2 capitulo

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Shea acordou cedo na manhã seguinte, levantando do calor de sua cama para se vestir com pressa no frio úmido do ar matinal. Ele descobriu que levantara tão cedo que mais ninguém na hospedaria, fosse hóspede ou membro da família, estava acordado. A comprida construção estava silenciosa enquanto ele passava de seu pequeno quarto nos fundos da seção principal para o grande salão onde logo acendeu o fogo na lareira de pedra, com os dedos quase dormentes de frio. O vale era sempre surpreendentemente frio no início da manhã, antes de o sol alcançar o alto das colinas, mesmo durante as estações mais quentes do ano.

O Vale Sombrio era bem protegido, não somente dos olhos dos homens, mas da fúria das condições climáticas perversas que vinham das Terras do Norte. Ainda assim, apesar das fortes tempestades do inverno e da primavera não atingirem o vale, o intenso frio das manhãs se assentava nas colinas altas o ano inteiro, até que a calidez do sol do meio-dia viesse espantá-lo.

O fogo crepitava e estalava a madeira enquanto Shea relaxava em uma das cadeiras altas de encosto reto e refletia sobre os acontecimentos da noite anterior. Ele se recostou, cruzou os braços para se aquecer e encolheu-se na madeira pesada. Como Allanon poderia conhecê-lo? Ele saíra do vale pouquíssimas vezes e certamente se lembraria do outro homem se o tivesse encontrado em uma de suas raras viagens. Allanon se recusara a falar mais sobre o assunto depois daquela única declaração. Terminou o jantar em silêncio, deixando claro que continuaria a se explicar na manhã seguinte, e voltou a ser a figura ameaçadora que Shea vira ao entrar na hospedaria naquela noite. Após a refeição, pediu para ser levado até seu quarto e pediu licença. Nem Shea nem Flick conseguiram que ele dissesse mais uma palavra sobre a viagem até o Vale Sombrio e seu interesse por Shea. Os dois irmãos conversaram mais tarde naquela noite, e Flick contou a história do encontro com Allanon e o incidente com a aterradora sombra.

Os pensamentos de Shea voltaram à questão inicial: como Allanon poderia conhecê-lo? Ele repassou os acontecimentos de sua vida mentalmente. Os primeiros anos eram vagos em sua memória. Não sabia onde nascera. Fora adotado pelos Ohmsford ainda muito novo e eles lhe contaram apenas que nascera em uma pequena comunidade nas Terras do Oeste. Seu pai morrera antes que fosse possível fixar dele uma impressão duradoura, e já não conseguia se lembrar de quase mais nada. Sua mãe ficara com ele por algum tempo, e ele se recordava de fragmentos dos anos que passara com ela, brincando com as crianças élficas, cercado por árvores altas e uma solidão verdejante. Ele tinha cinco anos quando ela adoeceu subitamente e decidiu voltar para o seu povo na aldeia do Vale Sombrio. Ela deve ter percebido que estava prestes a morrer, mas sua preocupação principal era o filho. A viagem para o sul fora muito dura para ela, que falecera logo após alcançar o vale.

Os parentes que sua mãe deixara no vale ao se casar haviam morrido, exceto pelos Ohmsford, que eram apenas primos distantes. Curzad Ohmsford tinha perdido a esposa a menos de um ano e estava criando o filho Flick sozinho, enquanto gerenciava a hospedaria. Shea tornou-se parte da família e os dois meninos cresceram como irmãos, ambos carregando o sobrenome Ohmsford. Shea nunca soube seu sobrenome verdadeiro e nem se preocupara em perguntar. Os Ohmsford eram a única família com quem ele se importava e eles o aceitaram como um deles. Havia momentos em que ser um mestiço o perturbava, mas Flick insistia que isso era uma vantagem, já que ele possuía os instintos e a índole de duas raças para se desenvolver.

Entretanto, ele não conseguia se lembrar de nenhum encontro com Allanon. Era como se aquilo nunca tivesse acontecido de fato. Talvez não tivesse mesmo. Ele se remexeu na cadeira e olhou distraidamente para o fogo. Havia alguma coisa no andarilho sombrio que o assustava. Talvez fosse só imaginação, mas tinha a sensação de que o homem conseguia ler seus pensamentos de alguma maneira; ver através dele sempre que quisesse. Parecia ridícula, mas a ideia perdurara na mente do rapaz desde o encontro no salão da hospedaria. Flick também sentira o mesmo. E fora mais além, sussurrando na escuridão do quarto para o irmão, com medo de ser ouvido de alguma forma, que achava que Allanon era perigoso.

A espada de shannaraOnde histórias criam vida. Descubra agora