Parte 3 - O furo na madeira

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Lauren PoV


- Ainda não disse até quando vai ficar, mãe.

Lex estava deitada em uma das toalhas sobre a areia, as pernas jogadas sobre o colo de Luke e a cabeça descansando sobre as pernas de Emma, que estava sentada ao meu lado e brincava distraída com os cabelos escuros da minha filha.

- Não vou embora - Disse, por fim. Três pares de olhos arregalaram-se na minha direção.

- E o seu trabalho, tia? - Foi Emma quem perguntou.

- Consegui transferência para outro departamento, com escritório aqui em Miami - Sorri, satisfeita.

As crianças levantaram todas ao mesmo tempo, envolvendo-me em um abraço coletivo e gritando histericamente. "Tia, isso é incrível", "A Mamãe D e a Mamãe N vão ficar loucas quando souberem", "OMG tia, Laur. Tô tão feliz", "Mãe, esse é o melhor presente de aniversário que eu poderia ganhar" foram algumas das coisas que consegui ouvir. Todos falavam ao mesmo tempo e se jogavam em cima de mim.

- Quem não vai ficar nada feliz com você aqui é Lucille, tia - Dessa vez foi Luke quem falou, depois de terem se acalmado e sentado novamente.

- É verdade - Emma acompanhou o raciocínio do primo - Ela sempre fecha a cara quando alguém fala de você, tia.

- É bom ela se acostumar - Lex levou a ponta do polegar à boca, com aquele mesmo sorriso terrorista no rosto.

- Lucille sempre morreu de ciúmes de você, tia Laur - Luke comentou, olhando de soslaio para as meninas, com o mesmo sorriso terrorista que Lex gostava de exibir.

As crianças pareciam realmente não gostar de chamar a namorada de Camila de Lucy. Referiam-se a ela somente como Lucille e tratavam de forçar um biquinho com os lábios na hora de pronunciar. Apostaria minha carreira que a namorada não gostava de ser chamada de Lucille.

Suspirei pesadamente. Estava bastante claro que eles torciam por uma reconciliação minha com Camila e eu apreciava isso. Muito mais do que poderia expressar. Mas se hoje estávamos divorciadas, tinha sido por causa das minhas falhas e não seria justo usar as crianças como escudo.

- O furo na madeira - Disse, deixando meus olhos vagarem pelas ondas pequenas que quebravam sobre a areia, deixando um rastro de espuma para trás.

Após o divórcio, passei a frequentar uma terapeuta que havia me ajudado bastante no processo de aceitação dos meus próprios erros. Eu ainda tinha sessões com ela, mas aconteciam apenas uma vez a cada dois meses. Só para acompanhamento da evolução que ela jurava que eu havia tido.

Sempre que meu inconformismo ameaçava dar as caras, ela me puxava de volta à realidade, lembrando do furo na madeira.

- Quê? - Emma questionou, enrolando no indicador um punhado dos fios lisos de Lex, que franziu a testa, confusa.

- Sabem quando a gente coloca um prego numa tábua?

Encarei os três rostinhos confusos. Luke tinha o cenho franzido enquanto tateava a toalha em busca de seus óculos de grau.

- Mesmo quando o prego é retirado, o furo permanece, entendem? - Eles assentiram - Cada tábua é como o conjunto dos sentimentos de uma pessoa e quando magoamos muito alguém, nós fazemos furos nessa pessoa. Estamos furando a confiança, o carinho e a história que construímos - Eu olhava para cada um deles. Estavam bastante atentos - Não é como um ponto feito à caneta ou à lápis que dá pra apagar ou rabiscar por cima, mantendo a superfície intacta. Não importa o que aconteça, ainda haverá um buraco ali. Nós podemos tapar com alguma coisa, mas por baixo ainda haverá um furo, um espaço vazio porque em algum momento alguém tirou a lasca de madeira que ocupava esse lugar. E quanto maior a mágoa, maior o buraco - Eles transitavam seus olhares entre si e de volta para mim, concentrados - Mesmo que ainda haja bastante madeira em volta, às vezes fazemos tantos furos que ela fica toda esburacada - Deixei um longo suspiro me escapar - Eu magoei muito a Camila e chegou um ponto em que não era mais capaz de fazê-la feliz - Mordi o lábio inferior e apertei os olhos, sentindo um punhado de lágrimas tentando escapar. Mas eu não iria chorar de novo - E ela precisou de uma tábua nova, sentimentos novos, uma pessoa nova. Não posso dizer que adoro a namorada dela e que vou sair saltitando pela praia feito uma gazela por vê-la juntas, mas ela está seguindo em frente e isso não é errado. Ela precisa ser feliz e todos nós, inclusive eu, temos que apoiá-la nisso. Porque no fim das contas é tudo o que importa na vida. Ver as pessoas que amamos felizes.

Heavy Rain (Camren)Onde histórias criam vida. Descubra agora