capítulo 6

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_ Posso ajudá-lo? - foi a única coisa que consegui dizer, não estou conseguindo pensar direito. Ver ele me olhar desse jeito está me deixando com o estômago mais revirado ainda.
_Oi eu sou o tio da Clara. - eu imaginei assim que entrei na sala. Por qual outro motivo ele viria até aqui? Por mim é que não seria. Sou uma tonta mesmo por estar tão nervosa na presença dele, não posso permitir que ele perceba o quanto mexe comigo, eu sou a psicóloga aqui, então eu que tenho que analisar e não ser analisada . 
_Então vamos sentar e conversar. - antes que eu caia com a tremedeira que me deu nas pernas. Ele é a última pessoa que eu esperava encontrar hoje, mas não vou permitir que ele note meu desconforto em tê-lo tão perto.
_Claro. Agora entendo por que cancelou as consultas do outro dia, foi por causa do acidente. - ele parece se divertir às minhas custas.
_E você saiu às pressas do hospital para trazer a Clara na consulta,... me desculpe, mas não tive condições de vir trabalhar. - tento explicar o que aconteceu e o motivo para não cumprir com o compromisso, não quero que ele pense que não sou uma profissional.
_ Entendo...foi a Cecília quem me indicou. - parece que ando no mundo da lua, como não juntei os fatos? Olho outra vez a ficha e procuro em minhas anotações esse detalhe mas não encontro, como pude esquecer de colocar esse detalhe? Não que isso faça diferença na forma como vou tratar o paciente ou a prioridade que vou dar a ela, mas eu não ficaria com cara de idiota ao encontrá-lo em minha sala.
_Claro, desculpe não ligar os fatos, ela me falou de um amigo, mas não imaginava que fosse você. - tento explicar sem muito drama para ele não achar que é mais importante do que realmente é . Geralmente homens bonitos como ele tem o ego muito grande e no vou fazer esforço para torná-lo maior.
_ Vocês se conhecem a muito tempo? - tento saber fazendo algumas anotações a ficha. 
_Sim. Desde a faculdade. E vocês ? - ele aperta as mãos com força, parece nervoso também.
_ Crescemos juntos, ela é a irmã que não tive. Quando os pais da Clara morreram tive que me mudar pra essa cidade pra cuidar dela e dos negocios, então nos afastamos um pouco. -ele me dá aquele sorriso de molhar calcinha e isso  me deixa mais nervosa então fico pensando em um assunto para abordar, vou investigar mais sobre ele depois com a Cecília .
_ Certo Adrian, você observou toda a conversa? - decido mudar o rumo da conversa, não quero que ele pense que estou interessada…. Calma aí, o que eu estou pensando? Eu não estou interessada! E cá estou outra vez falando comigo mesma em pensamentos, acho que estou ficando maluca.
_Sim. - ele diz sem me encarar. Seu olhar triste me diz que o que ele viu e ouviu mexeu com ele, acho que isso é bom. Assim fica mais fácil ajudá-los para que as coisas mudem.
_E o que você achou? - ele parece envergonhado, e não entendo o porque?
_ Não sabia que ela sentia tanta falta deles. - seu olhar triste diz que não é só ela que sente falta. Mas o que ele esperava afinal, era os pais dela, era de se esperar que ela sentisse a falta deles.
_ Pois é, mas esse não é o único problema. - agora consegui sua atenção. Ele parece sobrecarregado com toda a situação e acho que perdido também .
_ Estou ouvindo. - ele apenas me olha esperando que eu fale, parece ansioso pelo o que tenho a dizer.
_A Clara está passando por uma fase difícil, ela perdeu as únicas pessoas em que ela confiava, as pessoas que ela amava, e isso não é fácil Adrian. - ele não parece muito contente com minhas palavras e tenta se justificar.
_Eu sei, não é fácil pra mim também, eu perdi meu único irmão, além disso abrir mão da minha vida pra cuidar dela…. - ele não termina a frase quando percebeu minha cara de poucos amigos,  quanto altruísmo forçado, acho que ele merece um Oscar por tanta abnegação.
_Eu sinto muito por sua perda, mas você precisa lembrar que foi a você que seu irmão confiou o seu bem mais precioso e se fez isso não foi só porque confiava em você mas também por que acreditava que você era capaz de cuidar da garota. - agora ele volta a ficar triste e passa a observar a Clara pelo vidro, seus olhos transmitem sentimentos e isso me deixa aliviada, seria mais difícil para a garota se ela vivesse em um lar onde não se sentisse amada.
_Eu sei, mas eu não sei fazer isso. Já fazem seis meses que tudo aconteceu e eu não consigo fazer ela se abrir comigo. - como se o tempo fosse capaz de curar tamanha dor. Como se a noção de tempo para uma criança fosse igual a de um adulto. Como ele pode cobrará que ela se abra se ele não se esforça para deixar ela a vontade para conversar e falar sobre o assunto.
_ Você não precisa fazer ela se abrir. Uma criança aos sete anos não vai conseguir expor o que ela sente Adrian, principalmente sobre um assunto tão delicado.
_Mas ela fez isso com você em questão de minutos. - ele vai mesmo querer fazer comparações? Tenho vontade de rir da sua cara emburrada, ele está parecendo uma criança que perdeu o doce.
_ Isso requer prática meu caro, são anos de experiência. -digo sorrindo pra ele. Pretendo quebrar o clima ruim  que está na sala.
_O que você sugere então? - neste momento tenho pena dele, ele parece perdido, já me senti assim quando me mudei pra cá e o sentimento não é bom.
_ Tenha paciência, você não é o pai dela e ela sabe disso, então tente ser o tio que ela precisa. Você cuida dela, protege e até aí tudo bem. Mas ela não precisa só que você supra suas necessidades materiais e físicas, mas principalmente as emocionais. - ele parece assustado com minhas palavras, sei que ele está pensando que não vai conseguir fazer tudo isso.
_E como eu faço isso? - me admiro que ele não saiba. A maioria dos pais que negligenciam seus filhos, fazem isso por que simplesmente colocam seus filhos em segundo plano na vida e por isso usam o tempo que deveria ser dedicado a eles em outras coisas que consideram mais importantes. Mas quando você pergunta algo do tipo aos pais eles sabem resposta só não sabem como conseguir tal coisa e nós os orientamos quanto a isso.
_O que ela mais precisa agora é de carinho e atenção. Eu sei que você trabalha muito, mas tente mostrar pra Clara que nada é mais importante que ela em sua vida. E a partir do momento que ela confiar em você, ela vai se abrir naturalmente. Confiança vai surgir com o tempo, mas é você quem tem que conquistá-la por meio de suas ações.
_ Sabe doutora, eu sempre pensei em ter filhos um dia,  mas estou quase mudando de ideia. Esse negócio de pai é muito complicado. - sorrio do seu comentário.
_ Você nem imagina o quanto meus caro! Mas não se preocupe, eu vou te ajudar com o que eu puder. - ele me olha de maneira estranha.
_ Vai? - ele me pergunta diminuindo os olhos como se me analisasse para ter certeza do que eu disse.
_ Como profissional é claro! - me apresso em esclarecer mas ele continua me olhando de maneira estranha por um curto momento mas depois volta a sua postura de homem e importante.
  _ Será que eu consigo? - acho que esse homem também já foi negligenciado na vida, e acredito que tenha sido por seus pais. Talvez isso explique por que ele está tão perdido. E tão amedrontado.
_Quando a gente quer, a gente pode tudo Adrian, então tenho certeza que você consegue. - tento passar confiança e apoio através de minhas palavras.
_Eu vou tentar. - ele não soa muito seguro do que diz mas é bom ouvir isso, ele não é um caso perdido como pensei. Um vou tentar e melhor do que um não quero.
_E vai conseguir. Mas vou logo avisando, nem sempre vai ser fácil, vai ser necessário muito altruísmo da sua parte. - ele assentiu em concordância.
_ Percebi isso! – diz com sarcasmo.

           Quando terminamos de conversar, ficamos um tempo observando enquanto Clara brinca na sala com o urso de pelúcia que minha filha deixou aqui da última vez que a trouxe, procurei esse brinquedo por todos os lugares que pensei que pudesse encontra-lo mas não encontrei, até pensei que ela poderia ter deixado na casa dos meus pais na semana em que esteve lá mas não estava. Ela chorou tanto pelo o brinquedo que tive que comprar outro igual e levar pra casa, ainda me lembro da sua carinha de felicidade ao me ver chegar com o brinquedo. Agora ela dorme agarrada nele , tem medo de perdê-lo de novo.
           Parece que não é só minha filha que tem uma fraqueza por ursos de pelúcia, a Clara parece muito apegada a ele. Ela beija o urso como se estivesse brincando com uma boneca, conversa com ele como se estivessem brincando de casinha , tenho vontade de rir das coisas que ela diz, o adria parece achar graça também pois quando olho para ele consigo ver o vislumbre de um sorriso.
_ Vamos lá buscar sua princesa.
            Nos dirigimos a sala e Clara corre para os braços do tio quando o vê, é evidente que ela o ama, com o tempo eles vão se aproximar muito um do outro. Tenho certeza que eles vão se sair bem nesse recomeço.
_ Você achou o Ted? - pergunto fingindo que não o havia notado antes na sala. Como se o tivesse perdido, na verdade ele estava mesmo.
_ Ele tem nome? - ela diz encantada.
_Sim, é da minha filha, ela não dorme sem ele. Mas ele estava perdido por aqui e tive que comprar outro pra ela. -ao ouvir a palavra filha Adrian me olha de forma espantada mas disfarça.
_ Você tem uma filha? - Clara pergunta, mas percebo que não é só ela que está interessada na resposta.
_Sim. Ela se chama Lara e tem 3 anos. Qualquer dia você vai conhecê-la, as vezes ela vem passar o dia comigo. - vejo seus olhinhos brilharem o que me diz o quanto ela é sozinha.
_Tenho certeza que ela é tão linda quanto a mãe. - diz Adrian me encarando nos olhos e eu fico um pouco sem jeito, faz tanto tempo que eu não ganho um elogio sincero de um homem.
_ Obrigada! Ela realmente é linda. -Digo apontando para uma foto em cima de uma prateleira da sala, onde guardo algumas memórias .
_Então a consulta acabou por hoje? - pergunta ele depois de encarar a foto por um tempo, e sinto que está incomodado com alguma coisa.
_Claro, peça pra minha secretária marcar a volta. Vamos marcar a próxima para daqui a quinze dias e aos poucos vamos aumentando o espaço entre uma consulta e outra. Tudo vai depender do desenvolvimento da Clara.
-Por mim, está ótimo assim. - ele tenta parecer satisfeito, mas seu modo de agir me diz que ele está incomodado.
             Quando estavam saindo Clara vem até mim para devolver o Ted, mas percebo que ela ficou tímida, ela realmente gostou do urso. Então decidi dar o bichinho pra ela, sei que não vai fazer falta pra Lara já que ela tem outro e espero que sirva de companhia para esta garotinha tão adorável.
_ Pode ficar com ele princesa. A Lara  já tem um novo Ted, ela não vai sentir falta desse. - ela me abre um sorriso tão lindo que me encanto por ela um pouco mais.
_ Sério? - seu sorriso brilha e alegra meu coração. Espero ver este mesmo sorriso mais vezes em seu rosto.
_ Sério!. Espero que ele te faça companhia assim como fez pra ela. - ela abraça minha cintura, mas sem soltar o urso.
_ Obrigada! - ela diz abraçando o urso é se soltando de mim.
_ Não precisa agradecer, sei que você vai cuidar muito bem dele. - digo enquanto agito sua franjinha no lugar.
_ Vou sim. Posso dar um nome pra ele?- ela pergunta agitado a orelhinha do urso que estava torta.
_Claro querida! Ele é seu agora. Só cuide bem dele.  Me ajoelho na sua frente para ficar da sua altura e beijo seu rostinho alegre.
_Eu vou cuidar! Obrigada. - diz saltitante.

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