Prólogo

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 PHELIPE                                                                                       

RIO DE JANEIRO, 1972

O céu estava assustadoramente escuro, carregado com nuvens acinzentadas de chuva que pareciam prestes a desabar sobre a cidade. Os trovões eram ameaçadores, como se o próprio céu rugisse sua fúria e desafiasse qualquer pessoa que fosse estúpida o bastante para enfrentar o seu poder. Não era possível afirmar ao certo se era dia ou noite devido a toda aquela neblina sombria.

Phelipe olhou para o alto apenas uma vez. Sua mandíbula ficou apertada quando viu um relâmpago cruzar a escuridão, iluminando por uma fração de segundo tudo à sua volta. Ele juntou toda a saliva que tinha na boca e a cuspiu no chão, próximo ao próprio pé. Você não vai me assustar, pensou enquanto caminhava a passos arrastados.

As pessoas ao redor passavam apressadas, correndo de um lado para outro, apertando os guarda-chuvas nas mãos, tentando desesperadamente sair do espaço aberto antes que a chuva despencasse com força total sobre suas cabeças. No entanto, Phelipe não estava com medo da tempestade iminente nem sequer se incomodava com os ventos fortes e gelados que varriam toda a rua, fazendo os cabelos longos das mulheres sacudirem e os vestidos esvoaçarem. Ele seguia tranquilamente pelo seu caminho, os olhos famintos esquadrinhando tudo à sua volta, os dentes muito apertados dentro da boca e aquela expressão mal-encarada que sempre exibia quando alguém esbarrava nele com pressa para evitar a chuva.

Seu rosto era petulantemente belo, mas sua expressão agressiva e feroz fazia com que ninguém quisesse encará-lo por mais do que dois segundos. Havia hostilidade em seu olhar, o que fazia com que os outros desviassem daquela aura negra muito forte, quase palpável, como se dele emanassem trevas, e ele fosse algum aliado de satã ou o próprio em pessoa. Certa vez, uma mulher idosa o olhara e fizera o sinal da cruz, rezando baixinho para o seu Deus, pedindo proteção contra o mal encarnado com que acabara de se deparar. Phelipe apenas abrira um meio sorriso em resposta, incapaz de ocultar o prazer sentido com o terror que causava. Era como encontrar um gato preto na sexta-feira 13; um animal bonito de se ver, entretanto, para alguns crédulos, um mau agouro.

Ele cruzou uma rua com seus passos calculados, já sabendo para onde o levariam. Ou melhor, para quem.

Phelipe nunca temera ninguém. Não só por sua arrogância natural, mas também por ter sido criado como um soldado, treinado de forma minuciosa, com os sentidos extremamente aguçados e os reflexos de batalha aprimorados. Nunca perdera uma luta sequer em toda a sua vida, mesmo entrando em muitas — na maior parte delas, estava em total desvantagem.

Ainda assim, quando parou em frente à porta da casa amarela e desbotada, com um jardim precário e moribundo do lado de fora, suas pernas fraquejaram. Ele estava armado, quase um arsenal ambulante, em-bora pensasse que não precisaria usar nenhuma de suas armas. Debaixo de sua jaqueta preta de couro, fixada em suas costas, estava uma lâmina de bronze, uma espada curta com o punhal encrustado com o rosto de um dragão tenebroso, o qual ele chamava de Morte. Nas mangas, carregava dardos de prata afiados, e, nos bolsos internos, uma coleção assustadora de facas de bronze e prata dos mais variados tipos. No cós da calça escu-ra estavam suas adagas, assim como uma faca curva, o complemento da Morte representando a cauda do animal. Para a faca, Phelipe dera o nome de Dolorosa.

Tempestade - DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora