Capitulo I

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Londres, outono, de 1788

TER UMA FACA APONTADA PARA O PESCOÇO PODE FAZER UMA PESSOA
enxergar com mais clareza a opinião que tem sobre a própria vida, Penélope concluiu. Ela permaneceu imóvel enquanto o homem corpulento, um tanto fétido, que a segurava de modo atrapalhado, ajeitava sua posição. De repente, toda a raiva e todo o ressentimento por ter sido tratada por suas meias-irmãs como se ela não passasse de uma mera criada pareceu insignificante, um problema sem importância.
É claro, isto podia ser alguma forma de castigo cósmico por todas as vezes que desejou mal às suas meias-irmãs, ela pensou quando o homem a ergueu o suficiente para que seus pés saíssem do chão. Um dos dois comparsas do homem amarrou seus tornozelos de modo semelhante ao que prendeu seus pulsos. Seu raptor carregou-a para um beco escuro que cheirava tão mal quanto ele. Poucas horas antes, ela havia visto Clarissa saindo para um passeio de carruagem com seu futuro noivo, Lorde Radmoor. Espiando da janela quebrada do seu quartinho no sótão ela tinha, incontestavelmente, nutrido o desejo perverso de que Clarissa tropeçasse e caísse sobre o monte de estrume próximo às rodas da carruagem. Penélope achou, no entanto, que ser levada por um bandido armado à faca e seus dois comparsas grandalhões fosse uma punição um tanto severa para um desejo infantil nascido da inveja. Ela, afinal, nunca desejará que Clarissa morresse, o que Penélope temia ser seu destino.
Penélope suspirou e admitiu com tristeza que era parcialmente culpada pela sua atual situação de apuro. Tinha passado muito tempo com seus meninos. Até mesmo Paulinho a apressara para que ela não voltasse para casa no escuro. Era embaraçoso pensar que um garotinho de cinco anos tinha mais bom-senso que ela.
Ela deixou escapar um suave gemido de dor, emudecido por uma mordaça imunda, quando seu raptor tropeçou e a fria lâmina arranhou sua pele.

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