Capítulo quatro:

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Estou pensando nos motivos que me trouxeram até aqui ao empurrar a porta do bar com os ombros. Na verdade, o motivo, apenas um: Ane.

O som absurdamente alto invade meus ouvidos assim eu coloco os pés no estabelecimento. Em questão de segundos, parece que meu cérebro entra no ritmo da música; tudo começa a latejar no mesmo compasso.

Ajeito minha roupa, o vestido solto marcando a minha cintura e roçando nas minhas coxas. As botas de cano alto ultrapassam os meus joelhos magros; infelizmente ainda não foram usadas o suficiente para amaciarem, fazendo com que meus dedos ainda doam. Estou simples, mas bem-vestida.

Abro caminho entre a multidão, notando pela primeira vez que a banda do Izec já está sobre o palco improvisado. Vejo-o sorrindo, tão absorto nos movimentos em sua guitarra que nem dá atenção para as garotas que estão gritando por ele na beira do palco. Ele se dá bem com todos os instrumentos. A música, na verdade, sempre foi a sua paixão. A única.

Quando eu o conheci, nós tínhamos acabado de entrar para a turma de Música no ensino fundamental, com cerca de onze anos. Já havíamos trocado olhares na escola preparatória, mas não éramos próximos. Até eu vê-lo tocar violino em uma tarde sozinho na sala.

Fiquei escondida o observando pelo tempo que consegui, absurdamente fascinada com sua habilidade e a calma com que suas notas preenchiam o ambiente. Lembro-me de ter sentido diretamente dentro do peito, como se cada acorde pudesse me tocar. E então ele se virou e sorriu, perguntando o que eu tinha achado. A partir desse dia, eu sempre arrumei um jeito de fazer com que fôssemos uma dupla em qualquer atividade da aula; eu só queria vê-lo tocar qualquer instrumento e sentir novamente as notas me alcançarem bem no âmago. Quando começamos a sair, lá por volta dos treze anos, ele me disse que a música havia nos unido. Nunca duvidei disso.

Eu sabia que vê-lo tocar com a sua banda me deixaria ainda mais nostálgica e triste. Tudo o que queria era sair logo da escola e ir para casa para me enroscar debaixo das cobertas ao maratonar Gossip Girl pela sétima vez, mas Ane ficou o intervalo inteiro me pedindo para vir, prometendo que íamos nos divertir.

O lugar está lotado, e, de onde estou, é impossível enxergar mais de um palmo à frente do nariz. Sinto um déjà-vu ao ficar na ponta do pé para procurar por Ane entre a multidão. Por que ultimamente ela está sempre chegando atrasada? Algumas pessoas me dão cotoveladas e empurrões quando forço caminho entre elas, mas não me importo. O único lugar mais vazio é o balcão de bebidas, e é para lá que sigo. Entretanto, freio antes de chegar ao me deparar com a figura de Penélope — Jimmy me disse seu nome —, a aluna nova, em pé perto das únicas mesas dispostas no local. A garota me encara de volta, lançando-me um sorriso malicioso.

— Já vi que não consigo me livrar de você — ela diz antes de beliscar a comida da mesa de outra pessoa. — Aonde vou, você está.

— De onde nos conhecemos? Você é nova na escola, mas agiu como se eu já tivesse feito algo para você. Até meu nome você sabe!

— Talvez você tenha feito algo...

— O quê?

Cruzo os braços sobre o peito, encarando de volta seus olhos grandes castanhos.

— Bom, digamos que você meio que... nasceu.

— Ninguém é capaz de odiar uma pessoa de graça. — Ela faz menção de roubar mais batatas fritas, mas eu seguro seu braço, fazendo-a agir como se eu tivesse uma doença infecciosa ao se afastar imediatamente com um gesto brusco. — Ainda mais alguém que você nem conhece.

Tempestade - DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora