Para qualquer lado que você olhasse naquele shopping, veria um Papai Noel diferente. Havia quem contava às crianças que, na verdade, nem todos deles eram de verdade, que eram como "amigos" do Papai Noel, que o ajudavam às vezes; como muitas crianças foram boazinhas, diziam os pais, muitos deles eram necessários, por isso havia tantos. Cada um ajudando de alguma forma.
Um deles, não o mais vestido, e também não em melhor forma para o cargo (a roupa de Papai Noel estava quase que amarrada em sua cintura, de forma a fazer sua barriga falsa parecer um ovo de Pascoa; dava-se para ver o quanto era magro) esbravejava em um canto, direcionando sua raiva a um homem de terno verde. Quem quer que fosse aquele sujeito, presumiu que seria uma boa ideia se "vestir de natal", porém aquele terno não combinava com sua cabeça quase que totalmente sem cabelos e a pele branca feito barriga de sapo. Decerto era o encarregado, e os dois não estavam concordando em algo. O homem fantasiado foi o primeiro a ceder. Olhou diretamente nos olhos do outro, pegou a mochila que ele o oferecia, soltou um impropério qualquer e virou as costas. Enquanto caminhava, de dentro de sua roupa puxou uma carteira de cigarros, bateu com ela na mão, pegou o cigarro e o acendeu. Continuou fumando até sair do shopping. Na rua, fez sinal para o primeiro táxi que passou.
— Shopping Total, por favor. Fica na Cristóvão...
— Sei bem onde fica. Pra tua informação, conheço Porto Alegre como a palma da mão. Vou logo te avisando que não aceito cartão. Vai pagar no dinheiro?
— Não, vou pagar com um milagre de Natal.
— Te arranca — disse o taxista.
O outro homem pouco ligou para aquela situação, abriu a porta do táxi e fez questão de bater com ela o mais forte possível quando saiu. Aproveitou e deu um chute na traseira do veículo quando o motorista arrancou. Xingou quem ficou olhando para ele na rua, e seguiu para o ponto de ônibus.
O protocolo (e o contrato que havia assinado na semana passada —no primeiro momento foi estranho perceber que qualquer um podia trabalhar como Papai Noel) estipulava que ele devia tirar a fantasia quando estivesse na rua, e só a colocasse de volta quando já estivesse no local em que tinha sido remanejado. Este termo em específico, decerto, era para manter o "espírito natalino" preso a um shopping. Assim as crianças iriam até lá e encontrariam tudo que tinham esperado a vida inteira para ter (mas não sabiam disso até olhar), e os pais se obrigariam a levar alguma das coisas que eles queriam. O lucro dos shoppings, nesse período do ano, triplicava com essa jogada. A regra era ter um papai Noel por shopping, mas às vezes a demanda era realmente muito grande, então mais de um aparecia, e ficava do outro lado do shopping, e que se danassem os pais para achar alguma explicação para os filhos daquilo, daquela irrealidade da vida. Dois dele. Impossível.
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Meu Natal Iluminado (Completo)
Short StoryIndependente das escolhas e das surpresas, o Natal é sinônimo de desejar boas festas e vivenciar momentos mágicos, meios fatais e repletos de paz, amor e muito carinho. Muitos estão em busca dos presentes que não conseguiram comprar a tempo, outros...