Paixão Passageira

114 9 10
                                    

A vida é feita de momentos. Pequenas passagens de tempos podem mudar uma história. Pessoas vão e vem na nossa vida como ônibus, parando quando necessário, mas, infelizmente ou não, sempre seguindo seu caminho.

Não sei exatamente por que reparei nele. Poderia ser pelo seu jeito de andar, o modo concentrado de olhar para o celular, o balançar leve dos seus cachos negros acompanhando o ritmo da música ouvia pelos fones, o sorrisinho de lado por um motivo só dele ou a mania tímida de colocar a mão nos bolsos a todo tempo - e agora quando uma senhora lhe agradeceu por ceder o espaço para ela passar entre a fila.

Quando ele notava que eu estava o encarando e me olhava, eu desviava. Queria ser notada sem querer ser vista, dá para entender?

A fila andou. O painel indicava que faltavam 5 minutos para o ônibus que eu sabia que ele pegava chegar. O meu, 10 minutos. A fila era mesma, para dois ônibus diferentes. Vai entender, também.

Queria tirar uma foto dele, escondida, mas julguei ser muita invasão de privacidade. Não iria gostar que tirassem foto de mim, assim, no ponto de ônibus.

Também não iria falar com ele. Imagina parar o garoto e dizer "caramba, tô te observando há alguns dias, sei lá, a gente podia se conhecer melhor... quer dizer, se conhecer mesmo". Não. Nada disso. Iria, no mínimo, parecer uma psicopata stalker maluca.

Mas era meu último dia de cursinho. Não teria que vir à esta estação nos próximos meses. Nem sabia se ele continuaria pegando este ônibus após o fim do ano.

Olhei novamente para o painel. Para o ônibus dele indicava que estava "aproximando". Observando o garoto em silêncio, eu via o tempo correr contra mim. Eu não iria falar com ele, e isso só aumentava meu amor platônico.

Quando o vi pela primeira vez, eu não tinha noção que se tornaria uma fixação boa o encontrar todo dia no mesmo horário e torcer, também, para que o ônibus atrasasse para vê-lo por mais tempo. Era estranha toda essa coisa. A cada dia que se passava, eu me cobrava para falar com ele.

Havia também toda aquela expectativa que eu criava. "Pode ser a última vez que irei vê-lo", "e se ele for o cara que sempre esperei?". Tinha que controlar minha mente e meu coração. Um cara do ônibus. Parecia uma bobeira e eu nessa neura. Porém para mim não era! Eu criava essa expectativa e realmente acreditava que aquilo era real.

O ônibus dele acabou chegando. As pessoas à frente na fila entraram em disparada, ele era um dos últimos que pegariam a condução. Eu, logo atrás, fiquei com a primeira da contínua fila. Ele ficou na porta, apoiando-se ali. De lado, observei ainda melhor e sorri quando ele sorriu parecendo nem notar que o fazia. Quando a porta se fechou, ele olhou para o vidro. Diretamente para mim, ainda sorrindo. Não era aquele olhar surpreso, parecia um de reconhecimento ou até mesmo de admiração. Pela primeira vez, eu não desviei o olhar. Segurei até seu ônibus partir.

Ao final, eu sabia, não o veria nunca mais. Porém o garoto da plataforma tinha conquistado um lugar na minha memória e no meu coração.

O que dizem as estrelas?Onde histórias criam vida. Descubra agora