Na plenitude de seus olhos

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       "Às vezes tenho a impressão de que o demônio anda espreitando-me pela janela , mas não desejo fechar o que permitirá sua chegada até mim."

Jane descalçou-se para experimentar a sensação do tapete sob seus pés . Os pelos felpudos massajavam-nos , aliviando o cansaço que os arremetia após o término da limpeza na casa paroquial . Ela permitiu que seus cabelos se desprendessem do penteado que os mantinham no alto da cabeça e os deixou esparramar-se sobre seus ombros . Sua capa ficou esquecida no gancho de casacos e a única peça que a cobria era o simples vestido de lã azul .
A cama onde Amadeo repousava era de um grande conforto . Pôde comprovar ao deitar o corpo vencido pela exaustão sobre o colchão macio . Os travesseiros eram de penas de aves raras e impropenso a alergias , os lençóis da mais fina seda que nem mesmo ela sendo uma fidalga possuía em sua cama .

Amadeo recebia presentes das mais longínquas cidades , e os homens nobres se empenhavam em doar quantias generosas para que o respeitado padre não sofresse com dificuldades financeiras , e as senhoras cuidavam para que tudo o que ele precisasse estivesse a mão .Definitivamente Amadeo Rurick desfrutava de uma boa vida .

Jane percebeu o fato ao continuar sua inspeção pelo cômodo masculino. Desde criança era proibida a entrar no quarto de seu irmão e cresceu sob a enorme curiosidade de desvendar o que havia de tão inusitado em um espaço masculino . Agora podia ver com os próprios olhos o quanto um ambiente másculo podia ser mais interessante que o seu .

Haviam samambaias penduradas de forma harmoniosa em ganchos fixados ao teto e pendões em forma de correntes desciam ostentando graciosos vasos de porcelana com diversas mudas. Havia quadros de pintura abstrata em molduras incrustadas com pérolas decorando a parede onde ficava a única janela; e um biombo que separava um pequeno espaço onde ele reservava as telas de pintura a óleo . No canto do lado direito à janela , estava uma estante carregada de exemplares originais dos livros de dramaturgos parisienses e italianos, um gosto bem peculiar para um homem do clero.

Ao lado esquerdo tinha um antigo piano, que ocupava pouco espaço por ter a cauda pequena, coberto com uma colcha bordada protegendo-o da poeira. Um gesto bastante romântico para um homem.

Na parede oposta estava o guarda-roupa, uma pequena peça de carpintaria, com as roupas bem organizadas e passadas. Ela não se envergonhou em explorar o que havia nas repartições do armário, abrindo e fechando gavetas  Sua curiosidade despertou quanto encontrou, em meio aos casacos de inverno, um baú lacrado.

Ela o retirou do meio das roupas e sentou-se ao chão, com a peça entre seus joelhos. Poderia ser o local onde ele guardava o dízimo, mas ao balançar ela teve a certeza de que não eram moedas de ouro ou joias de valores, pois o conteúdo era leve demais. Tentou de todas as formas abrir o cadeado que a separava do segredo contido lá dentro, mas foi em vão. A tranca não cedeu à sua delicada força feminina e sentiu-se frustada.Interrogaria Amadeo até descobrir o que havia escondido naquele baú. Pegou-o e deixou sobre a cama, pois seria a primeira coisa que faria ao vê-lo. Ela passou tanto tempo contemplando desolada a caixa fechada, que acabou adormecendo em uma posição fetal.

Amadeo voltou para a casa paroquial quando a noite já havia chegado . O crepúsculo estava escondido sobre os flocos de neve que despendiam do céu e terminavam banhando a Natureza com a cor da pureza . Beryl não tinha aparecido naquele dia e sua irritação por não falar com o jovem , o futuro marido da impertinente menina O'Shea, aumentava gradualmente . Catarina de Arantes estava prometida ao barão Saravago e só faltava eliminar a ultima concorrente , a senhorita Vasco Braz , uma descendente portuguesa e de familiaridade com o rei de Portugal.

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