Prólogo - A Jornada Final

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Imagine Dragons - Roots

 Em uma galáxia não muito distante, em um tempo não tão distante...  

  Aconteceu minha última mudança. Há dois meses atrás me mudei para New Orleans, Louisiana com minha mãe e John.  

A cidade do Jazz e a cidade mais assombrada dos Estados Unidos – disse apenas para assustar, mas dizem que é verdade, há diversas tours fantasmas por aqui, ou apenas mais uma forma de ganhar dinheiro em cima de lendas -.
Depois de passar do Tennessee ao Kansas, do Kansas a Nevada, de Nevada ao Novo México, Minnesota, Texas e até mesmo Nova Iorque, onde passei um ano estudando em um colégio interno de freiras. Já morei em Louisiana antes, na pequena cidade de Alexandria por alguns meses.
Depois de passar toda minha vida me mudando para diversos estados e cidades diferentes e até mesmo pensando em nos mudar para o Canadá, esta será minha jornada final. Espero.
  Passei anos fugindo, de escola em escola, estado em estado, tendo que sempre me adaptar a escolas diferentes, pessoas diferentes e principalmente costumes e sotaques diferentes. Já devo ter morado ou conhecido todos os cinquenta estados, incluindo o distrito federal de Washington, DC – talvez eu esteja exagerando, não é nem a metade disso -. Às vezes era uma experiência legal, mas na maior parte do tempo era um grande desastre.
Não era ruim para mim ter que me mudar frequentemente, já estava acostumada, isso sempre foi a minha vida, vivendo como nômades ou foragidos. O problema é ter que me mudar quando começo a me acostumar aos hábitos e rotinas e até mesmo às pessoas do lugar, por exemplo, eu sabia que sempre as duas horas um casal de velhinhos passeava no parque, alimentando os patos ou aquela garota que de segunda a sexta, sempre às cinco da tarde, frequentava o mesmo metrô que eu, sempre de fones de ouvido e desconcentrada do mundo, o mesmo grupo de crianças correndo pelas ruas depois da escola para ''caçar'' animais virtuais... Mas logo esquecia. Não possuo nenhum apego emocional pelos lugares como as pessoas normalmente têm. Eu nunca tive isso pois sempre soube que iria acabar... Algumas se apegam aos ótimos lugares que há nas cidades, até aos seus lugares favoritos que são especiais por alguma lembrança, ou por apenas ser rotineiro, e dos que fazem o melhor chocolate quente de todos - no qual já visitei na Pensilvânia -, e outros se apegam a seus vizinhos ou amigos. Nunca pude estabelecer vínculos, seja por ficar apenas seis meses em cada escola e cidade ou por eu ser simplesmente estranha. Amigos, é algo que raramente tive, apenas quando era bem menor, no máximo um ou dois, as crianças menores não tinham preconceitos, mas eu assustava elas. É o que diziam.
E é por isso que nos mudamos tanto: por causa de incidentes que sempre aconteciam em todas as escolas que frequentava, alegam professores adoecendo, provas com mensagens ameaçadoras e até mesmo virando cinzas, objetos flutuando, luzes piscando, ateamento de fogo em uma aluna, materiais desaparecendo, pessoas incomodadas por sussurros em outra língua e até mesmo acusações de desaparecimento quando uma garota da minha escola simplesmente sumiu - ela foi encontrada, sem se lembrar do que houve - e bruxaria. Eu não entendia, eu era apenas uma criança assustada em um mundo tão grande, com tantas pessoas me odiando, tendo medo de mim, ou rindo de mim. Mas acima de tudo era o medo sobre mim, o que eu poderia saber? Eu era apenas uma criança, não poderia ter feito isso. É o que eu sempre acreditei. Eram como se tivessem grandes espaços vazios em minha mente, sendo preenchidos por pontos de vista de terceiros.

Claro, nem todas as vezes que nos mudamos foram por minha causa, mas todas foram consequências de quem eu sou, como minha mãe e John – não gosto de chama-lo como padrasto, ou qualquer coisa minha – não conseguirem um emprego na cidade por não terem estabilidade em nenhum de seus trabalhos.
Eu nunca cheguei a entender isso, minha mãe julga ser apenas calúnias para me difamar sendo que tudo é culpa deles e de sua cega ilusão. Ou algo do tipo, eu nunca entendi. Mas era algo do tipo ''eles cometem seus erros e colocam a culpa na novata desajustada, as crianças podem ser más'', ao menos ela dizia que eu era especial. Por mais que as vezes eu concorde com ela, no fundo eu penso que pode ser verdade, não sei por que acredito nisso, de que forma eu teria feito isso?  Poderes telepáticos? Sobrenatural e até mesmo bruxaria? Não, não acredito nisso, apenas em fatos, porém, e se os fatos indicarem que realmente sou culpada? São as perguntas que passam repetidas vezes em minha cabeça.
Não acho que é coincidência acontecer isso na maioria dos lugares que frequento, até mesmo o único lugar, sem ser em casa, que eu poderia ficar em sozinha comigo mesma, fui proibida de entrar: uma biblioteca antiga na cidade que era apenas frequentada por uma idosa simpática, Marie e duas irmãs, e claro a bibliotecária Mary que não gostava muito de mim mas tentava parecer gentil. Diziam que viam vários livros flutuarem ou coisas do tipo, uma delas até entrou em desespero achando que estava tendo alucinações, tendo que ir ao terapeuta dizendo que estava louca e tinha pesadelos regulares com isso. Se não houvesse nada de verdade, não teria motivos para nos mudarmos e as pessoas não teriam medo de mim.

Todos os incidentes nas escolas que frequentei, a pressão que eu sentia sobre os olhares das crianças sobre mim, isolamento social e paranoia, tudo isso me prejudicou e muito. Eu me isolava e não saia de casa, passando todo o meu dia ou na internet ou lendo algum livro ou assistindo algo. Fazia de tudo para me ocupar – inclusive a minha cabeça -. Eu simplesmente não conseguia entender – e até hoje não consigo -. O que eu fiz? Por que todos me odeiam? Por que todos agem como loucos como se eu fosse... Não sei, uma bruxa! Eu não entendo. Eu nem sei que aquelas coisas de fato aconteceram. Eu tenho dúvidas se foram apenas alucinações... Ou não sei, histeria coletiva? Mesmo minha mãe insistindo para que eu não fosse num psiquiatra, eu decidi ir... E foi uma das piores experiências que tive. E eu fui em mais de um. Todos me recomendavam que eu saísse da escola e estudasse em casa, que nem todos se habituam a um ambiente desse e que está tudo bem, outros de que eu estava vendo da forma ''errada'', que eu estava traumatizada pelo bullying frequente, ''as crianças têm imaginação forte, de certa forma as suas alucinações podiam ter influenciado elas''. E tudo acabava com o diagnóstico de esquizofrênia (na maioria das vezes), transtorno bipolar ou transtorno dissociativo de identidade. Isso tudo me deixou louca e perturbada por um bom tempo.

Eu já chorei, eu já gritei, eu já fiquei em silêncio. Nada adiantou. Pedi a minha mãe para que eu estudasse em casa, porém ela dizia que eu precisava de amigos e que as coisas um dia iam melhorar, sempre melhoram... E um dia eu iria arranjar um lugar para chamar de casa. Em uma coisa minha mãe teve razão: as coisas melhoraram. Quando eu fui para Atlanta, onde terminei o ensino médio, as coisas estavam estáveis e foi o melhor período da minha vida.

Eu decidi apenas aceitar as coisas como são e foram.

Por sorte há dois meses, nesta nova cidade, nada disso aconteceu. Há algo especial nela? Só sei que me sinto aliviada de ser apenas uma cidadã normal de uma cidade grande, ninguém prestará atenção em mim.

Porém meu passado continua me perturbando, assim como as perguntas sem respostas. Respire fundo e siga em frente, Phoenix. Esse será meu último recomeço, em uma nova cidade, minha jornada final: New Orleans.

Mythes - Lua de FogoOnde histórias criam vida. Descubra agora