04 ~ Eu estou aqui

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04 ~ Eu estou aqui.

Acordo não só com o sol a bater-me na cara, como também com uns sons estranhos parecidos com grunhidos. Levanto um pouco a cabeça olhando para os lados até chegar à conclusão que os grunhidos vêm de Zayn, que está acordado com os olhos cerrados e com os dentes ferrados no lábio inferior, provavelmente estou a magoá-lo. Levanto o meu tronco sentando-me à sua frente, deixando-o estar encostado à árvore.

- Ainda te dói muito a perna? - Pergunto passando as minhas mãos sobre o tecido que está envolvido na sua canela, o que o faz gemer de dor. Ele olha para mim mas rapidamente desvia o olhar - Percebo que não me queiras falar, mas olha à tua volta e diz-me se é a melhor altura para isso. Podes deixar de falar comigo assim que sairmos daqui, pode ser?

Ele desvia novamente o olhar e vem ao encontro dos meus olhos. Respiro fundo e olho para cima, tentando conter as lágrimas. Sei que lhe devia de mostrar que não é o unico que está a sofrer pela perda de alguém e contar-lhe sobre o meu irmão, mas não tenho a certeza se estou pronta para falar com ele sobre isso, afinal, apenas o conheci ontem, mas... Que se lixe, tenho de parar de pensar demasiado nas consequências do que faço e digo.

-Eu sei que te está a custar, perdi também o meu irmão ontem - Pisco os olhos fazendo com que as lágrimas caiam, imediatamente as limpo - Lembro-me de quando tínhamos 8 anos, estávamos a brincar no jardim às escondidas, era a minha vez de o encontrar, então eu - Sinto os cantos dos meus lábios subirem, formando um sorriso, limpo outra lágrima que estava prestes a cair e fico a observá-la no meu dedo - Eu contei até vinte e comecei a procurá-lo, mas não o encontrava em lado nenhum, olhei para a casa da vizinha e estava ele em frente a uma menina loira, a aproximar-se dela lentamente e com os olhos fechados. gritei e ele olhou para mim, ficou vermelho como um tomate. Nas duas semanas seguintes deu-me a sua sobremesa para eu não contar aos nossos pais o que ele tinha feito. Foi um bom momento para recordar - Olho para a frente observando o cenário a que estávamos submetidos, a água que existia e o piso lamacento, foram substituídos por um solo seco, com todos os destroços por cima dele.

- Temos de procurar ajuda - Digo olhando Zayn de novo.

- Eu não vou conseguir sair daqui - Zayn desata os nós do tecido e mostra-me a sua ferida, está pior, infetou, temos de encontrar alguém rapidamente. Ele solta um grande suspiro e olha-me com uma expressão triste, sei exatamente no que ele está a pensar. Ele quer que o deixe aqui.

- Estás parvo? Vamos, eu ajudo-te! - Começo a descer a árvore e paro num ramo bem grosso, capaz de aguentar com os nossos pesos- anda - Observo-o descer, devagar.

Agarro-o pelos braços ajudando-o a equilibrar-se no ramo, dou um salto para o chão e tiro-o dali. Coloco o seu braço por cima dos meus ombros e começamos a caminhar, quanto mais tempo passa, mais o Sol queima, o que torna a caminhada mais complicada.

- Kaylee, não dá mais! - Diz Zayn meio num gemido. Paro e ponho-o de frente para mim.

- Por favor Zayn, não por mim mas pelo teu pai, não és tu que dizes que a esperança é a última a morrer? O teu pai pode estar vivo, tanto como - Deixo uma lágrima escapar - Tanto como o meu irmão. - solto um pequeno riso - Isto é ridículo, vamos, tu consegues... - Neste momento ambos choramos, pelas mesmas razões, por pessoas diferentes.

- Vamos conseguir, por eles- Vejo um sorriso sincero surgir na sua cara pela 1ª vez. Ele estica o braço para o pousar nos meus ombros, deixo-o e rapidamente retomamos o caminho.

Não tenho noção das horas, mas o Sol está no seu auge, por isso deve ser meio-dia. Já ambos transpiramos e temos a respiração acelerada. Sinto o meu estômago a começar a arder, sinto as minhas pernas a tremer por ter andado tanto e pela falta de comida no meu sistema.

Começo a ouvir vozes, ou estarei a alucinar? Olho para Zayn que também me olha com a mesma expressão que o olho: esperança. Esperança por haver mais alguém vivo e capaz de nos poder ajudar.

- Aqui! - Grito o mais alto que consigo. Vejo vultos de pessoas passarem pelas ondas de calor a correr e agarrarem em Zayn e em mim.

Sinto passarem um pano na minha boca e começo a ver tudo desfocado.

(...)

Abro os olhos e vejo-me rodeada de pessoas, estou em roupa interior, com várias pessoas a tratarem-me das feridas.

- Zayn - murmuro.

As pessoas começam a afastar-se e apontam para outro grupo de pessoas, levanto-me com alguma dificuldade e empurro aquelas pessoas vendo Zayn a olhá-las assustado. Chamo por ele . Ele olha-me de cima a baixo, esqueci-me completamente que estou em roupa interior. Tapo-me com as mãos numa tentativa falhada de me tapar. Sinto as minhas bochechas a queimar, devo estar mais vermelha que um tomate, ele sorri, reparo que também está apenas em roupa interior. Olho para a sua ferida, não lhe mexeram...

Dois homens aproximam-se com uma porta de madeira e deitam-no lá, correndo para um carro, uma mulher dá-me umas roupas e eu corro para o carro, quer dizer, é uma espécie de jipe, subo para a parte de trás onde também está Zayn e sento-me a seu lado, vestindo uma camisola larga que me deram juntamente com uns calções, e o mesmo para Zayn. Ele estica-me a mão para a segurar. Sorrio e dou-lhe a mão, olhando-o nos olhos, observo cada traço do seu rosto, do seu sorriso aos seus olhos cor de avelã.

Concentra-te na situação à tua volta Kaylee, não no rapaz à tua frente.

Não posso pensar nisto agora, não posso. Ele puxa a minha mão para o seu peito, do lado esquerdo. Consigo sentir o seu batimento cardíaco forte, rápido.

Sorrio e olho-o, ele está... Nervoso? Ansioso? Também me sinto assim, finalmente vamos poder sair daqui.

- Não me abandones - Pede Zayn rouco, quase num sussurro. Aperto-lhe a mão e sorrio como que dizendo Eu estou aqui.

Começo a ouvir buzinas, olho à minha volta e vejo que estamos na cidade, ou algo parecido. Sinto o carro parar em frente a um grande edifício de cimento. Suspiro de alívio, é um hospital. Viro-me para Zayn com um grande sorriso na cara que ele compreende. Os Homens voltam a tirar Zayn do jipe, com a porta a fazer de maca. Sigo-os sem nunca largar a mão de Zayn, fazendo-lhe pequenas massagens com o polegar. Chegamos a um quarto muito pequeno, com uma cama e pouco espaço para mais. Os Homens deitam Zayn na cama com cuidado e levam a porta. Sento-me na ponta da cama. Zayn deita-me nela pondo o braço por baixo do meu pescoço, puxando-me para o seu peito, ficando as nossas mãos, ainda entrelaçadas, pela altura da sua barriga.

- Quem nos veja pensa que namoramos - Digo olhando-o nos olhos. Zayn ri-se tossindo logo a seguir. Vejo um fio de sangue escorrer pela sua boca. Levanto-me num salto e olho-o - Zayn? - Ele continua a tossir mais sangue.Corro para fora do quarto, procurando ajuda.

Várias pessoas com batas vêm ter comigo. Começo a correr para o quarto fazendo-lhes sinal para se aproximarem. Entro no quarto com eles e vejo Zayn com sangue e coágulos de sangue na mão. Ele olha-me assustado e vomita mais e mais sangue, os médicos rapidamente o rodeiam, limpam-lhe a mão, a boca e injetam-lhe algo no braço através de uma seringa.

- Hemorragias, hemorragias internas - Diz um dos médicos com alguma dificuldade.

- Ele vai ficar bem? - Pergunto passando-lhe as mãos pelo cabelo húmido da transpiração. Todos naquela sala se olham - Tu perceber o que digo? Ele - aponto para Zayn - Ficar bem? - Estico o polegar. Pode ser que assim percebam.

- Nós percebemos, temos de o examinar para percebermos melhor o que se passa com ele - Fico com uma cara de parva a olhar para o médico, com que então sabia falar mas estava com cara de « o que estás para aí a dizer? ».

Todos abandonam o quarto e eu deito-me de novo ao lado de Zayn, com a cabeça no seu peito, passo o meu dedo indicador pela linha dos seus abdominais, enquanto que ele passa os dedos pelo meu cabelo.

- Salvaste-me a vida - Diz ele calmamente, ainda rouco - Como não tens nojo de mim? Do que acabou de acontecer... Até eu tenho nojo de mim mesmo...

- Não tendo - Digo entre risos - Eu sou enfermeira, estou habituada a estas circunstâncias. Mas vá - Sento-me na cama e estico o braço apanhando uma camisola para ele - Queres que te ajude a vestir? Ou consegues sozinho? - Ele faz um grunhido que aceito.

Enfio-lhe a cabeça na camisola, assim como cada braço, puxando-a depois para baixo, tapando-o até à cintura. Deito-me a seu lado de novo, suspirando.

The Impossible // zayn malikOnde histórias criam vida. Descubra agora