ATO 3 - Capítulo Três

11 3 0
                                    


SANIDADE


Luana era desligada, mas nem tanto assim.
Alguma coisa acontecera com Vanessa e estava claro que a garota não queria falar sobre. Imersa em pensamentos, parecia num conflito interno - como se o lado direito de seu cérebro estivesse brigando com o esquerdo ou coisa do tipo. Luana imaginou uma discussão entre dois neurônios que julgou cômica. Se virou para Vanessa, que encarava algum ponto à sua frente sem piscar e com olhar perdido.
Arriscou a pergunta outra vez:
-Que diacho que aconteceu lá dentro, hein?
-Hã? O-o que?- a garota voltou para a realidade, como se acordasse de um sonho profundo. Suas mãos tremiam.
-Vem com essa não, você disfarça muito mal, Vanessa.
-Não foi nada. É sério. Tá tudo bem...
-Olha, se você não quer falar é uma escolha sua e eu não posso te obrigar, mas eu também não posso te ajudar se não souber o que está acontecendo com você.
-Ta tudo bem, Lu. De verdade. Já está ficando escuro, vamos...- Ela hesitou- ...voltar lá pra dentro?
Sem uma resposta verbal, as duas se levantaram e andaram até a porta pela qual Vanessa tinha saído. Novamente a garota hesitou, fechando sua mão a poucos centímetros da maçaneta. Tão rápido quanto uma piscadela, se recompôs e as duas seguiram em direção ao palco. Tudo parecia tão normal quanto um local incendiado pode parecer.
_______________________________
Era noite, madrugada. Guilherme acordou sobressaltado, como se alguém pusesse o dedo molhado dentro de seu ouvido e se escondesse para não ser pego. Olhou em volta assustado e viu Pedro deitado no colchonete ao lado, usava o braço como travesseiro e dormia profundamente com a boca aberta. Vanessa, Luana e Ruan estavam ali também. Nikolas e Julia quiseram dormir no carro e todos ficaram constrangidos demais para ao menos pensar em impedi-los. Admitia que, a essa altura, já deviam ter se acostumado com os perdidos que o casal dava sempre que a oportunidade surgia. Fazer o que.
A visão dos amigos o acalmou um pouco. Sentiu seu frasco de água benta no bolso interno da blusa e todos os seus temores passaram. Ele não estava sozinho. Nunca.
Respirou fundo para baixar os batimentos cardíacos mas notou um movimento na cortina meio carbonizada que um dia provavelmente foi vermelha. Ficou vendo-a balançar, pendendo do teto, sem poder se lembrar de como não tremer até que notou um grande buraco no teto -talvez causado pela chuva, quem sabe- decidiu culpar o vento e assim que encostou a cabeça no travesseiro dormiu.
Dormindo, não viu a cortina se movendo periodicamente durante toda a noite. Uma, duas... sete vezes.
________________________________
Nikolas e Julia estavam no carro em silêncio. Ela fingia sonolência. Ele observava a floresta à direita e que sobrou do teatro à esquerda. Era uma manhã quase indo para o meio-dia de uma quinta-feira e o dia parecia calmo.
Claro, não fosse a atmosfera pesada do lugar, onde cerca de 240 pessoas morreram em agonia vinte anos antes -exatamente vinte anos que seriam completos no dia seguinte.
Eram estes os pensamentos soturnos que pairavam pela cabeça de Nik quando seu devaneio foi bruscamente interrompido pelo movimento de Julia em seu ombro.

-O Ruan estragou meus esquemas.- disse fingindo despertar- Ele guardou a chave e tudo o que eu queria era fugir para algum lugar onde o banheiro não estivesse reduzido a cinzas.
- Bom dia pra você também- Nikolas sorriu encantado e a puxou para dar-lhe um beijo no rosto.
Ela fez pouco caso e se esticou, bocejando.
-Ta, vamos. Devem estar fazendo altas especulações com os nossos nomes no meio.
Nikolas riu e assentiu desconfortável. Sempre gostou de aventuras e não conhecia os mandamentos do deboísmo, definitivamente. Mas uma sensação incômoda o acompanhou desde que viram as primeiras placas envelhecidas que indicavam a direção do teatro. Parecia que haviam olhos colados em sua nuca, espreitando cada passo, cada movimento dele e de seus amigos. Essa sensação triplicou a partir do momento em que pisou lá. Não tinha um bom pressentimento sobre aquele lugar, principalmente nessa data. Para ele era inconfessável, mas fora por puro medo que sugerira para Julia que passassem a noite no carro.
Preferiu o silêncio e guardou seus pensamentos para si. Seguiu Julia e saiu do veículo e foram os dois, um com o braço em torno do outro, cambaleando. Pararam a alguns metros do portão principal, quando Nick ouviu um riso abafado ao pé de sua orelha direita.
Ouvir coisas, ter impressões... isso geralmente não acontecia com ele... ele não era paranoico. Ou era?
Pela expressão de Julia, ela também ouviu.
Ficaram os dois, pasmos e quietos, os ouvidos atentos. Apenas as vozes dos amigos e o gorgolejar da Cachoeira lá embaixo. Os pássaros não cantavam. E não tinha ninguém.
Retomaram a caminhada. Entraram e encontraram os amigos em círculo sobre os colchonetes. Chegaram perto e Nikolas tocou num dos ombros de Ruan, que se virou sorrindo com um brilho louco nos olhos.
-Chegaram bem na hora- disse, a expressão levemente perturbadora, mas Nikolas julgou ser apenas animação.- já vamos começar a leitura do texto.

Texto: Vitoria Ceccon
Revisão: Giovanna Longobardi

You've reached the end of published parts.

⏰ Last updated: Oct 12, 2017 ⏰

Add this story to your Library to get notified about new parts!

BHS : BacoWhere stories live. Discover now