capítulo 4

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Dias depois
             A semana foi corrida, muitos pacientes foram remarcados, então a semana foi uma loucura, mas ainda bem que hoje é sexta-feira. Passei a semana inteira sem ver minha filha e estou morrendo de saudades do meu bebê, tenho saído do consultório depois das nove e será assim até que eu consiga colocar em ordem minha agenda e eu possa voltar a minha rotina de chegar às 9 da manhã e sair às 5 da tarde. Hoje a Naná voltou pra casa então já posso ir buscar minha filha a casa dos meus pais e eu possa tocá-la e senti-la pertinho de mim, esses dias só tenho falado com ela pelo o telefone e não é a mesma coisa. Prometi a minha mãe que passaria o final de semana com ela para ajudá-la com os preparativos da festa que será no próximo final de semana, mas domingo a tarde e u volto pais preciso trabalhar na segunda bem cedinho, tenho uma cliente marcada para às 8 da manhã e preciso estar descansada para atendê-la. 
              Pensei que conseguiria descansar no final de semana mas me enganei, minha mãe abusou mesmo da minha pessoa, ela me disse que a festa seria apenas um jantar simples para a família e ela ao estava mentindo. O problema é que ela chamou literalmente toda a família , até mesmo os mais distantes, nem sei onde vamos acomodar tanta gente. A casa dos meus pais é grande mas ainda assim não é o suficiente para tantas pessoas, acho que tem mas de 150 convidados a lista e digamos que 70 por cento e da família, 50 por cento mora em outras cidades e vão precisar de hospedagem. Mas talvez você diga , nem todos os que convidamos aparecem, mas é aí que você se engana, nunca vi uma família tão festeira como a família do meu pai, tudo pra eles é motivo para fazer farra, um simples jantar se torna o evento do ano . Por isso tenho certeza que todos eles vão aparecer e que teremos problemas para acolher todo mundo mas meus pais não parecem estar preocupados com isso.
            Decidimos  todos os detalhes da festa e só então minha mãe me deixou voltar pra casa depois do almoço no domingo. Meu pai ficou de conseguir um desconto em um hotel da idade pra ver se ele poderia encaminhar os que moram mais longe para lá e outros ficariam em nossa casa, assim eliminaremos metade do problema, o resto mora na cidade e poderiam voltar para suas próprias casas depois da festa. Ainda bem que festas como essas não acontecem todo ano, Deus me livre de passar por isso mais vezes que o necessário.
_ Como foi a casa dos seus pais? - pergunta Naná quando chego em casa.
_ Você sabe como são as festas da minha mãe Naná ! - ela sorri da minha careta.
_ E como sei menina! Já imaginava que ela iria fazer algo grandioso.- lá diz pegando minha filha que acabou dormindo durante a viagem.
_ Ela quer que você vá na sexta para ajudá-la com os detalhes. - sorriu disfarçadamente da sua careta, sei que ela gosta dessas festas tanto quanto eu. Naná deu graças a Deus quando veio trabalhar comigo, porque assim ela se livrou dessas festas e grandes comemorações, ela diz que não tem mais idade pra isso.
_  Muito obrigada menina mas prefiro visitar meus netos. - Naná não teve filhos biológicos , seu marido não podia ter filhos então eles adotaram um casal de irmãos quando eles eram bem novinhos . O filho vive viajando com a esposa pelo o mundo em missões da igreja e a filha se casou e tem  três filhos que valem por dez. 
_ Não sei não! Acho que seus netos são adoráveis Naná ….- digo enquanto a sigo para o quartinho da minha bebê . _ E eles são querida, eles só tem energia demais e eu já estou velha,  não tenho pique pra cuidar deles .- ela sussurra para não acordar minha filha que dorme profundamente em seu berço.
_ Certo! Vou tomar um banho e dormir um pouco. Não precisa fazer jantar, podemos pedir alguma coisa mais tarde . - digo depois de lhe dar um beijo e sigo para o meu quarto, preciso descansar um pouco.
                  A  semana foi bem corrida mas graças a Deus consegui cumprir com minha agenda  e poderei ir para a casa dos meus pais despreocupada, ao menos com o meu trabalho. Ainda bem qu hoje é sexta feira e amanhã vou poder resolver outras coisas antes de ir pra casa dos meus pais, pretendo ir o shopping com a Lara, preciso comprar algumas coisas para a minha garota que está perdendo suas roupinhas já que está crescendo muito rápido. 
_ Doutora Paula, o paciente das 10 horas  já chegou. -diz a secretária pelo telefone.
_ Mande entrar por favor Ana. – peço educadamente enquanto analiso a filha da garotinha.
               Essa é uma paciente nova. Sou formada em psicologia adulta e infantil, mas a maioria dos meus pacientes são crianças, não existem muitos profissionais especializados em crianças na cidade em que moro então deve ser por isso que sou muito procurada pelos os pais . Estava fechando a pasta da paciente quando uma linda garotinha entrou na sala, ela parecia triste e eu estarei o fato de ela estar sozinha .
_ Bom dia, você deve ser a Clara. – digo sorrindo.
_Sim. – ela não retribui o sorriso. Ela está séria, mas não parece com raiva.
_Eu me chamo Paula, Clara e estou muito feliz em conhecê-la. - A menina não me diz nada apenas acena com a cabeça, mas ela é linda apesar do semblante triste, me apaixono por ela no mesmo instante. Acho que a falei que sou atraída a pela a tristeza das pessoas acho que foi o seu olhar triste que me atraiu.
              Na minha sala existe uma variedade de jogos e brinquedos que costumo deixar  espalhados de propósito para estudar o comportamento das crianças, mas a Clara é muito tímida, ela apenas olha para as coisas, mas não reage.  E como se nada chamasse a atenção dela de verdade.
_ Você veio sozinha princesa? - pergunto por que ela entrou sozinha. Ela não tem idade pra ser tão independente assim embora existam crianças que cresceram antes do tempo para poder sobreviver no mundo cruel que é esse em que vivemos. Mas a Clara apesar da tristeza não tem cara de uma criança que precisa sobreviver , eu acredito até que ela venha de uma família bem afeiçoado, suas vestimentas e sua aparência demonstram que a garota é bem cuidada , pelo ao menos fisicamente.
_ Não. Meu tio está lá fora falando no telefone. - tinha que ser homem. Nunca vi seres mais desligados. Era capaz de alguém sequestrar  a garota e ele nem perceber.
_ Quantos anos você tem princesa? - tudo o que preciso saber sobre ela está em sua ficha mas pergunto para tentar formar um laço para ver se ela deixa um pouquinho a timidez. Outra criança já teria corrido pra casinha de princesa que tem no fundo da sala. Mas ela apenas olha.
_Tenho sete. - diz sem me olhar, como se não estivesse à vontade. Ela não é uma criança que confia fácil nas pessoas.
_ Você já é uma mocinha! -nesse momento vejo que ela tenta esconder um sorriso.  
_ Você gosta de jogos? - seus olhinhos brilham, quando me ouve falar de jogos, acho que isso traz boas lembranças.
_Sim. – ela responde calma, não deixa transparecer animação na voz
_Eu tenho alguns aqui, vamos ver se você gosta de alguns.
                Levo Clara até uma mesa onde estão os jogos e peço pra ela escolher um deles. Ela escolhe um quebra cabeça, que reflete a imagem de uma família feliz depois de montado. Claro que ela não sabe disso, o objetivo é ver a reação da criança depois de concluir o jogo.
_ Porque você escolheu o quebra cabeça? - perguntei enquanto espalhava as peças em cima da mesinha.
_Eu gosto…. E também me lembra dos meus pais, nós brincávamos de montar depois do jantar. - isso indica que ela tinha pais dedicados, que tiravam tempo pra gastar apenas com ela, com a família. E isso é um bom sinal, descarta a possibilidade de eles terem sido pais abusivos.
_Que tal se montarmos esse agora? - pela primeira vez vejo ela abrir um sorriso, mas depois disfarça. Eu começo a juntar as peças como um incentivo para que ela me acompanhe .
_ Pode ser! - ela vai juntando as peças e eu vou puxando conversa enquanto ela se concentra no que faz.
_O que aconteceu com seus pais princesa? - ela volta a ficar triste, mas não para de fazer o que está fazendo.
_ Eles morreram em um acidente. - ela fala de forma natural, não sei se o que ela sabe é realmente o que aconteceu , a filha só diz que ela perdeu os pais a alguns meses mas não dá detalhes de como aconteceu.
_Eu sinto muito princesa. Faz muito tempo? - vamos averiguar se ela está  par de tudo o que aconteceu, os adultos às vezes acham melhor esconder as coisas das crianças para protegê-las do sofrimento e às vezes é apropriado , mas uma hora a verdade vem à tona e o sofrimento também .
_ Não. Alguns meses. - ela é inteligente, não se distraiu apesar do tema delicado, está quase a metade do jogo que tem o nível de dificuldade médio .
_E agora quem é o responsável por você? - ela me olha por alguns momentos e depois olha para a porta, acho que espera que o tio entre em algum momento.
_ Meu tio. - coitada dela se ele for desligado sempre.
_E você gosta de morar com ele? - é meu dever saber se ela está sendo bem tratada. Ela já passou por dias bem ruins com a morte dos pais. E ela tem idade suficiente pra lembrar desses dias pro resto da vida.  Além disso não é incomum as crianças sofrerem abuso das essas que ficam responsáveis por ela mesmo quando são familiares, já vi coisas demais desde que trabalhei com crianças por isso sou desconfiada e me certifico dos fatos para não deixar passar nada.
_Gosto. Ele é muito bom, mas não tem muito tempo pra ficar comigo, ele trabalha muito. - e difícil ver uma criança tão jovem ser negligenciada , mas às vezes a correria do dia a dia faz os pais deixarem os filhos de lado, imagino como deve ser difícil para alguém que teve que assumir uma responsabilidade tão grande como essa de repente .
_E seu tio tem filhos? - às vezes é difícil fazer uma criança se encaixar em uma nova família, principalmente se existem outras crianças, maiores ou menores.
_ Não. Meu tio tinha uma namorada, mas ela foi embora depois que cheguei. - acho que pra esse tio o período de adaptação está sendo difícil também, acho que o ivz de um paciente terei dois.
_E você sente falta dela? - pelo o visto essa namorada não é tão boa assim. Ela é do tipo que abandona o avião o meio da tempestade sem se importa com quem está nele, ao que parece.
_ Não. Acho que ela não gostava de mim. - ela não parece lamentar por isso, então acho que elas não eram tão próximas assim.
_Por que diz isso?. Ela te tratava mal? - fico atenta as suas expressões faciais, a maioria das crianças que sofrem maus tratos são instruídas a mentir, por isso é importante observar o comportamento e reações.
_ Não. Mas acho que ela não gostou quando fui morar com meu tio. - ela parece dizer a verdade.
_Por que acha isso? – pergunto por que quero saber se ela ouviu ou se alguém muito cruel foi capaz de dizer isso pra ela.
_Eu escutei eles brigando e ela mandou ele escolher, ou ela ou eu. Depois disso ela foi embora. - pelo menos ele fez uma escolha sábia . Querer disputar com uma criança parece um pouco do tio para um adulto , essa mulher tem algum problema, só pode gente .
_E eles ainda se falam? – é  difícil imaginar que alguém ainda fosse capaz de passar por cima de tal atitude e conseguir manter um relacionamento com uma pessoa tão terrível. Ela pode ao ser filha dele , mas é sobrinha, tem o mesmo sangue ,isso deveria servir para alguma coisa.
_ Não sei, não a vi mais. - que bom pra você querida, é o que tenho vontade de dizer. Como alguém consegue não gostar de uma princesa como ela? Eu sei que em todo mundo tem simpatia por crianças e isso é até compreensível , mas isso não justifica você destratar ou bater em uma criança, isso é inadmissível.
                   Depois de muita conversa pude perceber que clara é uma menina carente, que sente falta da atenção dos pais. E que o tio, pelo o que me parece não faz nenhum esforço nesse sentido, talvez ele esteja tão perdido quanto ela em meio a tudo isso. Não sei os detalhes dos acontecimentos, mas se ele é tio da criança , também perdeu alguém e ao que parece precisa de ajuda tanto quanto ela. Além de lidar com a perda de alguém que amava ele também tem que fazer o papel de pai e talvez ele não esteja pronto para essa responsabilidade. Mesmo os pais que planejam seus filhos levam nove meses para se ajustarem e se acostumarem com a ideia de um novo integrante em suas vidas, mesmo assim muitos ainda demoram para se adaptar à nova rotina depois que o bebê nasce. Imagina um cara que de uma hora para a outra descobre que é o responsável por uma garotinha de sete anos? Ele deve ter entrado em parafuso quando soube. Depois do quebra cabeça montado, vejo que seu semblante muda de tímido para triste, o que comprova o que eu percebi antes.
_ Gostou da figura princesa? – seus olhos que antes brilhavam agora estão tristes e apagados ao olhar pra mim. Ela sente falta dos pais e da segurança que sentia quando vivia com eles, da segurança de uma família.
_Sim. – uma simples palavra pode dizer tanto sobre uma pessoa. Posso ver lágrimas em seus olhos e a tristeza que essa criança carrega sozinha.
_Então por que você está triste? – eu sei a resposta, mas meu trabalho é fazer com que as pessoas expressem e pensem sobre seus sentimentos e dores.
_Eu lembrei dos meus pais. – lembrar de pessoas que amamos deveria ser algo feliz mesmo depois que elas morrem, e isso seria possível se pensássemos mais nos momentos bons que vivemos ao lado dessas pessoas. Mas nossa tendência é pensar como a vida é ruim sem aqueles que amamos tanto um dia, e esse pensamento nos deixa triste, pois nos traz saudade, um sentimento que machuca e nos faz chorar.
_ Você sente falta deles? – pergunto com a voz trêmula, as vezes não consigo ser insensível ao sofrimento de outros, principalmente de uma criança. Nesses momentos sinto o quanto é difícil fazer oque eu faço.
_ Muita. -diz triste enxugando lágrimas dos olhos, que ela finalmente deixa cair. Fico um pouco preocupada com o fato dela tentar esconder o que sente, essa é uma característica de adultos , crianças realmente são espontâneas e inocentes, não sentem a necessidade de esconder sentimentos.
_ Isso é bom. Agente só sente falta de quem é importante pra nós, então é normal sentir saudade deles. Isso quer dizer que você os amava.- não quero que ela pense que reconhecer que sente falta de seus pais e vergonhoso ou um sinal de fraqueza. Essa é a prova de que somos frágeis humanos.
_Mas é tão ruim não ter eles comigo todos os dias. -seu lamento aperta meu coração. Eu sempre tive meus pais ao meu lado, e imagino como será difícil para mim se um dia eu os perder. Por isso acredito que para uma criança, passar por isso é mil vezes pior.
_Eu imagino que deva ser mesmo. Mas sempre que sentir saudades deles, lembre dos momentos felizes que vocês viveram juntos e sempre que quiser conversar, vou te dar o meu cartão e você pode me ligar a qualquer hora. - isso é inédito. Nunca permito que pacientes me encontrem no meu número pessoal. Nem mesmo os pacientes mirins.  Do contrário eu não conseguiria ter uma vida fora deste escritório, mas meu coração amolece e abro uma exceção para essa princesa linda que me encantou com sua tristeza e seu sorriso.
_ Você fala sério? - ela me olha com espanto. Parece que ter atenção de um adulto é algo raro pra ela.
_Sim. Você não está sozinha, eu sou sua amiga e sempre que precisar me ligue. - digo acariciando seu rostinho delicado. É tão difícil ver uma criança sofrer da pior carência, a carência de amor, carinho e afeto. Principalmente quando é uma criança tão jovem quanto a Clara, isso pode refletir de forma negativa em seu futuro. Com tantas coisas que ela tem que aprender a lidar desde que seus pais morreram, ainda precisa aprender a ser sozinha. Isso não é justo, mas nada nessa vida é. E infelizmente muitos aprendem esta lição cedo demais.
_ Está bom. - apesar de tudo, acho que posso ajudá-la. Com o apoio certo é possível amenizar seu sofrimento, a dor da sua perda. O luto nunca é fácil, principalmente quando se tem que passar por isso sendo tão jovem e sozinha. O ser humano não foi criado para morrer, por isso temos tanta dificuldade de aceitar a morte, mesmo quando a vida é difícil ou passamos por problemas graves de saúde, ainda assim queremos viver e não morrer. Nosso conceito e vontade é querer viver para sempre, por isso que muitos acreditam em vida após a morte, por que foi uma forma que alguns encontraram para prolongar sua existência.
_Eu vou te deixar brincando e vou falar com seu tio, certo? - isso se ele já deu sinal de vida. _ Pode ficar a vontade para brincar com o que quiser.
_ Certo.
    

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