ela descobriu sobre o alívio pelos cortes. No início fazia pequenos filetes, até que precisou de mais, cada vez mais, então os cortes foram crescendo, foram ficando mais profundos, as cicatrizes deixadas, o tamanho delas, estavam ficando muito aparentes e chamativas, então Bianca passou a fazer em suas coxas, onde ela poderia esconder sem problemas, sem risco de que descobrissem. Nesse momento, sua necessidade voltou, ela sentiu a verdadeira vontade de se mutilar novamente, as palavras de Jonas acenderam a fagulha de chama negra que antes lhe consumia. Ela andou até sua gaveta e a abriu, enfiou sua mão nas roupas até o final da mesma, onde havia guardado uma caixinha dourada em forma de coroa, retirou a mesma de lá e a abriu, dentro tinha três lâminas de barbear, que nunca foram usadas para seu propósito, bia abriu o envelope amarelo de uma delas e a aproximou de sua coxa. A névoa prateada manifestou—se pelas paredes e pelo chão, Bia parou instantaneamente e fixou seu olhar na lâmina, pôs a mesma na caixinha de novo e depois dentro da gaveta, ela não voltaria a se cortar, não queria mais isso.
—O que houve? Por que hesitas agora? —Bia ouviu uma voz sair da gaveta, seu coração errou a batida.
—Q—quem está falando? —Bia não queria demonstrar medo, por isso se condenou por gaguejar.
—Não me reconheces mais? Não fui eu a tua melhor amiga no passado? Não foi a mim a quem buscastes conforto quando ninguém mais te ajudou? —Bia concluiu que estava enlouquecendo, a voz pertencia a lâmina?
—Você nunca foi minha amiga, tudo o que fez foi me destruir fisicamente! —Bia nem acreditava que estava conversando com um objeto, a que ponto chegaria aquele lugar?
—Destruir—te? Por acaso não fostes a mim por quem buscou conforto? Não fui eu quem te consolou quando precisastes? Não fui eu a única que te ajudou quando estavas desesperada por alívio?
—Você não me ajudou, se aproveitou da minha vulnerabilidade e me corrompeu com seu falso conforto, você me pôs em perigo, me induzia a tirar minha própria vida!
—E por acaso não eras isto que querias? Não negues! Pois eu estava lá quando dissestes, foi para mim que dissestes! Apenas tentei atender ao teu pedido, tirar a tua dor, tudo o que fiz foi a tua vontade, aquilo que tu desejavas! —Era estranha a forma como a voz falava, e seu tom era grosso e rouco, um pouco aveludada.
—Eu era uma pessoa diferente de hoje, não acreditava ter motivos para viver, e você não me ajudou com isso, apenas concordou comigo e tentou me levar para a escuridão, onde você reina, isso não é ajudar, é se aproveitar. Eu nunca quis isso, eu era uma pessoa frágil, e você me usou e abusou da minha inocência, não quero você em minha vida nunca mais!
—Então por que me guardastes? Por que não me jogastes ao lixo? Por que tu me usavas? Para quê tu te cortavas? Por acaso gostavas da dor? —Bia já havia se perguntado aquilo antes, ela deu um longo e pesado suspiro de tristeza.
—Eu não me cortava porque queria sentir dor, ou porque queria aliviar algo, essa dor não pode ser aliviada. Também não me cortava porque gostava da dor ou de ver o sangue, eu me cortava porque, se um dia eu chegasse a superar aquela dor, aquele vazio e aquela solidão, eu gostaria de ver as cicatrizes da minha batalha. Não estava tentando chamar atenção, apenas queria que as pessoas vissem as cicatrizes da minha conquista, e não o troféu de recompensa. Pode parecer um pensamento egoísta, ou egocêntrico para as pessoas, mas, na vida que tive, e que tenho agora, isso seria tudo pelo que eu poderia me orgulhar. —As lágrimas caiam pesadamente pelo rosto de Bianca, a voz não respondeu. A gaveta simplesmente se fechou. A porta se abriu de repente e o barulho repentino fez Bia ter um sobressalto, era Sara, a garota que Bia conheceu na noite anterior.
—O que está acontecendo aqui? Eu ouvi vozes, você está bem? —Ela perguntou, meio histérica. Bia limpou as lágrimas rapidamente e se recompôs.
—Sim, estou bem. —Ela sorriu de lado para a garota.
—Mesmo estando em um lugar como esse, chorar não é sinal de que se está bem. O que aconteceu? Você foi atacada?
—Não, apenas estava lembrando umas coisas. —Bia ainda não confiava o suficiente na garota para contar—lhe seus segredos.
—Bom, seja lá o que for, não é bom ficar remoendo o passado, principalmente onde estamos, isso alimenta eles, te torna vulnerável. —Não era a primeira vez que Bianca ouvia aquilo.
—Mas por quê? Por que tudo isso acontece? Por que esse lugar é assim? Afinal, o que aconteceu aqui?
—Não tenho a resposta para nenhuma dessas perguntas, mas existe um lugar que pode ter, você teria coragem de ir até lá descobrir? —Sara falava em tom sério, como se quisesse mostrar o quanto aquilo pode ser perigoso.
—Existe um lugar? Onde? Aqui?
—Sim, há uma biblioteca no sótão do banheiro feminino, você quer ir até lá? Eu irei com você.

O Orfanato da TormentaOnde histórias criam vida. Descubra agora