CAPITULO I

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MERYTE

Porão dos Criados

A movimentação dos criados era aparente por todos os corredores do castelo. O Porão, ou Andar de Baixo, era o Lar dos Criados e serventes do castelo Goldenstone e agora eles andavam como loucos de um lado para o outro.

- Água para a corte!

- A Rainha precisa de sua toalha quente! - exclamavam os servos, andando de lá para cá, naquele ambiente apertado e pouco iluminado. O calor tomava de conta dos corpos dos criados, desde as cozinheiras até os lacaios e amas. Meryte estava no meio de tudo. Ajudante da Ama da Rainha, Sra. Ilaho, ela precisava buscar algumas toalhas quentes para a Rainha, que se desesperava em seu quarto.

Há duas semanas, o Rei vinha adoentado, de cama, sem comparecer ás Reuniões da Corte de Prata, formado pelos Conselheiros do Rei. Os Sacerdotes e Curandeiros Reais diziam ser uma forte infecção a tomar conta do corpo de sua majestade. Os servos estavam aflitos, tristes até, desde quando fora anunciado pelo Conselheiro Kaym que sua majestade, Rei Hener do Reino Zhaole, havia falecido naquela manhã. A notícia se espalhara como gripe pelos criados.

Enquanto, se espreitava entre os criados, Meryte conseguiu pegar a toalha molhada das mãos de um lacaio que as distribuía. Pegou a toalha e alguns lenços e retornou as escadas, também lotadas. Enquanto subia, ouvia os murmúrios dos criados fofoqueiros:

"Um garanhão daqueles e nenhum filho..."

"Quero só ver quem assumirá o Trono agora..."

"Guerra vai se instaurar..."

Guerra. Era uma palavra interessante. Em toda a sua vida, Meryte nunca passou por tempos de Guerras e ela rezava para que isso não acontecesse logo agora. Zhaole já foi alvo de guerras e já teve seus alvos. As conquistas de Volteirys, o Cobra, alcançaram o outro lado do Mar Frio, tomando todo o território do Reino Iryus e dizem que nessas épocas, a guerra era frequente, tanto interna como externamente. Guerra entre as famílias vassalas do Rei causaria um enorme problema. Os vassalos de Botolyn, Porth Lae, Desaryan, Mecka e, que os Deuses impeçam, os vassalos do Leste, brigando entre si pelo trono seria desastroso para todo o Reino.

Naquela tarde fazia sol, iluminando toda a cidade de Verytian lá em baixo, como ela podia ver palas janelinhas que acompanhavam a escadaria. Depois do sufoco da escada, Meryte finalmente alcançou os Corredores Reais. Ela era uma das poucas das dezenas criadas que podia entrar ali. Avançou por entre os grandes servos que por ali passavam e abriu a porta do quarto da Rainha. Parou subitamente.

- Minha Rainha - chamou - Trouxe-lhe a toalha molhada, Vossa Lady.

A Rainha sentava-se num banco estufado na escrivaninha de seu quarto. Seu rosto resumia-se a vermelhidão e a lágrimas. Vestia um vestido vermelho, com detalhes em amarelo, enquanto seus cabelos negros pendiam num coque agora bagunçado. Meryte o fizer mais cedo, quando Lady Mirian acordava, pronta para esperar o marido melhorar, mas não fora o que aconteceu. Pelo contrário. A Rainha acompanhou os Curandeiros e Sacerdotes até o quarto de seu marido, mas ali apenas encontrar tristeza e desgraça. Seu choro ecoou por todo Corredor Real, deixando o clima tenso e pesado. Algumas horas depois, já voltara para seu quarto, enquanto os mestres faziam os exames finais no defunto.

- Meryte... - disse a Rainha, limpando as lágrimas com as costas da mão direita - Dê-me a toalha, querida.

Meryte se aproximou de sua senhora com a toalha numa bandeja de aço e Mirian a tomou, direcionando-o a testa e ás bochechas. Ela fungou e tomou a postura, deixando a toalha de lado e erguendo-se da cadeira. Era uma mulher alta, de longos cabelos escuros e olhos tão pretos como petróleo. Vinda do Sul, Mirian era uma mulher culta, recuada em seu posto como rainha e com uma personalidade forte. O marido sempre a acompanhava e ela gostava de passear pelos Jardins, admirando as flores e recolhendo-as para serem postas em lugares de seu quarto. Mas naquela tarde, a Rainha pouco parecia alegre e com vontade de passear nos jardins, pelo contrário. Mostrava aflição e descontentamento. Seus olhos voltaram-se para Meryte e ela disse, numa voz rouca e firme:

- Convoque a Corte de Prata para a Sala das Serpentes. Temos assuntos a tratar - ordenou, voltando-se para sua cama.

Meryte pouco ficou. Colocou a bandeja debaixo do braço e saiu correndo até a Torre do Papel, onde as mensagens seriam despachadas para os Membros da Corte de Prata.

Em disparada pelo corredor onde ficavam os lavatórios, Meryte pegou um atalho e chegou num corredor estreito de paredes de pedra. Uma porta de madeira erguia-se diante dela. Não bateu, apenas empurrou a porta, entrando agora numa escadaria em espiral. Subiu rapidamente, enquanto o suor escorrega-lhe a testa e a nuca. Seu vestido era denso, de tecidos baratos, o que não facilitava para o bem-estar quando a temperatura aumentava. Chegou até a Torre de Papel. Dois guardas, de armadura, barraram-lhe a entrada.

- O que desejaria, minha senhora, ao entrar na Torre de Papel? - perguntou um deles. Seu elmo prateado cobria-lhe os olhos, dando a ele um ar misterioso.

- Enviar uma mensagem a Corte da Prata, senhor - disse Meryte, recuando das espadas dos guardas.

- E quem solicita este envio, senhora? - perguntou agora o outro guarda. Este tinha uma voz mais grossa que a do outro.

- Vossa Lady Mirian, sua Rainha. - explicou, erguendo-se, como que se sentindo superior.

Os guardas liberaram a passagem e a criada avançou, abrindo delicadamente a porta da Torre. Ela adentrou o cômodo e fechou a porta atrás de si. Era um espaço circular, velho, iluminado por tochas nas paredes. Num dos cantos da sala, um velho vestindo uma túnica preta sentava-se a uma escrivaninha cheia de penas e papéis amarelados.

- Lorde Fairgost, sua Rainha deseja escrever uma mensagem à Corte de Prata - explicou Meryte, enquanto o velho, de maneira apática, pegou um papel e uma pena.

- E qual seria o assunto desta mensagem, senhora? - perguntou-lhe sem olhar-lhe a face, apenas começando a escrever o remetente.

- Vossa Lady deseja convoca-los para uma reunião. Na Sala das Serpentes, aliás. O mais rápido o possível - a Rainha não havia dito que teria que ser rápido, mas Meryte sabia como eram as Reuniões da Corte de Prata, apenas coisas de extrema urgência eram discutidas ali.

- Como Vossa Lady quiser. Informe-a que a mensagem chegará o mais rápido possível a Corte.

- Agradecida por seus serviços, Lorde. - fez uma reverência e se retirou.

O Conto da Coroa sem Dono - [DRAMA MEDIEVAL]Onde histórias criam vida. Descubra agora