O início do fim - Retalhos

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Já era alta noite, quando ela se pegou novamente a pensar. A cabeça parecia um turbilhão desde aquela manhã escaldante. Tudo mudará e nada realmente mudou. Foi realmente um momento ímpar, que ela saboreou minuto a minuto. Como foi maravilhosamente estigante alguém a ver sem a carga do dia a dia. Elogiar seu sorriso, ou o brilho dos seus olhos.
E AnaLe sentada na noite escura refletia, olhava para o número de telefone rabiscado no papel.
Ainda não decidira se iria ligar. Não decidira se tudo isso era algo realmente bom. Mas o fato é que novamente estava sozinha. As crianças haviam dormido, a "criatura" nem o celular atendia.
Com raiva, por despeito. Decidiu ligar. Não hoje, não agora, estava cansada, o sono chegou pesado. Colocou o papel rasgado em baixo da travesseiro e se entregou ao sono.

O dia chegou rápido, e ela ainda não ordenara os pensamentos. De manhã era sempre assim, correria, parecia estar no automático. Acordar, arrumar as crianças, as mochilas e ir de caminhada até o trabalho.
Ela se sentia aos farrapos, mas esse amanhecer estava diferente. Ela estava diferente, se olhou diferente.
O número do celular ainda estava vivo em sua memória. O que não compreendia era o motivo daquele entusiasmo. Não foi um encontro, não foi romântico. Ele não usou de segundas intenções. Porém conseguiu abrir uma fresta na porta de seu coração. Carência? Ela balançou os cabelos como que para espantar aqueles pensamentos.
Simplesmente cantou. E saiu para o trabalho.
A sensação de alegria, euforia, deu espaço a uma ansiedade desmedida.
"Porque isso?" Pensou e não encontrou resposta.
Por volta do horário de almoço um chamado no seu celular. Prefixo diferente. Mas ah... O número era familiar.
As mãos tremiam. Atende. Atende.
E finalmente.
"Oi? "
"Olá querida. Como você está?"
A voz firme do outro lado a fez recordar da manhã de risos e boas memórias.
"Ah... Bem, ótima na verdade e você"
"Feliz por ter reencontrado você, te ver assim linda,  alegre como sempre, me deixou muito feliz"
Linda?! Ele disse linda?!
AnaLe não podia crer no que acabara de ouvir. Ficou sem reação.
"Alô? Está aí? Oi?"
"Oi. Oi... Aqui, também fiquei feliz em reve-lo".
Este foi o primeiro de todos os telefonemas que seriam feitos, e sempre seria assim? Esse frio na barriga?
"Ora AnaLe, você não é adolescente para se prestar a esse papel"
"Eu e minha típica mania de me boicotar".
E assim AnaLe iniciava sua trajetória rumo a si mesmo, sua colcha de retalhos de memórias agora estava começando, um novo tecido. Uma nova lembrança, um novo amor?
Nem ela era capaz de responder.

Naquele mesmo dia a euforia de tudo o que estava acontecendo a invadiu e ela foi conversar com o até então marido/ criatura.
"Você não imagina o que me aconteceu"
"Não sei, não tenho bola de Cristal"
Resposta atravessada, dia após dia estava se tornando insustentável essa convivência. AnaLe, família Cristã, tinha que ser firme, casamento era para sempre. Quem disse? Todos que não carregaram o fardo de seus dias.
Respirou fundo e...
"Vou te contar, encontrei um amigo da minha adolescência, eu nem me lembrava mais e pasme, ele me elogiou, disse que estou linda." Sorriso amarelo, quanto animo pensou consigo mesma.
"Ah é? Com certeza ele não te conhece mais, porque olha... Sem comentários."
Ela sentiu então todo o isolamento deste relacionamento, e nunca o ditado "antes só do que mal acompanhado", fez tanto sentido.
O marido pega o carro e sai para mais um passeio pelos bares da vida. Ou com pessoas mais importantes, sozinha novamente. Ela e as crianças.

Existe vida após o divórcio!?Onde histórias criam vida. Descubra agora