Jeffords Rodriguez chegou antes de todos. Aproveitando da ausência dos colegas, enrolou um pouco de junkie — e observou as piruetas da fumaça misturando-se ao ar. Ele sabia que lidar com um crime na mansão dos Ferrer era como pisar em ovos, podres e quebrados.
A porta abriu.
Acompanhou a aproximação de Sonjie, o empregado vestia um cachecol listrado de cores vibrantes.
— Bom dia. Você deve ser o senhor Jeffords, o detetive?
Rodriguez tragou uma última vez, depois apagou o cigarro no banco do carona, e respondeu — O próprio, e você quem é?
— Sou o mordomo de Montana Ferrer. Falamos ontem à noite.
O detetive saiu do carro.
— Sim, eu lembro de você. Qual a situação sensível que você me informou? Alguém pisou na grama? — gracejou.
Sonjie arqueou as sobrancelhas, a testa rugou.
— Acompanhe-me, senhor Jeffords. E não toque em nada além do que você precisará para seu trabalho. Mestre Victor deixou instruções claras sobre os limites do trabalho de vocês da polícia. Entendeu?
— Claro que sim, seu bostinha arrogante — pensou, mas se deteve a balançar a cabeça.O detetive pigarreou, o ar seco da montanha e o hábito de fumar deixavam-no rouco. Surpreendeu-se com o tamanho da escada de madeira escura no hall de entrada e com os objetos de decoração — no teto satélites amassados atraíram a sua atenção.
— Vejo que você é um admirador de artefatos, senhor Rodriguez — disse Victor, saindo de um corredor à esquerda enquanto apertava o botão da camisa.
O detetive pigarreou outra vez, nervoso. — Bom dia, senhor Ferrer. É uma honra conhecer alguém da fundação.
Ferrer estalou os dedos, Sonjie apareceu ao seu lado.
— O que deseja, mestre?
— Pergunte ao detetive Rodriguez se ele quer algo para beber.
O mordomo olhou para Jeffords.
— O que deseja beber, senhor?
— Um pouco de café, por favor.
— Com licença, senhores — disse Sonjie, e saiu.
— Os empregados de hoje em dia são tão displicentes, senhor Rodriguez. Está cada vez mais difícil confiar o cuidado de sua casa a alguém... — olhares se trocaram —, — mas diga, o que você sabe do que aconteceu aqui?
Jeffords afrouxou a gravata, pigarreou, e respondeu — Nada, senhor Ferrer. O seu mordomo não me deu detalhes.
— Ótimo, vamos ao terceiro andar então. O café fica pra depois.O corpo de Greva estava rígido, os olhos opacos. Seu odor podre impregnava o banheiro e espalhava-se pelo quarto como tentáculos.
— Assunto sensível, hein — pensou o detetive, depois mexeu os dedos sobre o antebraço. — Gravação ocular iniciada — o sistema notificou.
Victor aproximou-se, taciturno. Fez uma expressão de pouco caso diante da filha morta e puxou um cigarro do bolso da calça.
— Era minha filha. Morreu ontem. Meu tutelado a encontrou.
O detetive virou-se, preocupado.
— Como investigar uma das famílias fundadoras? — pensou. Pigarreou, a garganta seca por causa do cigarro do Ferrer, e disse — Eu preciso chamar a equipe de remoção da necropsia e avisar o conselho — as mãos no bolso, a voz atravessada.
Victor riu, cínico.
— Senhor Jeffords, acho que o senhor não entende a situação. Eu não quero que essa morte cause mais problemas. Greva estava doente e morreu. Só isso. Escreva um parecer e declare que ela morreu por causa da Praga.
Rodriguez dobrou os braços, o suor desceu da testa.
— O senhor não precisa de mim... — estou ferrado — para fazer isso. Você é um dos herdeiros dos fundadores de Atlas.
Victor aproximou-se, Jeffords sentiu seu hálito quente e amargo.
— Eu sei que posso, mas não devo fazer. Eu quero que você faça — o dedo indicador no peito do detetive. — Você me entendeu?
O policial olhou para o chão, respirou fundo.
— Senhor Ferrer, isso pode arruinar a minha vida.
Ferrer tocou a orelha.
— Liberado — sussurrou.
Uma notificação do sistema informou Rodriguez.
— Gravação apagada.
O detetive deu um passo para trás, estava encurralado.
— Como você fez isso?
Victor riu.
— Eu sou o legado dos fundadores, detetive.
Então saiu.***
Não tinha saída, percebeu Charlize. O lugar era um cubo, no centro uma cadeira e mesa de cantos boleados. Ficou ali por quanto tempo? Não precisava a passagem do tempo, a agonia, o tédio, estava presa.
Uma portinhola abriu, uma coisa pequena arrastou-se, era branca, enervada, a boca roxa, sem olhos e nariz.
A moça sentiu um aperto no peito, a respiração pesada, e a cada passo daquilo suas mãos tremiam. Desejou que tivesse algo que ajudasse a se livrar do monstro.
— Não se aproxime! — tentou dizer, mas a voz estava presa na garganta.
A coisa parou.
A portinhola abriu novamente. Dessa vez vieram duas, andavam de quatro e relinchavam. Pararam diante dela — a visão das criaturas lhe embrulhava o estômago. Os movimentos de regurgitação intensificaram-se, então expeliu uma quantidade abundante de suco biliar.
As coisas gruniram, estenderam os bracinhos e beberam os rejeitos de Charlize.
— Parem!
A sala ficou vermelha — um triângulo com sinal de exclamação flutuava. Várias portinholas abriram, mais daquelas coisas entraram, algumas brigando, outras se devorando para ter um lugar na beirada da poça de vômito.
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Terra 2170 - Degustação
Short StoryTerra, 2170 - Absalão tragava seu cigarro da janela do quarto enquanto olhava a gente na rua debaixo, a fumaça soprando quente no ar frio da noite. No horizonte, uma guerra inevitável eclodia, ele foi a fundo demais nos segredos sob Atlas e o preço...