Capítulo 1

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Era um fim de tarde ensolarado e muito quente para os padrões ingleses do Sr.White. O horizonte à sua frente mostrava a bela alternância daquelas cores. O laranjacom mais intensidade, próximo às águas calmas do mar já ficando escuras, e dissipandoà medida que se distanciava do astro rei, até tons arroxeados contornarem as silhuetasdas palmeiras.


Em sua mente um pensamento sacana se implantou e não teria como serdiferente. Estava próximo demais, quase conseguia sentir o seu cheiro, aquele que elaexalava com suavidade e que lhe excitava. Contemplá-la nesse cenário seria um deleitee talvez uma recordação única. E então o ciúme lhe invadiu. O peito ardeu. Outrohomem estava tendo esse privilégio e se questionou se ele estava sabendo aproveitar.Desejou que não.


Olhou-se no retrovisor. Sua figura usando óculos de sol de armação pretaocupou todo o espaço do seu campo de visão. Mesmo assim, conseguiu ajeitar a franjainteira grisalha, lhe dando forma. Seus cabelos estavam um pouco maiores do que elaconhecia e não tão arrumados. Suas vestes naquele dia em particular estavam maisdespojadas do que o usual. Escolheu uma camiseta polo branca, junto de uma calçajeans de lavagem padrão. Nos pés, um mocassim na cor verde.Dentro do sedan alugado no aeroporto internacional de Miami, mantinha-se emum clima confortável pelo ar-condicionado, logo cortado ao estacionar e seguir até odestino desejado. Estava a mais ou menos uma hora e trinta de Miami, em umacidadezinha turística. Apenas havia visto o lugar pelas buscas no google maps, tantas etantas vezes que já se sentia familiarizado com o ambiente. Se não fosse por ela, jamaispassaria por sua mente ir a tal lugar.


Sr. White podia passar temporadas ensolaradas em lugares mais chiques e finos,tais como Fiji, Espanha, Polinésia Francesa – já esteve de fato algumas vezes em todoseles –; Clearwater, onde Carmim fixou sua morada, não era o que procuraria paramomentos assim.


Travou atrás de si o sedan prata automático. Apesar de sempre fazer uso demotoristas, Sr. White preferia dirigir carros com câmbio manual. Aquilo sim era estar defato dirigindo. Era um pensamento recorrente sempre que tinha que trocar sua frota.Pelo menos um dos automóveis que usava mantinha com o câmbio manual. Sr. Whitedetestava dirigir nos Estados Unidos, por problemas em lembrar que não estava mais namão inglesa, mas por ela faria qualquer coisa.


O sol lhe lambeu a face no mesmo instante em que gotículas de suor seacumulavam em sua testa franzida pela junção dos seus olhos se protegendo daclaridade. Mesmo usando óculos escuros, todo aquele sol machucava a fragilidade doazul de suas órbitas atentas à fachada em sua frente.


Um estabelecimento dentro do padrão, assim Henry presumiu depois dosdiversos bares e restaurantes com que cruzou no caminho. As palmeiras decorativas, ascores fortes imitando um dia ensolarado. Sorriu sem mostrar os dentes brancos e, compassos firmes, atravessou a rua em direção ao seu futuro.


Passaria pela varanda ainda sendo preparada para a noite que se aproximava. Ascadeiras de plástico duro permaneciam sobre as mesas, esperando o momento de seremusadas pelos turistas que ali visitavam e se embebedavam. Dentro do vagão principallogo à sua frente, já podia observar um minúsculo palco com os instrumentos dosmúsicos que iriam tocar aquela noite.


Lembrou do homem ruivo assim que observou um violão negro no suportepróximo à parede de tijolos rústicos com o nome do lugar. Havia apenas três jogos demesa em madeira, pintadas na cor preta, diante do palco. Na lateral esquerda, setenichos de mesas com aqueles assentos únicos que cabem três pessoas de cada lado. Dolado oposto estava o balcão onde os barmen e o caixa trabalhavam, ocupando a paredetoda espelhada e com as prateleiras tomadas pelos copos, taças e bebidas. O espaço erapequeno. Imaginou que ficava praticamente intransitável no auge da noite. Não seria umlugar que frequentaria. Sr. White não gostava de ambientes claustrofóbicos e cheios depessoas. Era um homem do sossego, do som baixo e da discrição.


— Não estamos abertos.


A rouquidão daquela voz lhe tirou do devaneio. Olhou direto para quem lhefalava. Poderia ter sido outro timbre de voz a lhe brindar, aquele melodioso e adocicado.Ainda tinha de esperar para reencontrá-lo. O que lhe recepcionou vinha de um rapazmuito jovem, todo tatuado nos braços e de cabelos longos loiros amarrados em um rabo,que lhe encarava com cara de poucos amigos. Julgou que o rapaz não deveria receberum potencial cliente daquela forma, mas o que ele sabia sobre estabelecimentos assim?Absolutamente nada.


— Estou procurando pela Srta. Brown.


— Quem? — O rapaz lhe olhou com confusão, não reconheceu aquele nome. —O senhor deve ter errado de estabelecimento. Ou a pessoa que deseja se encontrar aindanão chegou. Como disse, ainda não estamos abertos.


— Estou no lugar certo, afinal eu... — Sr. White não completou aquela sentençaem que diria que tinha pagado pelo lugar, informação desnecessária, e seguiu de outraforma. — Procuro por Olívia, a dona.


— Ah! Liv! — O rapaz sorriu por um breve momento ao reconhecer a patroapara logo em seguida voltar a fechar a cara para o homem grisalho à sua frente; nunca otinha visto antes, mas sentiu que havia ali uma intimidade que lhe incomodava. — Oque deseja com ela?


— Ela está ou não?


— Não sei.


— Como não sabe? É algo simples a se dizer.


— De fato seria, se soubesse do que se trata. Não te conheço para lhe dar talinformação.


Apesar da irritação que subiu até a cabeça de Henry ficar evidente para o rapaz àsua frente, que percebeu a vermelhidão em sua face, gostou que o rapaz se manteve fielà patroa, ou seria outra coisa? Havia essa possibilidade, afinal não sabia se ela mantinhaainda um relacionamento com o homem ruivo.


— Sou um velho conhecido de Chicago.


— Isso não é mesmo! — O rapaz se aproximou da ponta do balcão, colocandosuas duas mãos sobre ela; Henry pôde ler tatuado nos nós de seus dedos a expressão:Fuck You. — Com esse sotaque nem fodendo que é de Chicago. Escuta aqui, achomelhor ir andando, não estou a fim de socar um velho.Henry o encarou. Não havia medo em seu olhar, mas entendeu que não terianada daquele rapaz. Haveria de esperar a casa abrir e abordá-la de outra forma. Colocounovamente os óculos sobre seu rosto, agora com a sua coloração normal. O rapaz aindao encarava com as mãos sobre o tampo do balcão de granito preto já um tanto avariado.Sentiu que ele permaneceria nessa mesma posição, então foi para o lado de forasentindo a brisa quente do verão vindo do mar, e foi exatamente para lá que caminhou.Rumo ao ar quente e salgado do mar da Flórida.

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