Preview: Aqueles Que Escolheram Desaparecer

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— Eu não acho que seria certo. Simplesmente isso, você tá desperdiçando a maior chance da tua vida! — Marlon falou tão sério quanto conseguiu, apoiando uma de suas mãozonas no ombro do amigo.

— Mas ela é a mulher da minha vida! — Leo rebateu, ajeitando os óculos velhos no nariz. A haste estava tão gasta que a coisa poderia se desmanchar a qualquer momento.

— A mesma que te trocou por um cara com um carro mais legal. Que mulherão, hein?

Marlon sabia como ser duro com o amigo, mesmo que isso o magoasse. Às vezes, as pessoas precisavam ouvir a verdade, mesmo que fosse doer mais que bater o dedinho na quina de algum móvel. Sentados na praça, num dia bem ensolarado, ele dava o melhor de si no que considerava seu grande momento. A única vez em que realmente faria algo de bom para uma pessoa que não fosse ele mesmo.

— Cara, você não está ajudando... – Leo reclamou, abaixando a cabeça nas mãos. 

— Ah! Pelo contrário! — Se ajeitou no banco, espaçando os braços no encosto — É claro que tô ajudando, é você que não tá percebendo! Eu sou teu amigo, somos quase como irmãos, lembra?

— Sim, lembro. — Leo respondeu, cabisbaixo.

— Quem levou porrada por você naquela festa dos gêmeos?

— Eu não lembro de você tomar porrada nenhuma.

— Eu não tenho culpa que aqueles babacas não sabiam lutar! — Seu sorriso convencido era tão largo quanto uma ponte — Olha, o que tô tentando dizer é que eu jamais te aconselharia a algo que fosse estragar a sua vida.

— Eu sei... mas eu gosto tanto dela. Você sabe que eu faria qualquer coisa por aquela garota!

— Por isso mesmo que estou falando para você pegar aquele maldito avião e nunca mais pisar nessa droga de cidadezinha! Vai e nem olha pra trás! — Gesticulou, abrindo os braços como se aquilo fosse a coisa mais óbvia do mundo.

— Eu não sei...

— Eu não tive as mesmas chances que você, Leo. Eu provavelmente vou ser apenas o cara da força bruta, que bate e pega a garota de pessoas como você. Enquanto você, vai ser o tipo de pessoa que poderia ser meu chefe algum dia.

— Ainda não sei como você é meu amigo. Isso é tão estranho.

— A vida é cheia dessas, cara! Mas aceita o conselho, faz uma carreira pra você, faz algo que tu gosta e não joga tudo no lixo por causa de uma gata que nem é lá essas coisas! Pensa só... se tu fica com ela, o que vai ser no seu futuro?

— Terei uma família feliz, que se ama de verdade? 

— Não é isso que eu vejo. Eu vejo um cara fodido, que se dedica pra caramba com a família, que tem uma mulherzinha que não vale nada e um filho que só dá desgosto. Um cara talentoso que provavelmente vai passar a vida toda num emprego que não gosta, comendo comida congelada e ouvindo de todo mundo, que sua mulher dá pra metade do bairro enquanto ele não está em casa. É isso que eu vejo! Agora me diz... é isso que você quer?

Leo ficou em silencio e Marlon também. Tudo o que se ouvia naquele momento era o leve chiar do vento e umas poucas vozes de crianças, brincando na caixa de areia ao longe. Os pais distraídos, com os rostos afundados em suas próprias telas pessoais, janelas brancas que os impediam de ver a beleza do mundo.

Naquele pequeno mundo de silencio, Marlon contemplou seu melhor momento, sua grande boa ação e a epifania que tinha da vida. Quem poderia dizer que justo no final, ele perceberia o quanto existe para ser vivido?

— Isso faz qualquer um pensar, não é? Você é bom com isso... — E foi Leo que quebrou o silencio e com suas palavras, trouxe junto um sorriso para a cara grande e dura do amigo.

— Ela te traiu uma vez e vai te trair de novo. Se um dia vier a dar certo, que seja. Mas antes cuida de você mesmo e para de desistir dos seus sonhos pelos outros.

— Você tem razão, eu vou aceitar a bolsa de estudos.

Marlon queria sorrir mais, mas não conseguia. Uma bola desagradável se desenrolava na sua garganta e ele achava que a qualquer momento ela ia explodir. Enfiou a mão no bolso e pegou a passagem toda amassada que o amigo tinha jogado fora horas atrás, um voo que sairia dentro de duas horas rumo à terra dos sonhos.

— Obrigado, você é meu amigo de verdade, sabia?

Marlon não respondeu de início, as palavras ficaram entaladas na garganta e ele teve que engolir um belo gole de cerveja para tentar, ou fazê-las descer, ou subir de uma vez.

— Para com essa viadagem!

Os dois se levantaram e Marlon empurrou a bolsa de rodinhas de Leo. O garoto franzino e pequeno mal conseguiria arrastar aquela coisa, mas ainda assim, estaria seguindo seu caminho. Ele partiria e Marlon seria um herói sem nome. Desconhecido. Esquecido.

"Quantas pessoas eu salvei?" — pensou.

Leo respirou fundo e como se fosse um antigo viajante rumo a cidade dos elfos, esticou os ombros e as pernas preguiçosamente.

— Você vai comigo até o aeroporto?

— Não — e estendeu a mão, que ficou alguns segundos parada no ar até que Leo finalmente a apertasse, mas o garoto, num gesto inesperado, abraçou o amigo.

— Valeu cara.

— Já disse para você parar com essas viadagens — e o empurrou, aterrissando um soco de leve no ombro de Leo — Te cuida!

O rapaz acenou e assim como o amigo havia dito, não olhou para trás. Sem saber, ele havia largado uma vida de desgostos, uma carreira fracassada, uma esposa infiel e uma série de amarguras que terminariam com seu suicídio, no aniversário de 18 anos do próprio filho. Leo foi e não olhou para trás. Ele não viu que o garoto que ficou tinha lágrimas nos olhos.

Marlon ouviu um bipe nos ouvidos e seu coração disparou quando a voz automatizada informou:

— Backspace concluído. Linha temporal apagada.

O garoto secou as lágrimas e deu um grande gole de cerveja, levantando a lata como se brindasse com Leo.

— É isso aí... corre atrás dos teus sonhos... pai.

A lata bateu no banco e o pouco de cerveja que ainda tinha dentro dela escorreu pelo chão. Se Leo tivesse olhado para trás, não veria mais o amigo. Talvez nem mesmo se lembrasse dele.

Afinal, Marlon jamais existiu.

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