•O segredo•

4 0 0
                                    

      Quando me aproximo de novo do quarto, ouço Ash e o inspetor conversando e paro por alguns instantes antes de entrar. Eu sei, é feio ouvir por trás da porta, mas eu precisava saber o que havia acontecido com ele, e acho que ele ainda não se sentia confortável o suficiente para compartilhar algo comigo.

     Por mais que agora fossemos amigos, não sei se ele tinha confiança para me contar algo particular. Sei disso, porque na maioria das vezes, conversamos apenas sobre coisas fúteis, como filmes favoritos e essas coisas.

   Encosto minha orelha na porta para ouvir melhor: "Tem certeza disso, Ash? Eu respeitarei sua escolha, seja ela qual for."- diz o inspetor com calma.

"Absoluta."

"Tudo bem, comunicarei aos policiais, e começaremos a busca. Volto daqui uma semana para te deixar a par das notícias, sejam boas ou ruins, certo?"

"Certo." - os dois ficam em silêncio durante alguns segundos, mas depois de um tempo Ash acrescenta: "Dylan, você se importa em não comentar nada com ela? Não sei se consigo contar nada ainda, e não seria nada bom se ela soubesse por outra pessoa".

Contar pra ela? Será que ele estava falando de mim? O que será que aconteceu que ele não pode me contar? Argh, não deveria ter ouvido essa conversa, agora além de não saber, vou saber que tem algo que não sei, e a minha curiosidade vai às alturas!

Bato na porta e entro na sala, enquanto o inspetor se despede de nós.

- Z, você tá bem? Parece um pouco irritada... - ótimo, agora ele vai suspeitar que sei de alguma coisa!!!!!

- Não, estou muito bem, obrigada - tento disfarçar - aqui, busquei sua água.

- Obrigado. - Aquele silêncio maldito volta, e não sei o que falar para quebrar o gelo. Caramba eu sou realmente uma pessoa horrível. Meu amigo aqui contando o que pode ter sido a noite mais terrível da sua vida, e a única coisa que consigo pensar, é em como queria que ele pudesse me dizer o que aconteceu! - Tem certeza que está bem? - Ai eu não vou aguentar isso, ele com esse problemão pra resolver e se preocupando comigo.

- Sim, é só que... É hoje que vou descobrir se o meu médico já achou alguma solução pro meu amigo tumor, aqui, e... Só estou nervosa, sabe?

- Ei, vai dar tudo certo, você vai ver! Quero dizer, ainda está aqui, não está?

- Sim, mas... - me sento na cadeira mais uma vez. Acho que essa conversa vai longe - tenho medo pela minha mãe. Já estamos nessa vida de nômades a tanto tempo, mudando de hospitais o tempo todo. Não quero que ela viva assim, ela ainda tem tanta vida pela frente. E eu... - olho nos seus olhos e percebo que ele me encara com uma expressão calma.

- Z, por favor me diga que você não se culpa por isso - ele aperta forte minha mão - você não é um peso pra sua mãe, e disso eu tenho certeza. Ela te ama, e quer fazer o possível pra ficar o máximo de tempo com a sua filhinha, entenda isso.

- Eu entendo, Ash, e é porque também a amo que não quero que ela passe por isso. Quero que ela viva! Quero que ela case de novo, e que siga em frente, e que viaje por todo o mundo! Quero que ela não precise trabalhar como uma condenada, e que ela possa gastar seu dinheiro com coisas pra ela. Quero que ela tenha um bichinho de estimação pra lhe fazer companhia quando eu não estiver aqui, já que não podemos levar um animalzinho conosco.

Finalmente paro de falar, e percebo que estava chorando. Isso é realmente estranho, conheço esse garoto a apenas uma semana e já estou desabando para cima dele. Talvez eu precisasse apenas desabafar e soltar esse peso que venho carregando sozinha, mas poderia ter feito isso com Joanne, não poderia? Afinal, ela é minha colega de quarto e, bem... uma garota.

Sim, eu sou esse tipo de pessoa. Pode me chamar de careta, se quiser, mas eu sempre me retraí muito com garotos. Durante a minha vida escolar inteira, tive uma queda por Ryan Clark. Ele não era exatamente popular, mas nunca tive chances com ele. É, foi uma infância triste.

Mas eu cresci, amadureci, Ryan arranjou uma namorada e eu esqueci tudo isso e foquei nos meus estudos, e minhas amigas me ajudaram a esquecer isso. Eu nem me lembrava mais de como me sentia com esses sentimentos. Até agora.

Ash é tão compreensivo, sua calma me contagia, e só sei que sua presença me faz bem. Ele me entende, mesmo não tendo passado pela mesma situação, e respeita minha privacidade (apesar de eu ter sido intrometida e escutado sua conversa por detrás da porta, mas deixa em off), e não aceito que ele ainda não tenha feito mais amigos além de mim.

- Você tá fazendo aquilo de novo - O garoto diz de repente, me tirando de meus devaneios.

- Aquilo o quê?

- Viajando. Às vezes você fica encarando o nada, e não presta atenção no que está acontecendo ao seu redor. Acho uma graça - ele sorri de lado e deixa uma covinha aparente. Esse menino quer que eu desmaie aqui mesmo?

- É mesmo? - rio nervosa e afasto minha mão da sua.

- É. No que estava pensando?

- Em como tenho sorte. Fazia muito tempo que não tinha uma companhia boa, além da minha mãe, é claro - sorrimos juntos, olhando um nos olhos do outro. Ash desvia o olhar rapidamente. Ele estava encarando a minha boca?

- Também fico feliz que esteja aqui. Mariza, se você não tivesse caminhado até a minha cama naquele dia terrível, eu ainda estaria deitado e depressivo.

Ele com certeza está olhando pra minha boca. E, por algum motivo, também olho para a sua. Será que isso é apenas coisa da minha cabeça? Eu preciso parar com isso.

Calo a minha conciência tagarela com um "Dane-se". "Se for coisa da sua cabeça, pelo menos vai descobrir se ele também fica nervoso e ao mesmo tempo tão calmo quando está perto de você, e se também está completamente confuso sobre o que está sentindo".

Decido que penso demais, e resolvo me aproximar dele. Ash também se inclina devagar para a frente, e ficamos a poucos centímetros um do outro. Posso sentir seu hálito quente em minha boca. Fecho meus olhos e me inclino mais para frente, e então, alguém bate na porta. ALGUÉM BATE NA PORTA.

Nos afastamos envergonhados, e a pessoa que nos interrompeu entra no quarto pigarreando.

- Ham...Senhorita. O Dr. Thompson está lhe esperando em seu quarto para passar seu plano cirúrgico.

- Ah, claro - olho para o garoto ao meu lado. Tão perto... - Até mais Ash, assim que souber de tudo, venho te dizer.

- Tudo bem... - ele acompanha meus movimentos com os olhos - Boa sorte Z.

- Vamos? - o enfermeiro pergunta abrindo caminho.

- Vamos - digo saindo e acenando para o garoto que ainda estava deitado na cama e fechando a porta em seguida. A última coisa que vejo de relance é Ash fazendo um sinal de sorte com os dedos, cruzando para mim.

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Aug 05, 2018 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

Of The SeaOnde histórias criam vida. Descubra agora