A q u i l o
Ligo o meu computador enquanto ajeito o meu corpo no acento almofadado da cadeira onde me encontrava, escrevo a minha palavra passe, três vezes, três diferentes, três janelas, três defesas para ter a certeza que tenho tudo seguro e que a minha mãe não vem para aqui coscuvilhar.
A primeira coisa que abro é o youtube e meto a tocar Trouble Comes Running dos Spoon, a um nível, admito, um tanto alto mas só vou baixar quando alguém notar. Logo de seguida abro os meus documentos que tenho atualizado com frequência desde que aqui cheguei. Ser um entusiasta do oceano veio mesmo a calhar, consigo ver e presenciar tudo diretamente, sem as interrupções das crianças que brincam no mar ou os adultos que nadam sem sequer verem o que lhes aparece à frente.
Desde pequeno que sou apaixonado pelo mar, pelos seus mistérios que nunca deixou ninguém desvendar, todos os dias uma nova espécie é encontrada nos oceanos, ou até mesmo que vem parar à costa. Admiro quem estuda o Universo, mas... temos algo aqui mesmo debaixo dos nossos narizes que nós nunca conseguimos chegar a conhecer sequer um quarto do seu mundo. Não é incrível? Parece até que goza com a nossa cara, está tão perto, no entanto, tão longe do nosso alcance, todos os segredos que ele esconde e que não quer que ninguém veja, que nos esmaga com a pressão à medida que descemos pelo seu ventre, realmente, incrível.
No entanto, para minha desilusão ainda não consegui desvendar nenhum dos seus segredos, tudo o que vejo e aponto já é conhecido. Todos os dias treino a minha apneia para conseguir observá-lo com mais intimidade, mas não consigo passar dos três minutos, por agora. O meu objetivo era entrar na Universidade de Queensland estudar Oceanografia, mas o dinheiro é sempre complicado e para conseguir bolsa precisava de notas que não tenho, porque não são de todo de meu interesse, por mais que me esforce não vai lá, a minha única paixão é o mar.
Alguém bate suavemente na minha porta e dou por mim com a cabeça deitada para trás a encarar o teto branco, estava completamente perdido nos meus pensamentos. Baixo o volume da música e viro a cabeça, ainda deitada, na direção da porta. – Sim? – Pergunto inocentemente, ao saber perfeitamente o porquê da interrupção. A porta abre-se devagar e revela as feições cansadas da minha mãe, que abriu só um pouco a porta de modo a passar a sua cabeça. – Harry, querido, já é tarde, não te importas de desligar a música? – Sorrio e assinto com a cabeça. Ela fecha a porta e pronuncia um baixo "boa noite" do outro lado que por um bocado quase não era ouvido.
Pauso a música contrafeito e pouso a cabeça nas minhas mãos, com os meus olhos agora focados nas portas de vidro que deixavam a luz da lua entrar combatendo silenciosamente com a luz amarelada do meu candeeiro, só se ouve agora a ventoinha do meu computador com as ondas lá fora que se enrolavam calmamente com a areia da praia. Sem pensar duas vezes levanto-me da cadeira, fecho o meu computador, pondo-o debaixo do meu braço, vou direito às portas e abro-as determinado, salto a vedação baixa da varanda sentindo uma onda de relaxamento invadir o meu corpo assim que os meus pés embatem na areia húmida sobre o efeito do frio da noite.
Sento-me nos últimos centímetros de areia seca e pouso o meu computador nas minhas pernas, dou asas à minha criatividade, não falando agora de corais nem de peixes mas sim de como belo era o mar à noite enamorando a luz da lua sob o seu corpo negro que parecia faiscar com os raios lunares à medida que as ondas se moviam.
Não sou bom com textos, muitos menos com poesia, mas pode-se dizer que o mar nos transporta para um corpo de um poeta nostálgico sem nada que o agarre no presente sem ser as memórias que o oceano guarda por ele. Sem mais nada para dizer fecho o computador e arrependo-me da decisão de o ter trazido para a areia, era um campo de minas para a sua caixa desgastada, levanto-me num instante e corro para o deck pousando o portátil em cima da mesa, seguro de qualquer grão de areia. Ok, talvez não totalmente seguro, mas o que me era possível na altura.
Volto para a areia e fico de pé apenas a observar o mar tentando-me a deixar o meu corpo cair para a frente e deixar-se levar pelas as ondas, até onde elas me quisessem levar. – Também só se vive uma vez. – Dispo só a minha T-Shirt branca de dormir e começo a correr para dentro de água, apenas de boxers. Começo a sentir a água fria envolver as minhas canelas e mergulho assim que começo a questionar-me do que estava a fazer. Deixo-me estar debaixo de água um bocado e arrisco-me a abrir os olhos mas já sabia que era em vão, não se vê quase nada à frente, só a água da superfície a projetar os raios da lua.
Deixo o mar embalar-me enquanto ainda estava debaixo de água agora com as costas na superfície arrepiadas com o vento da noite, olhava em volta, não via nada, até que algo me desperta o interesse, brilhava intensamente com a lua, parecia metal à luz do dia, era um brilho intenso, quase que ofuscava a visão tornando a sua fonte pouco nítida.
Aproximo-me lentamente já quase a ficar sem ar, ao aproximar-me aquilo começa a ganhar forma. Era algo grande. A falta de ar já apertava os meus pulmões. Aproximo-me mais um bocadinho, eram escamas. O meu corpo já implorava por ar. Chego mais perto. Eram realmente escamas, mas era um dorso demasiado grande para um peixe normal, um tubarão não era certamente, para além de não terem escamas eles não frequentam as águas muito perto da costa. O que é aquilo? Os meus músculos já estavam tensos. A minha visão já começava a ficar desfocada com a falta de ar. Preciso de ar. Urgentemente. Mas só mais um bocado. Não podia estar mais debaixo de água. Só preciso mais um bocado, é tudo o que preciso, estou tão perto. O meu corpo com a necessidade de ar involuntariamente inspira dentro de água o que me faz engolir um bocado de água salgada pelo nariz engasgando-me. Contorcendo-me dentro de água assim que venho ao de cima começo a tossir e a tentar respirar, os meus pulmões ardiam ainda em sofrimento puxando por todo o ar que conseguiam aguentar para aliviar a falta de oxigénio.
Ofegante, com dores nos pulmões, olho assustado à minha volta, à procura de algo e mergulho outra vez e aquilo já não se encontrava lá. Ligeiramente assustado nado rápido para fora de água, posso ser uma pessoa curiosa mas há limites. Ainda ofegante e já fora de água levo a mão ao peito acompanhando o movimento que o meu peito fazia com as respirações breves e rápidas. Mais uma vez olho em volta e, nada, não havia nada a brilhar daquela maneira ali perto.
Estava tão perto, se tivesse aguentado mais um bocado acho que quase lhe poderia tocar.
O que era?
O que quer que seja, vou encontrar-te.
Vou encontrar-te.
P.S: Aproveitar esta quarentena para fazer algo produtivo, tinha este capítulo guardado nos rascunhos, já que aqui vim, porque não continuar? Muito possivelmente já não vou ter leitores, mas vale a pena experimentar. E já agora, tenho bastantes saudades de Larry, talvez volte a trazer esta fanfic dos mortos.
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The Triton || Larry Stylinson
FanficA curiosidade humana é um perigo muito comum da nossa espécie, não podemos ver nada fora do normal que os esquartejamos e esventramos para nossa própria satisfação do mínimo conhecimento possível. O perigo não é nosso, é do que e de quem tem o azar...