Seth havia acabado de fazer nove anos quando ganhou a sua primeira "casa dos sonhos" de seu pai. Uma casa de bonecas, de madeira maciça semi-polida que foi feita e pintada à mão por um carpinteiro de mãos rústicas amigo da família. A casa media sessenta centímetros de largura e quarenta de altura, lembrando uma maquete de algum projeto de arquitetura. Sua fachada era cor-de-rosa claro, apenas as janelas e a porta da frente da casa tinha os rodapés pintados de um branco imaculado. Ao redor da suposta residência havia também um jardim com pequenas flores de papel crepom com cores variadas, com a intenção de dar um ar infantil na casa, um toque feminino sugerido pela própria mãe da menina.
Por dentro a casa era um modelo americano: com cozinha, sala e área de serviço em baixo, enquanto, os quartos e os banheiros eram em cima sendo constituída de três andares contando com o sótão que só tinha uma pequena janela redonda e suas paredes eram escuras para supostamente a menina pensar que não havia luz naquele lugar, Seth imaginava que no sótão a luz havia sido queimada, por isso, pensou em "consertar" a luz do sótão no outro dia. Todos os móveis que pertenciam a casa eram feitos de madeira e pintados à mão desde o sofá estofado verde na sala à mesa com quatro cadeiras na cozinha e terminando na cama de solteiro com um edredom rosa, apenas alguns acessórios eram feitos de outros materiais como panelinhas, vasos, e quadros.
Seth imaginava que aquela "casa dos sonhos" fosse sua própria casa, ao concluir isso percebeu que havia quatro quartos e não três, este ultimo era um quarto de bebê com paredes pintadas de azul-claro com pequenos desenhos de ursinhos que só podiam serem vistos através de uma lupa. Seth olhou para a mãe que estava acariciando a própria barriga com um olhar de ternura que só as mães têm. A mãe esboçou um belo sorriso e com a outra mão colocou uma mecha do seu cabelo negro que estava fora do lugar atrás da orelha, era impossível ignorar aquele gesto vindo dela e sem alternativas Seth retribui o gesto de amor maternal no formato de um sorriso, porém, não gostava muito da ideia de ter que dividir com o futuro irmãozinho seus brinquedos, sua atenção ou seu amor. Sentia-se perdida pela maré de sentimentos que a assolavam, ora havia conformado-se com tal situação, ora sentia-se enciumada, em outra ocasião inflou-se de orgulho por lhe darem esse "segundo nome".O pai estava lendo um jornal, por de trás dos seus óculos de armação clássica, podia-se ver seus olhos, indo e voltando, indo e voltando, acompanhando a notícia, até virar a pagina e recomeçar o trajeto. A cada ida e volta, suas marcas de preocupação aumentavam gradativamente em sua testa outras vezes dava um sorriso mas o que predominava em seu rosto era a tensão. Finalmente ele parou de ler o jornal, dobrou-o em quatro partes e o colocou na mesinha de canto.O pai de Seth não era uma pessoa reservada mas por um momento fitou por alguns minutos a filha brincar com a "casa dos sonhos" que ela tanto havia pedido durante o ano inteiro, ao ver que o pai a observava, Seth abaixou-se atrás da casinha na tentativa de esconder-se, enquanto, o pai achava graça no comportamento da filha, ele deu três passos longos e rápidos e foi para a cozinha. Seth nunca gostou de ser o centro das atenções, muito menos de ter pessoas olhando para ela, embora fossem próximas a ela sentia-se insegura.
Ao levantar-se olhou para a janela do sótão da "casa dos sonhos" e lhe ocorreu um pensamento um tanto incomum fechou um dos olhos de forma que conseguisse transpassar o seu olhar da janela do sótão e visualiza-se a porta da frente de sua verdadeira casa. Até que ouve uma batida violenta na porta fazendo com que se abrisse bruscamente. Depois de alguns segundos, homens uniformizados de preto com coletes a prova de balas e fortemente armados, com mascaras de gás invadem a casa. Ouve-se o barulho de vidros sendo quebrados como se jogassem pedras nas janelas, surgindo inicialmente uma fumaça de uma cor meio cinzenta acompanhada de um barulho ensurdecedor e contínuo.
A mãe de Seth reage imediatamente e tampa os ouvidos com as próprias mãos para tentar controlar aquele estranho ruído, depois ela começa a gritar histericamente por socorro revirando os olhos, logo, dois oficiais apareceram e seguraram pelos braços na tentativa de imobiliza-la, enquanto, ela se debate loucamente tentando livrar-se deles. Após a fumaça dissipar a figura do pai de Seth surge da cozinha portando uma arma e apontando na direção dos oficiais que estão segurando a mãe, ele grita alguma coisa para os oficiais, mas Seth não consegue entender. Um homem uniformizado de preto com mascara surge por trás do pai de Seth e o imobiliza segurando seus antebraços para fora, fazendo com que a arma caia no chão e dispare, acertando um vaso que quebra instantaneamente. Um dos oficiais que segurava a mãe de Seth a solta e caminha na direção do pai de Seth e lhe desfere um soco de punho fechado do lado direito do rosto, fazendo com que o óculos caia no chão e quebre a lente entortando o aro. O pai de Seth não reage, pois, fica inconsciente sua cabeça pende para o lado direito , enquanto, um fio vermelho começa a escorrer de sua boca e pinga em sua camisa social branca. A mãe de Seth consegue soltar-se e corre na direção em que Seth esta.
Tudo ocorreu de uma forma rápida deixando Seth paralisada tentando se proteger atrás da "casa dos sonhos". O despertar para a realidade é atingido quando vê sua mãe cair de joelhos segurando sua barriga enquanto um líquido amarelado escorre pelas suas pernas. Assustando-se Seth solta um grito que lhe dói às cordas vocais, sentia-se violada ao ver sua casa sendo invadida por aquelas pessoas, perguntava-se o que havia feito de errado para que aqueles homens agissem daquela forma, mas a única resposta que obteve foi um saco preto colocado em sua cabeça sendo jogada na profunda escuridão.

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Resis Tance
PertualanganImaginem um Brasil com um governo totalitário lidando com os problemas que temos hoje como drogas, corrupção, violência, formação de grupos extremistas, intolerância religiosa, sistema de educação/saúde/segurança decadentes. Sejam bem vindos ao mund...