Capítulo primeiro - Deus

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Estava ele em mais um dia de aula, entediante aula. Tudo parecia girar, longe de sua cabeça e a voz do professor se camuflava por baixo de seus pensamentos. "Esses imbecis continuam no poder, não importa o quanto roubem, o quanto piorem a situação de nosso país. Como poderia eu mudar tudo isso? E esse povo, incrédulo, não colabora para uma melhor sociedade... Talvez só não se sinta livre. Mas, de que adianta um escravo que aceita a escravidão?".
– Quero que a turma se prepare para a próxima aula sobre as organizações políticas contemporâneas pesquisando em casa sobre a anarqu... "TRIMMMM" – E mais uma vez o sinal tocara. A turma sai apressada da sala sem perder tempo para escutar a continuação do que falava o professor de sociologia. Henrique era um ótimo aluno, nenhum professor havia reclamado dele na vida, pelo contrário, alguns praticamente louvavam sua intelectualidade: era muito bom em cálculos nas aulas de matemática, sabia o português quase perfeito, química, física e qualquer outra coisa das exatas era fácil para ele. Até mesmo nas aulas de educação física quando, sedentário, preferia jogar xadrez ou outros jogos de estratégia a esportes ele se mostrava um verdadeiro talento em pessoa. Saia da escola quando vinha Alan em sua direção.
Cara, a gente podia jogar futsal lá na quadra do vila Maria. Tá liberado nesse inverno! – Mas Henrique, como sempre mantendo distância de esportes, mostrou quanto era previsível sua resposta. – Valeu cara, vou pra casa, a gente se vê amanhã.
Okay, só não vai ficar estudando o tempo todo cara, isso não faz bem pra cabeça... – E saíram, Alan para direita da porta do colégio, rapidamente como se tivesse pressa para aproveitar a tarde de futsal, enquanto Henrique foi descendo com calma as escadas para esquerda, em direção a sua casa. No caminho de cerca de 15 minutos, aquele pensamento na aula de sociologia não saía de sua cabeça. "Cara, deve haver um jeito, uma forma, eu tenho que poder fazer algo...".
Chegando em casa, Henrique não pensou muito, subiu para seu quarto e foi escrever sobre o que necessitava ser mudado na sociedade. Estava ele rabiscando o que mudaria sua vida (e a de muitos) algum tempo mais tarde. Chegou Henrique a conclusão de que a melhor forma de modificar a sociedade se baseava em alguns passos: Ele deveria buscar a liberdade para o povo, a justiça para a sociedade e a fé para a alma. Pensou, pensou muito, mas em um momento de auto-humilhação percebeu quão pequeno era. Nem mesmo um poderoso, rico e influente poderia cursar todos esses objetivos juntos, ele era apenas um estudante insignificante, sem atenção, sem poder, e sem coragem de buscar isso, seja como for. Ele já não tinha esperanças em seu projeto, ou melhor, sua falha, seu erro, seu inútil pensamento, por seu ponto de vista. Sua mãe o chamou para o jantar, ele desceu as escadas, tão desanimado e entediado como sempre. Seus sonhos que havia tido em uma aula de 45 minutos haviam caído por terra em 5 horas de rabiscos e de textos falando sobre a importância da liberdade, da justiça e da fé uns nos outros e como alcança-los sem que hajam problemas maiores. Jantou, como todos os dias, porém hoje seus olhos estavam ainda mais pesados, ele sofria ainda mais com todo aquele sentimento de insuficiência existencial. Assim como julgava a sociedade lá fora hipócrita, assim também era alí, em sua mesa, com seus pais indiferentes á sua aparência desempolgante. Eles nem sequer perguntavam o motivo de seu olhar triste, e isso lhe parecia até um alívio. Sentia que seus pais seriam ignorantes quanto a opinião social que vinha tendo a tanto tempo. Sua mãe até comenta sobre o preço do feijão, que segundo ela estava mais caro, e isso só lhe servia para mais e mais indignação. Ao terminar o jantar, em silêncio extremo de sua parte subiu, sem responder o boa noite de seus pais. Trancou a porta do quarto e observou mais uma vez sobre a escrivaninha seus rabiscos. Lhe pareciam ter algum sentido no fundo mas e se aquilo fosse apenas perda de tempo? Deitou-se em sua cama ao lado da porta de vidro, com a cortina aberta. Ficou olhando para o teto, e refletia, sem parar sobre seus planos. Sua mente estava confusa, misturava esperanças de um mundo melhor com a possibilidade do fracasso, pensava em quão bem iria fazer a todos e em quão pouco pode fazer agora, e tudo que ele pensava sobre suas ideias voltava sempre ao mesmo ponto: Era IMPOSSÍVEL. Pensou tanto em suas coisas que adormeceu, ainda de uniforme do colégio, de gravata, roupa social e terno, com os braços posicionados atrás da cabeça com a palma da mão servindo de apoio para a nuca. Creio que você não vá querer saber o que ele sonhou, vai? Hahaha estou brincando, é óbvio que você quer, ou se não quer, precisa, de uma forma ou de outra pois isso é muito importante para contar toda a história. Afinal, que história ein...
Onde parei mesmo? Ata, o sonho...
Não é normal que esse tipo de sonho aconteça com jovens, afinal, Henrique só havia ido a igreja uma vez na vida ainda quando pequeno, no seu batismo, não sentia atração por nada do universo espiritual nem mesmo quando o diziam sobre Deus nas aulas de educação religiosa de seu colégio. Talvez por culpa do próprio colégio, dessas aulas e do professor que tinha, ele havia pegado certo receio de falar de Deus ou qualquer tipo de paranormalidade. O único episódio que havia lhe acontecido, ainda na infância, foi certa noite, ou melhor, madrugada em que ele havia supostamente visto uma sombra em seu teto. Seus pais não deram atenção para o medo dele e o manteram no mesmo quarto na mesma cama, ao contrário de sua vontade. Talvez a indiferença de seus pais quanto a isso tenha o ajudado ainda mais a não manifestar a conhecida (por suas aulas de educação religiosa) espiritualidade. Mas voltando ao sonho...
Por mais improvável que pareça Henrique teve seu sonho exatamente assim:

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