segredos que nos destroem

58 3 7
                                    

"Leve-me contigo à essa suposta colisão. Quero me estravazar em limites e sobrevoar todas as margens. "

Jane e Amadeo estabeleceram uma trégua e passaram todo o período em que retiravam a neve da varanda conversando sobre coisas aleatórias, mas o que ela queria mesmo era saber sobre sua estadia na França.

Após o almoço houve uma segunda tempestade de neve. Todos ficaram presos em casa, mais precisamente presos na sala. Enquanto todos pareciam entretidos com alguma coisa, Jane tentava não encarar muito Amadeo dentro das roupas de seu pai. Era muito tentador vê-lo com elas. Por mais que tentasse não conseguia ignorar a presença dele. Ela não podia dominar seus instintos femininos.

Como para aliviar seus pensamentos pecaminosos, ela se levantou da otomana e foi até a varanda, onde, a cada segundo, uma nova camada de neve se formava. Ela espreitou o tempo lá fora. Era horrível de se ver aquele cenário frio e cinza. Talvez fizesse algum sentido as moças de Spring Dior serem tão sem graça. Não podiam competir com as delicadas gazelas de Nortredam, onde o sol brilhava quase o ano inteiro.

Ela se assustou quando Amadeo surgiu por detrás dela.

-Seus pensamentos sombrios podem serem ouvidos do outro lado da sala...

-Perdoe-me, Amadeo. Mas o inverno me deprime.

-Eu estive pensando sobre um assunto hoje...- ele terminou a frase sendo reticente e isso aguçou os sentidos dela.

-E qual seria? - Logo seus olhos brilhavam como duas amêndoas.

-Sempre vou a Marselha nos períodos de reuniões presbiterianas. Gosto de aprender sobre novas coisas e novas modas. Afinal, o mundo não se resume a Spring Dior. Eu poderia pedir a Bryan que permitisse ir em sua companhia. Poderia conhecer o ministério das freiras na cidade. Acredito que você se deslumbraria com o clima de lá.

-Nao digas tais coisas! Como podes querer matar-me por demasiada ansiedade?

-Nao estou a querer te perturbar. Falo sério sobre a viagem. Sua companhia seria de preciosa utilidade. As estradas até lá são perigosas e monótonas. Ao levá-la, posso ter a humilde desculpa de alocar uma carruagem decente que seja capaz de suportar a longa viagem.

- Eu adoraria! Embora não seja de meu agrado o serviço religioso, vendo-o de perto, posso até mudar minha ideia.

-Conheço irmãs que assim como você desprezava a subserviência aos homens e a Deus. Hoje são nossas melhores matronas na igreja. Os caminhos de Deus são sempre desconhecidos.

Jane suspirou, sonhadora.
Tudo o que realmente desejava era estar fora dos limites da cidade onde vivia. Toda aquela monotonia a destruía. Não era moça para se conformar com a caipirice de Beryl ou qualquer outro.

Ela já se imaginava peralteando pelos castelos em Marselha.

-Sabes de minha descendência francesa? - ele indagou, sondado-a.

- Não.

- Fui abandonado nos muros de um monastério em Versalhes. Minha mãe, diziam as matronas, era uma moça arruinada que, abandonada, não podia me sustentar dignamente. Ela passou o resto dos dias prestando serviços aos marinheiros em bares e bordéis. Vez ou outra as matronas me escondiam e me proibiam de ir até o santuário, onde acredito eu, ela devia ir se confessar. Ela era jovem e bonita, mas a humidade do mar apodreceu seus pulmões. Lembro-me da carroça fúnebre saindo pelas ruas com o corpo dela envolto em trapos sujos. Que Deus a tenha em um bom lugar. Não guardo rancor. É difícil ser mãe solteira em um prostíbulo. No fim, ela escolheu o que seria melhor para mim.

Sabor do Pecado Onde histórias criam vida. Descubra agora