Já faz algum tempo desde que tudo aconteceu. Algumas semanas.
Todos os dias acordo feliz pelos os meus feitos. Decidimos continuar com a nossa organização #Salvemvidas, para o mês de Outubro iremos tratar sobre o câncro da mama. Temos recebidos várias ligações de pessoas a agradecer e a elogiar sobre o nosso serviço. O director depois de uma semana pediu que fizéssemos também no colégio e nós negamos, porque nós não estamos a salvar vidas por interesse algum não queremos algo em troca, ele apenas convidou devido ao número de pessoas que ganhamos, ele quer nos usar como meio de publicação da sua instituição coisa que nunca virá a acontecer.Há quem nos liga para pedir ajuda, nós deixámos alguns conselhos mas nada profundo porque não somos sequer especialistas. Teve uma chamada em especial, a história foi semelhante a minha com algumas diferenças, ele irmã e eu namorada, ele conseguiu salvar e eu não.
Tomará que as pessoas se preocupem mais com os outros.
Eu já senti o sabor da morte, eu também já pensei em morrer, após a morte de Perla, eu senti o fim, nada mais encaixava, a vida virou um quebra cabeça impossível, eu me sentia culpado principalmente quando me perguntavam se nunca havia dado conta o que poderia acontecer, se eu notasse que algo aconteceria, impediria na hora.
Eu fumava sem controle, mudei de comportamento, respondia às pessoas rudemente, separei-me de todos, trancava-me no quarto, a verdade é só uma, a consciência pesa.Eu não conseguia andar porque o peso nas costas era tão grande.
Ainda eram quatro horas e eu já não sentia sono algum, não queria ficar parado nem pensar no passado. A madrugada é sombria e misteriosa.
[17:48]
Hoje foi diferente dos outros dias, fomos à praia, nem lembro da última vez que colocara os pés na areia quente e inalava o cheiro do mar. Velhos tempos. Bons tempos.
Trouxemos três carros, todas da minha turma estavam, viemos comemorar o último ano juntos. Será algo inesquecível ou nem tanto assim já que em menos de duas horas já havia muita gente bêbada, eu gosto de ver gente bêbada, estava deitado numa toalha amarela, com os troncos nus a queimar, apoiava a minha cabeça nas mãos com os olhos vidrados para o céu. Uma boa calmaria.- Ô Rafael, anda cá nadar.- Nem tudo dura para sempre, estava tranquilo, levanto-me e sigo o raio da voz. Poderia ignorar ou pedir que ele fosse naquilo mas não. Tretas.
Cheguei a casa podre, cheirava a praia e bebida, não estava tão mal como os outros, não aguentava-me em pé andava as cambalhotas, com a ajuda de meu pai consegui chegar até o meu quarto, nem tirei a roupa com areia no corpo e a saber a mar deitei na minha cama confortável. Sonhei com Perla, foi estranho, ela dizia algumas coisas incompreensíveis deve ser efeito da bebida, estava a alucinar. Eu fui acordado pelo minha mãe com uma caneca de chá e outra de água. Sentei-me na cama com a cara cagada tentando decifrar as palavras de Perla, precisava distinguir um sonho de uma alucinação.
- "Está tudo a dar certo, as coisas estão a mudar nada é como antes, não te preocupes mais, acabou Rafa, já se fazem entender".
Do que ela estava a falar?
De todo, isso foi uma alucinação. Há uma carta em particular que nunca ganhei coragem de abrir, não é uma carta qualquer vinda de uma pessoa qualquer. É carta de minha amada. Levanto-me da cama e dirijo-me até a gaveta de recordações, reviro as coisas que lá estavam procurando pelo papel velho que já deve estar amarelo.
De: Perla Karla. 20/04/2015
Para: Rafael Anzel.- Tudo bem como você?
Espero que estejas bem.Você deve estar se perguntando o porquê não é? Eu sei que foi algo imprevisível da minha parte, mas eu já não aguentava essa "fase" sou fraca todos vocês conseguiram ultrapassar da melhor maneira e eu não. Nada de remorsos Rafa.
Todas as porcarias que já aconteceram comigo simplesmente me assombravam, os meus demónios voltaram, eu já não conseguia controlar a minha ansiedade.
Eu comecei a ter muitos ataques de pânico, eu tinha muitos flashbacks, eu me sentia sufocada cada vez que saía de casa. Mas teve um flashbacks em especial. O do acidente, quando eu saí com algumas amigas para fazer compras e acabamos por ficar num bar, bebemos feito loucas, na hora de ir para casa, eu andei mais do que o necessário e choquei com o carro na árvore quase tirando a minha a vida, o acontecimento era algo para ser esquecido,eu esqueci por um tempo, sempre que olhava, entrava para o carro eu lembrava, algo inevitável, quando posicionava as mãos no volante eu lembrava do choque do carro com a árvore e se sentia novamente o sangue sobre a cabeça. Eu já não gostava de andar com o meu próprio carro me sentia traumatizada demais para isso até você notou. Não serei clichê com a declaração mas eu te amo como o tamanho da minha dor.
Eu não planeei nada, não pensava como séria a minha morte apenas acordei e tive um surto. Eu já me sinto a ir, eu quero ir, leve-me para casa Deus. Essa dose de Martini me fez dorm...Ela não acabou de escrever, dormir, porque foi nessa parte em que ela dormiu para sempre, tomara que acordasse, ela morreu ou como ela disse "dormiu" no banheiro da sua casa, tomou comprimidos aleatórios e dose de Martini. Encontraram-la no dia seguinte, foi sua mãe que fez chegar essa carta.
Depois dela nunca namorei com mais ninguém, ainda não penso num outro alguém, a dor primeiro tem de ir para o além.
Deixo a carta do jeito que a encontrei no fundo da minha gaveta de recordações. Com a mente mais atrofiada do que já estava, eu ainda a amo.
"A mim tudo acontecia
Eles nunca viam
Que eu sentia
O efeito que a dor fazia."
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Salvem Vidas
General FictionO ato intencional de matar a si mesmo chamasse suicídio. Livro escrito para campanha do setembro amarelo como conscientização. Suicídio não é fraqueza e muito menos falta de Deus. A cada segundo uma pessoa em qualquer lugar, suicída-se. Capa feita p...