Finalmente, um recomeço
Bianca acordou na madrugada da mesma noite do ataque ao cemitério. Se esgueirou pelos colchonetes dos outros e então saiu da catedral, para longe da proteção de sua mãe. Ela estava assustada, muito ansiosa e se corroendo de medo, mas a última luta a fez perceber que era muito arriscado levar os outros para essa guerra, não poderiam ficar seguros, e ali eles estavam, então decidiu acabar com Ariana por conta própria e sozinha, sem arriscar a vida dos demais. Ela foi a pé até o orfanato, o portão estava aberto, assim como a porta da casa, parece que Ariana já esperava por ela, Bia sabia que era uma armadilha, mas não tinha outra maneira de resolver as coisas. Ela entrou no recinto e logo sentiu a pressão do ambiente, o lugar estava pesado como nunca, parecia ter mudado muito desde que saíram, a presença estranha e a sensação de estar sendo observada ardiam na nuca de Bianca.
–Eu sei que está aí, Ariana. –Bia anunciou em voz alta para o nada, sua voz ecoou pelas paredes do lugar. Uma risada surgiu do meio das sombras no corredor que levava a cozinha, e da penumbra negra Ariana saiu.
–Como você tem coragem de entrar nesse lugar sozinha? Mesmo depois de saber sobre mim.
–Eu não tenho medo de você, sei quem você é, e agora percebo o quanto você sofre sozinha.
–Se não tem medo de mim, então você é uma idiota, não fale sobre sofrimento como se me conhecesse.
–Mas eu a conheço, já descobri sua história, é realmente triste, e eu lamento muito, mas isso não justifica tudo o que você fez, você precisa parar.
–Depois de chegar tão perto, depois de tudo o que já sacrifiquei, eu jamais vou parar, irei até o fim para trazê-la de volta.
–E por acaso você já perguntou se ela quer voltar? –Ariana a olhou com seriedade.
–Depois que estiver-mos juntas, ela não se importará com o resto.
–Eu duvido muito, ela não é uma lunática como você. –Essa última frase, definitivamente irritou Ariana.
–E O QUE VOCÊ SABE SOBRE TINA? VOCÊ NÃO A CONHECE, NEM SE QUER SABE QUEM ELA É! –Os gritos estavam acompanhados de rajadas de vento dentro da mansão, que estavam balançando toda a estrutura e os móveis da casa.
–Eu realmente não a conheço como você, mas sei o que ela pensa porque ela mesma me disse, e me mostrou seu passado. –Bia não se deixou abalar pela ventania, e o lugar finalmente se acalmou.
–Ela só está desistindo, quando eu conseguir, ela voltará a ser feliz.
–A que custo, não é mesmo? –Ariana sorriu.
–E aí que me subestima garota, eu não me importo com o custo. –Bia a olhou com seriedade, e Ariana avançou em sua direção. Seu corpo pareceu planar pelo ar e suas mãos foram direto no pescoço do Bianca, as unhas estavam arranhando sua pele, e a pressão não a permitia respirar, a mulher olhava para sua feição desesperada com um sorriso, esperando o momento em que a vida deixaria seus olhos. Com um baque ensurdecedor, a porta da mansão se abriu, e Alice entrou correndo. Ariana estendeu a mão para ela, e seu corpo foi arremessado contra a parede ao lado, e só então Bia percebeu que era Alice que havia chegado. As duas se olharam, Bia em desespero, e Alice impotente, sem conseguir se mexer.
–Pare com isso. –Ela gritou, mas Ariana a ignorava, Bia já estava perdendo as forças, e seu rosto ficava em tons de roxo.
–Pare agora, você vai matá-la, PARE! –Alice fechou os olhos e gritou, e Bia viu de relance um flash de luz. O corpo de Alice voltou a se mover e ela correu em direção a mulher, atacando seu rosto com o joelho. Ela rolou com um grunhido para o lado de Bianca. Alice estendeu a mão e a ajudou a levantar, Bia se ergueu com a mão no pescoço, enquanto respirava profundamente na tentativa de suprir o ar que perdera. Ariana levantou-se só, e olhou com desdém para as duas, seu rosto estava perfeito como sempre fora.
–Então minha maninha não deixou as filhas despreparadas! Não importa, duas bruxinhas não tem nenhuma chance contra mim. –As garotas franziram o cenho, mas o que aquela mulher estava querendo dizer? E então tudo ficou claro para Bia. Ela olhou para Alice e conseguiu ver uma semelhança que jamais teria pensado existir.
–É você! –Ela disse para Alice, que não soube o que dizer, ou sobre o que ela estava falando. –Você é a filha perdida da mamãe, da Katherine.
–O que? Não Bia, meu nome é Alice Crysalis, sempre foi esse. –As garotas ouviram a risada que Ariana deu ao ouvir o nome de Alice. –Qual é a graça? –Ela perguntou raivosa.
–É muito irônico que esse seja o sobrenome que deram a você. –Ela deu outra risada. –Crysalis era a marca de sapatos da caixa que você estava, quando eu a deixei naquele orfanato pouco tempo depois que nasceu. –Ariana riu mais uma vez, e Alice estava estarrecida. –Minha irmã nem sempre foi tão incompetente, geralmente eu é que quebrava as regras, mas ela sabia que não podia ter filhos, sabia o que aconteceria com eles, e mesmo assim teve você, e eu? Eu fui misericordiosa, não queria matar a filha da minha irmã, então a deixei em um orfanato onde poderia sobreviver, e ironicamente você veio parar aqui, eu deveria ter deixado você mais longe Beatriz. –Alice já quase soluçava de chorar, e Bia também, a sua irmã estava viva, e esteve ali o tempo todo com ela. –O reencontro é realmente tocante. –Ariana continuou. –Mas o passado não importa mais, as duas vão morrer aqui e assim corrigirei o erro de não tê-las matado no dia em que nasceram. –As meninas ficaram sérias novamente, precisavam engolir as emoções naquele momento. Ariana sorriu, e atrás dela, se formavam borrões, que vieram a ser os fantasmas do orfanato, além das outras três mulheres que acompanhavam Ariana no seu show de horrores. Alice a Bianca deram as mãos, encarando sérias o que estava a sua frente e, em seu interior, perdendo as esperanças de saírem vivas dali. Ariana levantou um dedo e olhou para trás de relance.
–Acabem com elas. –Ela disse, e então seu exército avançou para as garotas. Ao mesmo tempo, a porta novamente se abriu, e todos os outros da catedral entraram na sala, avançando para a luta com a mesma vontade que o inimigo. O choque entre as duas partes ensurdeceu a todos, e então começaram a se atacar freneticamente. Ariana estava subindo as escadas, ela não participava da luta, e Bia sabia que para chegar até ela precisava passar pelos outros, além disso, seus amigos não durariam muito tempo numa luta contra fantasmas e poderes sobrenaturais. Ela apertou a mão de Alice e chamou sua atenção.
–Precisamos fazer alguma coisa! –Ela falou para ela.
–O que podemos fazer? –A outra retrucou. Bia segurou firme na sua mão.
–Pensa neles, nesse momento, nessa luta, precisamos ganhar, precisamos proteger nossos amigos, e precisamos sair desse lugar e ter uma vida de verdade. Deixa essas coisas tomarem conta de você. Olha para eles Alice! –A garota assim o fez, e seu coração se apertou, todos lutava pelas suas vidas, e pela vida de cada um ali, apesar do momento, isso lhe acendia a esperança. Bia ergueu suas mãos até seu peito, como quem faz uma oração, com as mãos de Alice entre as suas, as duas encostaram suas testas e fecharam os olhos, sentindo um intenso calor inundar todo o seu corpo. Quando abriram, havia um brilho que percorria suas mãos, elas não tinham ideia do que estavam fazendo, mas estavam deixando a sua intuição e instinto guiá-las. Elas levantaram as mãos e as separaram no ar, e uma bolha de luz cresceu rápida e exponencialmente do lugar onde as mãos se separaram até atravessar toda a extensão da mansão. Tudo se acalmou e reinou um silêncio no recinto. Ariana estava nos primeiros degraus da escada olhando para as garotas boquiaberta, todos os fantasmas sumiram e restaram apenas as três mulheres no lugar, que estavam tão impressionadas quanto a diretora. Esta desceu os degraus e correu velozmente na direção de seu quarto. As meninas, junto de todos os outros correram atrás dela, e as três mulheres se puseram entre eles, mas se quer tiveram tempo de fazer algo, todos as atropelaram e alguns, ao passarem por elas, as golpearam na cabeça com suas armas improvisadas. Ariana entrou no quarto e ergueu a mão, fechando a porta, ela precisava sair daquele lugar, aquilo não duraria por muito tempo. Bia e Alice acenaram uma para a outra e juntaram suas mãos na maçaneta, que se deformou com o calor que de alguma forma as duas emanaram das palmas. Gustavo chutou a porta e ela se abriu, revelando uma centena de urnas espalhadas por todo o quarto, mas nenhum sinal da diretora.
–Quebrem todas as urnas, não deixem nenhuma inteira, procurem em todo lugar, destruam o quarto se for preciso. –Bia ordenou em voz alta para todos, e assim o fizeram, destruindo tudo o que encontravam, as urnas, cômodas e guarda-roupas, caso houvesse alguma escondida.
A medida que as urnas eram destruídas, a pressão que todos sentiam ao estarem ali parecia diminuir, gradativamente, o ar parecia mais fresco, e as paredes mais vívidas, como se estivessem expurgando algo que não permitisse nenhum sentimento bom, agora finalmente ganhando espaço. Quando tudo estava em pedaços, todos se atiraram ao chão, cansados, mas com um largo sorriso no rosto. Bia e Alice se abraçaram, sentindo pela primeira vez o abraço de uma irmã, mas algo em seus corações pesou, e elas se entreolharam.
–Tem alguma coisa errada. –Alice disse.
–Ainda não acabou, está faltando alguma coisa. –Os outros olharam para as duas, e então reviraram tudo pelo quarto, e depois por todo o orfanato, que agora, estava completamente limpo, não existia frieza, ou sussurros, ou fantasmas, a névoa, tudo havia desaparecido, revistaram até a biblioteca, mas também não tinha nada, nem A Bibliotecária, nem Os sete pecados capitais, não tinha ninguém ali, Bia foi até o banheiro feminino, e estava igual, sem ruído algum, e sem pressão nenhuma, O Mordomo não estava lá. Quebraram todas as lápides do cemitério, procurando por urnas, mas eram apenas lápides comuns, e as tumbas de Ariana e Victoria estavam vazias.
–Tem certeza que está faltando alguma coisa Bia? –Gustavo perguntou para ela, ofegante.
–Sim, não sei onde, nem explicar, mas sinto que não acabou. –Gustavo consentiu com a cabeça. Bia olhou para todos ao redor. –Melhor voltar-mos para a catedral, se estiver faltando algo, uma hora ou outra vai aparecer. –Todos assentiram, estavam cansados, se esforçaram muito para quebrar tudo o que viram pela frente, então marcharam de volta, com Bia e Alice na frente, não havia nenhum sinal de Ariana, mas Bia sabia que ela estava em algum lugar. Assim que chegaram na catedral, as meninas sentiram uma mistura de energias, boas e ruins, eles não estavam sozinhos. Bia pediu que todos ficassem lá em baixo, e depois do que a viram fazer, todos obedeceram, enquanto ela subiu as escadas para o sino. Assim que chegou pôde sentir a pressão aumentando a sua volta, ela se deparou com Ariana, apoiada no sino, de costas.
–O que você está fazendo aqui? Não sabe a hora de perder? –Bia não sentia medo algum, podia sentir que ela estava fraca, não se aguentava de pé.
–Eu estava me despedindo. –Ariana se virou para Bia, revelando sua face velha, estava caquética, muito magra, o excesso de pele visível no rosto e nos braços, os olhos pesados e cheios de olheiras, o cabelo totalmente branco, a boca frouxa e pálida.
–Parece que os anos que você roubou de todos os outros finalmente te alcançaram.
–Sim, e com o fim do feitiço, aquele que sua mãe fez para proteger esse lugar também se foi. –Ariana sorriu, Bia a olhou séria. –Não posso mais tomar seus anos para mim, mas ainda posso rouba-los de você, criança maldita. –Ela ergueu as duas mãos, e uma labareda de fogo se alastrou em volta das duas, Bia não tinha para onde correr, nem Ariana.
–Está tentando se matar e me levar junto? Até onde você é capaz de ir pelo seu orgulho, sua doente?
–Você me tirou tudo, jogou no lixo anos de trabalho e dedicação para trazer de volta minha amada, eu vou morrer de qualquer jeito, mas levarei você comigo antes disso. –O chão começava a estalar com o fogo, e as tábuas estavam ficando mais frágeis, em pouco tempo, ele se desfaria. Ariana ergueu novamente as mãos, e o sino caiu de onde estava pendurado e colidiu forte com o chão, ao mesmo tempo em que o som ensurdecedor dele se espalhava pelo ambiente caótico, o tremor desequilibrou Ariana, que se apoiou no objeto, este atravessou o chão em chamas e levou consigo Ariana, Bia ficou olhando para o buraco formado, vendo as rachaduras chegarem cada vez mais perto, enquanto sentia uma mão a puxando bruscamente para as escadas, era Gustavo.
–Vem rápido, esse lugar vai desmoronar a qualquer segundo. –Ela finalmente se encontrou.
–E os outros? O sino caiu bem no meio, estavam todos lá em baixo.
–Não, o cheiro de queimado foi bem forte, então saímos para fora, Alice disse que você precisava de ajuda, por isso vim buscar você. –Ela assentiu com a cabeça, acompanhando os passos apressados dele, e finalmente saindo da catedral, onde encontrou os outros. Todos olharam para o prédio em chamas, acompanhando ele virar cinzas junto do corpo de Ariana perdido ali em algum lugar, ali tinham as melhores memórias de alguns deles, as únicas felizes de outros, e agora tudo havia sido incinerado junto ao material que a constituía.
Ao fim de tudo, tiveram que voltar para o orfanato, o que não foi tão ruim, agora tudo estava diferente, ao sentiam se quer uma pontada no peito, do medo que antes tinham constantemente, agora era só uma casa comum, onde todos poderiam morar, onde todos teriam um lar de verdade. Eles finalmente dormiram em paz naquela noite, ainda tinham coisas a serem resolvidas, mas naquele momento, precisavam de um bom sono, para repor tudo o que gastaram na guerra pela própria existência.
No outro dia, Bianca foi acordada bem cedo pelo som alarmante de buzinas tocando, Alice entrou pelo seu quarto às pressas, e Bia ficou em alerta, temendo algo, mas Alice tinha um grande sorriso no rosto.
–Acorde logo Bia, é a Jéssica, ela conseguiu encontrá-los, agora finalmente estamos TODOS a salvo. –Bia não tinha ideia do que ela estava falando, mas sua alegria era contagiante, ela vestiu rapidamente roupas mais apresentáveis e foi até a porta da frente. Jessica estava numa minivan, no volante, e quando abriu a porta do automóvel, 8 pessoas saíram de lá, 6 crianças, uma garota mais velha e um garoto da mesma idade, provavelmente. Entre as crianças, Bia reconheceu Gabriel, o garoto que a explicou pela primeira vez sobre o orfanato da tormenta, ele vinha alegre entre os outros, e Bia sorriu para as crianças, com olhos marejados e um pesar no coração, o garoto não sabia que Miguel tinha morrido. Alice passou por ela e foi até Jéssica, e Bia a acompanhou.
–Jéssica! Você conseguiu! –Alice exclamou para a garota.
–Não foi nada fácil, o abrigo ficava no meio do nada, e não aparece no Google maps, passei o dia e a noite inteira procurando por eles. –Bianca estava abismada com a garota, ela fez tudo aquilo pela amiga?
–Pedi antes que a gente fosse lutar contra Ariana que Jéssica procurasse por eles, depois que tudo se resolvesse, precisariam de alguém para cuidar deles também. –Alice explicou para Bia, e ela se lembrou o porquê Jéssica fez isso, quem não faria algo por Alice, ela tinha muito orgulho de ser sua irmã.
–E como cuidaremos deles? Aliás, temos que procurar uma forma de cuidar de nós mesmos também, o que restou duraria uns 3 meses, mas temos que cuidar deles, então temos comida pra um mês e meio, no máximo. –Alice sorriu para Jéssica.
–Sobre isso, temos que fazer uma reunião. –Ela virou o rosto para Bia com o mesmo sorriso, e Bia ergueu uma sobrancelha. Todos se reuniram na cozinha do orfanato, e Alice tomou a iniciativa da conversa.
–Bom dia pessoal, espero que tenham dormido bem, por que eu dormi. –Todos riram, era muito bom rir. –Estamos aqui para que eu possa esclarecer nosso futuro daqui em diante, vocês lembram que pedi que escrevessem alguns dados e competências em folhas brancas a algum tempo? –Todos consentiram. –Bom, eu as usei como uma espécie de currículo. O pai de Jéssica é gerente de um novo shopping que vai abrir daqui a alguns dias, e ficou encarregado de formar uma equipe para trabalhar nele, e todos vocês, aliás, nós, fomos contratados, Jéssica nos levará em sua minivan todos os dias, então vai passar a maior parte do tempo conosco, assim vamos morar aqui, e cuidaremos uns dos outros, infelizmente Pâmela e Pedro, os irmãos que chegaram recentemente no abrigo, não foram transferidos para cá a tempo de eu conseguir algo para eles, então ficarão na mansão cuidando dos menores enquanto os outros estão trabalhando. –Os dois assentiram, eles já conheciam a história do lugar, pois Miranda já não tinha motivos para guardar segredo, e quando se juntou a Ariana para lutar contra Bianca, ela os abandonou no abrigo, eles não eram mais úteis.
–Todos estão de acordo? –Alice perguntou. Eles se olharam, conversaram, choraram e riram, e então voltaram a encarar Alice. –SIM! –Disseram em uníssono. Jéssica correu e abraçou Alice.
–Isso é tão lindo! –Ela disse alto, e todos se reuniram em volta delas em um grande abraço coletivo. Alice sorriu fraternalmente para todos. –Nós somos uma verdadeira família.
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O Orfanato da Tormenta
HorrorJamais houve uma mera visita no lugar, jamais alguém foi adotado, porém também jamais foi visto alguém que tenha obtido sucesso em fugir. O orfanato possui traços de seu passado obscuro na forma do sobrenatural, as mortes propositais assombram o rec...