O grito negro

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Sabe aqueles escritos que depois de passados pro papel te dão um choque que nem você sabe como escreveu aquelas palavras?
Certo dia no meio da aula de anatomia eu comecei a rabiscar umas palavras em um papel, palavras que começaram sem sentido nenhum. Umas palavras jogadas no vento como se alguém estivesse sussurrando no meu ouvido.
Aos poucos o texto foi tomando forma e o sentimento foi sendo canalizado através desse pequeno poema.
Eu ainda não sei dizer se é um texto meu ou se realmente alguém sussurrou seus lamentos para que outras pessoas pudessem saber da sua história, mas de qualquer forma, o texto está aí pra quem quiser ler.

Nunca fui prisão.
E nunca quis ser prisioneiro.
Eu sou errante, passageiro.
Sou filho do navio negreiro.

Vim da minha terra.
Pra uma terra que nada tem da minha.
Deixaram minha vila, minhas riquezas.
Mataram lá atrás toda a minha família.

Trouxeram meu corpo.
Meu tronco, meus braços minhas pernas.
Deixei lá a atrás minha alma.
Lá pelas minhas terras ternas.

Se minha alma não trouxeram
Me trouxeram pra que?
Ser filho do campo, servir pro trabalho.
Me trouxeram pra sofrer.

Se minha alma trouxeram morta.
Meu corpo mataram aos poucos.
Chibata chicote corrente.
Até tiro davam na gente.

Pra que, meu deus, trazer minha gente?
Se aqui só morre indigente.
Sem família, enterro
decente.
Pra morrer sem o povo da gente.

Querida MiragemOnde histórias criam vida. Descubra agora