Capítulo V
Ao final da tarde daquele mesmo dia, os rapazes do vale chegaram à cidade montanhosa de Leah. As muralhas de pedra e argamassa que a cercavam eram um refúgio bem-vindo para os viajantes cansados, apesar do sol brilhante da tarde fazer a massa cinzenta e quente parecer tão amistosa quanto ferro aquecido. O tamanho e o volume das muralhas eram repulsivos para eles, que preferiam a liberdade das florestas mais exploráveis que circundavam sua casa, mas a exaustão logo os fez deixar de lado qualquer aversão e adentrarem sem hesitar pelos portões a oeste as ruas estreitas da cidade. Era horário comercial, e as pessoas se acotovelavam pelas lojas pequenas e mercados que circundavam a entrada da cidade murada e seguiam até a casa de Menion, uma imponente e antiga mansão protegida por árvores e sebes e com gramados muito bem cuidados e jardins perfumados. Leah parecia ser uma grande metrópole para os homens do Vale Sombrio, mas era na verdade pequena se comparassem com as grandes cidades das Terras do Sul ou até mesmo com a cidade fronteiriça de Tyrsis. Leah era uma cidade separada do resto do mundo, e raramente os viajantes adentravam seus portões. Era independente, existindo sobretudo para atender as necessidades de seu povo. A monarquia que governava a cidade era a mais antiga das Terras do Sul. Era a única lei que seus súditos conheciam — talvez a única de que precisavam. Shea nunca se convencera disso, apesar de, em sua maioria, o povo montanhês parecer satisfeito com o governo e o estilo de vida que oferecia.
Enquanto seguiam entre a multidão, Shea se pegou refletindo sobre a improvável amizade com Menion Leah. Teria de ser qualificada como improvável, ele meditou, porque eles pareciam ter muito pouco em comum à primeira vista. Um homem do vale e um montanhês, com passados tão completamente diferentes que desafiavam qualquer comparação significativa. Shea, o filho adotado de um dono de hospedaria, teimoso, pragmático e criado na tradição de homens trabalhadores. Menion, o filho único da casa real de Leah e herdeiro do trono, nascido para uma vida repleta de responsabilidades as quais desconsiderava completamente, possuidor de uma autoconfiança atrevida que tentava ocultar com pouco sucesso e abençoado com o instinto excepcional de caçador que lhe concedia um respeito relutante mesmo de um crítico tão severo quanto Flick. Os pontos de vista políticos eram tão contrários quanto seus passados. Shea era incondicionalmente conservador, um defensor das tradições, enquanto Menion estava convencido de que as tradições se provaram ineficazes para lidar com os problemas das raças.
Entretanto, mesmo com todas as diferenças, eles desenvolveram uma amizade que evidenciava o respeito mútuo. Menion achava o amigo muitas vezes antiquado na maneira de pensar, mas admirava sua convicção e determinação. O jovem do vale, diferentemente de Flick, não era cego aos defeitos de Menion, mas via no Príncipe de Leah uma coisa que as outras pessoas estavam inclinadas a ignorar: uma forte e admirável noção de certo e errado.
Naquela época, Menion Leah vivia sem qualquer preocupação com o futuro. Viajava bastante e caçava nas florestas das montanhas, mas, na maior parte do tempo, parecia procurar novas maneiras de arrumar encrenca. A habilidade com o arco e com o rastreador que adquirira merecidamente não atingira nenhum propósito útil. Pelo contrário, só servira para irritar o pai, que tentara repetidamente e sem sucesso fazer o filho e único herdeiro se interessar pelos problemas do governo do reino. Algum dia Menion seria rei, mas Shea duvidava que o amigo despreocupado já considerara a possibilidade por mais de um instante. Isso era tolice, apesar de ser de certa forma esperado. A mãe de Menion morrera havia muitos anos, pouco após Shea visitar as montanhas pela primeira vez. O pai de Menion não era um homem velho, mas a morte de um rei nem sempre acontecia com a idade, e muitos dos antigos governantes de Leah morreram súbita e inesperadamente. Se algum imprevisto acontecesse com seu pai, Menion se tornaria rei mesmo que não estivesse preparado. Aprenderia algumas boas lições com isso, Shea pensou, sorrindo involuntariamente.
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A espada de shannara
FantasíaDizem as lendas que as Grandes Guerras do Passado destruíram todo o mundo. Mas, a viver em paz no bucólico Vale Sombrio, o meio elfo Shea Ohmsford pouco sabe sobre esses conflitos. Até ao dia em que ressurge uma terrível ameaça: o Lorde Feiticeiro...