Por bastante tempo eu achei estar dando voltas no mundo inteiro a pé, o cemitério era grande demais. Eu já estava me sentindo melhor que antes, a tontura havia passado, agora minha mente estava mais clara, e de vez ou outra, eu tinha uns flashbacks, eu tinha tido a visão de um homem, de aparência jovem porem com um certo ar de quem carrega muito conhecimento dentro de si, ele estava abraçando uma garotinha de cabelos tão negros como a noite, os dois riam e se divertiam tanto juntos, e ao ver isso eu senti um aperto no peito, como se fosse um vazio e uma falta... Tudo foi virando fumaça mais uma vez, até desaparecer de vez.
Eu e Rafael passamos por tantas covas que já era impossível de contar, não sabia para onde estávamos indo, meu pés descalços doía com a caminhada, parecia não ter mais fim.
- Estamos perto - disse Rafael. Suspirei enquanto parava para descansar, estava cansada, andando sem rumo em um cemitério que me dava calafrios.De longe, eu pude avistar como se fosse um portal para outro mundo, era gigante, escuro, seu interior brilhava em tons preto e roxo, e então uma porta se fechou, consegui ver que era uma porta velha e desgastada, aos pedaços.
- É lá? - perguntei apontando com um movimento de cabeça.
- Sim, - ele disse - essa é a porta que passamos para ver nossa família, em qualquer lugar no espaço e tempo, ele sabe de onde você vem no momento em que passa por ele, é incrível!
Estremeci, voltei a andar agora com mais curiosidade e com medo também, estava com medo do que ia ver, do que ia descobrir de mim. E se não for bom? E se eu não tiver uma família? Será que eu tinha uma casa? Perguntas negativas ecoavam minha mente e cada passo que eu dava eu sentia mais medo do que ia encontrar atrás daquela porta gigante. Rafael sempre do meu lado, com seu braço em minhas costas, estávamos cada vez mais perto.
Um vento forte surgiu quando chegamos em frente a porta e ela se abriu, meu vestido e cabelos voaram enquanto eu cobria meus olhos com o braço, fui tirando devagar, permitindo enxergar o interior, indo para mais perto eu vi as estrelas e o céu negro com manchas roxas, era uma verdadeira galáxia, uma linda galáxia...
- Vamos? - Rafael estendeu a mão para mim, eu a segurei e olhei no fundo dos seus olhos, eu não o conhecia muito bem, mas ali olhando dentro dos seus olhos castanhos eu pude ver a confiança que ele passava pra mim, e com seu sorriso de leve eu retribuí, um sorriso nervoso, mas sincero.Atravessamos, nos primeiros 2 segundos eu achei estar caindo, fechei os olhos e apertei mais ainda sua mão, e no outro segundo eu estava em pé, dentro de uma casa, bonita, simples e organizada, alguns móveis antigos dando um ar nostálgico. Eu estava na sala, tinha um sofá grande de estampa quadriculada vermelha, preta, azul escuto e branco, ao lado tinha uma poltrona de pano beje, daquelas que se deita e inclina, suponho. Em frente ao sofá tinha um tapete preto felpudo, olhei para trás de vi uma televisão em cima de uma estante com divisórias cheias de livros de diversos tamanhos e modelos, aquele foi o lugar que mais me chamou atenção até o momento, e por um impulso eu fui até lá, me ajoelhando no chão em frente o cômodo eu comecei a pegar os livros. Tinha livros de ficção e história, romance e terror, cada livro que eu tocava era um mundo que eu queria ler, queria conhecer, eu estava encantada, mas algo me tirou de meus pensamentos, escutei vozes que vinha do lado de fora da casa. Coloquei de volta O Morro dos Ventos Uivantes e me levantei trêmula, fui passando por um corredor até chegar ao lado de fora da casa, era um quintal grande, com uma grama tão verde e bem cuidada, tira uma árvore gigante na esquerda de onde eu estava, e as vozes vinham de lá. Fui caminhando devagar para não assustar quem é que estivesse lá, vi uma garotinha correndo atravessando a grama, um sorriso enorme brilhava em seu rosto, e logo atrás um homem, o mesmo do meu flashback lá fora, ele estava com outras roupas mas era o mesmo, com seu olhar doce e gentil. Ele brincava com a garotinha, ele era o pai dela...
Apressei os passos até lá para ver mais de perto, eu sorri e acenei para eles, mas percebi que eles não podem me ver, eles continuaram a correr e se jogar ma grama, mas não notaram minha presença. Encostada da árvore estava uma mulher, muito bem arrumada, linda, seus cabelos eram negros ao contrário do homem, sua pele clara como a lua, ela estava tirando foto dos dois, rindo e se divertindo, essa era a mãe da garotinha...
Mas o que eu estava fazendo ali? Por que eu estava ali? Foi como ele estivesse respondido as minhas perguntas, porque em seguida ele falou:
- Amy! Venha aqui! Venha ver as fotos -o homem chamou a garotinha, e ela foi correndo se deitar no colo da mãe para ver.
Foi como uma queda, minha cabeça doeu e eu gritei, foi quando eu percebi que a garotinha era eu, e quando eu olhei de volta eles estavam tirando fotos na mesma máquina fotográfica velha, felizes. Eu me aproximei deles e os chamei:
- Falem comigo! - eu gritei - Por favor! Me digam o que está acontecendo - lágrimas tomaram conta dos meus olhos e eu comecei a chorar.
O Pai passou os olhos por mim, mas não me viu, e eu gritei enquanto chorava desesperada por algum sinal de vida em mim, por alguma explicação do que aconteceu.
E então eu fui puxada, uma mão segurou meu braço e me puxou, e tudo que eu vi foi o pai dando de ombros e beijando a garotinha na bochecha, me beijando, com carinho e amor. Mas a visão foi se desfazendo, e se tortando apenas um grande borrão até tudo se tornar preto de novo, cai no chão, Rafael do meu lado.
- Você não viu? - falei com os olhos ainda marejados- Era meus pais, eu sei que era! Eu preciso voltar, Rafael me leve de volta, por favor...
- Desculpe, eu não posso - ele disse colocando a mão nos bolsos e abaixando a cabeça.
- Por que não? Me explica o que táacontecendo comigo - puxei meus cabelos, cruzei minhas pernas e ali chorei mais. Senti seu braço passar por volta de mim, me acolhendo.
Senti um vento forte, o mesmo que passou quando eu ia entrar no portal, eu olhei para ver o que era, mas era apenas a porta gigante se fechando.
- Vamos, preciso levar você daqui, explico no caminho. -Rafael falou me levantando, e mais uma vez caminhando juntos pelo escuro.
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O Grito dos Corvos
Science Fiction"- Eu também escutei, todos os mortos escutam, acreditamos que é o som de nossas últimas batidas cardíacas de quando estávamos vivos."