•O acidente•

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Já haviam se passado alguns dias desde que conversei com Ash pela última vez.

Os dias são monótonos. Faço exames, almoço no quarto e assisto um pouco de TV. Meus horários no quarto quase nunca batem com os de Jo, e ficamos juntas por momentos muito breves, mas quando estamos juntas conversamos bastante. Parece que nos conhecemos há anos.

Hoje meu dia começa com mais uma porção de agulhas me cutucando pra lá e pra cá. Não acontece muita coisa durante a manhã, porém no fim da tarde, tenho autorização para sair do quarto enquanto espero os resultados do último exame. Depois dele, o médico virá conversar conosco sobre as possibilidades, e provavelmente, terá um plano cirúrgico.

Uso meu tempo livre para explorar o restante do hospital, que Joanna ainda não teve a oportunidade de me apresentar. Saio da oncologia, passo por muitas salas de exames, a cardiologia e finalmente, a ala de queimados novamente. Ash não está mais lá. Deve ter arrumado um quarto para si.

Passo por tantos quartos, tantas pessoas gritando de dor, tantos familiares chorando que quase vomito. Então, chego na pediatria. Depois de atravessar dois corredores, encontro um vidro gigantesco, onde na sala ao lado posso ver bebês, muitos deles. Sua calma me relaxa, e posso continuar andando. Penso tanto em quanto os bebês são fofos, que quando um homem alto passa ao meu lado, não noto, e esbarro nele.

O homem usa uma camisa social e uma calça jeans, formal, mas não parece ser da equipe do hospital. Ele carrega no pescoço um crachá com tem seu nome, "Dylan Harris", e uma foto.

- Oh, sinto muito - ele resmunga e me segura pelo braço para que não escorregue mais uma vez.

- Não foi nada, eu sou uma distraída. - digo vermelha - Você trabalha aqui? - a curiosidade me vence. Minha mãe sempre me xinga por ser xereta demais.

- Sim... e não. Trabalho para o governo, mas estou por todos os hospitais. Sou assistente social.

Interessante. Talvez ele saiba pra onde Ash foi.

- Ah, entendi... Vem muito nesse aqui?

- Pode se dizer que sim - ele assente com a cabeça - por quê?

- Conhece um garoto chamado Ash? Chegou aqui a alguns dias com queimaduras, mas foi trocado de quarto, e não consigo encontrá-lo, pode me ajudar?

- Ash? Se esse for o apelido para Pasha, estamos procurando o mesmo garoto. Estava mesmo indo até a recepção para descobrir qual é o seu quarto. - começo a acompanhá-lo - Você é da família?

E agora? Será que ele não iria me deixar entrar no quarto? Droga.

- Er... Na verdade não. O conheci no dia em que vim para cá, também sou paciente. Queria apenas ver se estava bem. - fiz minha melhor cara de cachorrinho abandonado.

- Tudo bem, venha comigo.

Pode admitir, sou uma atriz e tanto.

A recepcionista nos informa o número do quarto, e o andar em que fica, que a propósito, é o mesmo que o meu. Vou com o "inspetor Harris" até o quarto 302, e bato na porta apenas por educação, já que Harris apenas abre a porta depois de perceber que ninguém abriria.

- Com licença, Pasha Thompson? Sou o assistente social, posso entrar?

Ele apenas assente de leve, mas não expressa nada. Harris entra e se senta ao lado direito do garoto.

Coloco a cabeça para dentro do quarto e limpo a garganta. Os dois olham para mim, e Ash arregala os olhos.

- Ah, claro. Pasha, sua amiga estava a sua procura, gostaria que ela ficasse aqui conosco?

Ele pensa nas possibilidades por alguns segundos.

- Quero. - Ele se volta para o inspetor - E por favor, me chame apenas de Ash.

Com sua confirmação, entro no quarto e me sento em uma cadeira disponível ao lado oposto da cama.

- Então, Pasha, hein? - sorrio curiosa e ele ri.

- Viu porque gosto de apelidos?

Seu olhar me diz que vamos conversar mais tarde, e depois ele olha para o inspetor. Assinto com a cabeça como quem diz "entendido".

- Ash, preciso lhe fazer algumas perguntas pessoais, tudo bem?

Meu amigo assente, e me olha rapidamente. Acho que quer que eu saiba o que tem a dizer.

- Tudo bem. Não tenha pressa para responder, algumas perguntas podem te deixar desconfortável, mas se não se sentir bem para responder podemos tentar outro dia. - Harris fala calmo, como se estivesse lidando com um leão faminto - Você se lembra do que aconteceu na noite do acidente?

Ash procura minha mão e a aperta forte.

- Eu tinha saído mais cedo aquele dia. Voltei da escola normalmente com a minha irmã, e ela me disse algo que me incomodou muito. Ela disse que passara o dia todo com um pressentimento ruim. Eu a acalmei e disse que era só um pressentimento, mas aquilo ficou na minha cabeça.

Quando chegamos em casa, meu pai parecia... estranho. Minha mãe estava quieta, e apenas nos mandou para o quarto. Disse que se tivéssemos fome, poderíamos pedir uma pizza ou algo assim, mas ela estava se sentindo indisposta para fazer o jantar. Meu pai nunca soube cozinhar.

Subi com a Luh e deixei ela ficar no meu quarto. Não sabia o que estava acontecendo, e não queria que ela ouvisse qualquer coisa que fosse que estivessem discutindo. Depois de umas duas horas, ela adormeceu e a levei para seu quarto. antes de fechar a porta do meu quarto, ouvi um grito muito alto. Sabia que era minha mãe. Era sua voz. - seu olhar estava perdido em algum canto qualquer enquanto lembrava.

- Sabia que devia protegê-la, mas não sabia o que fazer. Poderia intervir na briga, mas não sabia do que meu pai era capaz. Estava tão irritado que a aquela altura eu já não duvidava de mais nada. Criei coragem, e fui na ponta dos pés até o andar de baixo, onde ficava o único telefone da casa. Iria ligar para a polícia, eles interviriam na briga e ficaria tudo bem. Mas infelizmente, eu estava certo em ter medo do meu pai naquele estado.- os olhos do garoto já estavam marejados e ele parou de falar. houve uma longa pausa, então se dirigiu a mim - Desculpa, eu... Z, você pode pegar um copo d'água pra mim?

- Claro! - levantei ás pressas.

Of The SeaOnde histórias criam vida. Descubra agora