Sempre que a mãe deles descia as caixas em que guardavam a decoração natalina da parte mais alta do armário, os dois pequenos se iluminavam com a perspectiva das festas. Irmão e irmã desfrutavam de cada minuto ajudando a mãe a armar os presépios, colocar as bolinhas de vidro no pinheiro, pendurar as luzes em formato de Papai Noel e renas na varanda, entre outras coisas. Naquela época, a casa sempre ganhava nova vida com todas as cores, brilhos e sons natalinos. E naquele ano, quando o pai não conseguiu ajudá-los a arrumar os enfeites nem pendurar os pisca-piscas, eles sentiam que precisavam das alegrias do Natal mais que nunca.
Para os irmãos, a celebração começava no momento em que os enfeites eram colocados. Dezembro inteiro era um mês de festa e eles inventavam todo o tipo de brincadeiras. Algumas nem sempre eram muito cristãs, como por exemplo brincar de casinha com os bonequinhos de cerâmica do presépio. Em mais de uma ocasião tiveram que interromper a diversão para socorrer a uma vaquinha ou rei mago que se estilhaçava contra o piso.
Outras vezes organizavam corridas com todos os dinâmicos Papai Noéis de pilha da casa: um saltava, outro dançava, outro até mesmo andava de esqui! Obviamente não eram corridas muito frutíferas, porque nunca havia um ganhador. Os Papai Noéis pareciam pouco preocupados em conseguir o primeiro lugar e se limitavam a repetir as ações que sabiam fazer, cantando desafinados até a pilha acabar.
A mãe acompanhava as brincadeiras de longe, sempre alerta para possíveis acidentes, sempre pronta com Super Bond para colar alguma decoração pseudo-destruída. Ela sorria enquanto observava os filhos em seus jogos sonhados e agradecia sua inocência. Na casa silenciosa, as vozes deles eram seu salva-vidas. O pai muitas vezes se sentava ao lado da esposa no sofá e tentava prestar atenção na algazarra dos pequenos, mas quase sempre falhava. Lhe faltavam forças. E disfarçadamente, enquanto os filhos estavam absortos na brincadeira, mãe e pai caminhavam lentamente até o quarto onde ele poderia descansar e ela deixaria de sorrir.
A brincadeira que as crianças mais gostavam e que repetiam quase todas as noites era uma invenção da irmã. Uma noite, sentados na imensa sala e rodeados de todos aqueles objetos festivos, ela olhou para fora e pelo vidro viu o lusco-fusco causado por todos os pisca-piscas na varanda. O brilho era intenso e, embora difuso, fazia ela imaginar que lá fora, sentado confortavelmente em um trenó repleto de presentes, estava o velhinho mais esperado do Natal.
— Olha, é o Papai Noel! — exclamou a garota e saiu correndo para fora, com seu irmão mais novo nos calcanhares.
Não foi exatamente uma surpresa quando, chegando no jardim, eles não viram nem sinal do estimado senhor Noel. Tudo estava escuro e silencioso, e as luzes que piscavam ao redor da casa eram as únicas coisas a reluzir na noite tranquila. Os irmãos, calados, olharam para a casa e pela misma janela onde a irmã havia observado o jardim há apenas alguns segundos, eles puderam ver a sala que brilhava em vermelho e verde, o calor que dela emanava graças aos enfeites e à árvore de Natal. E então a imaginação veloz voou novamente.
— Olha, olha, o Papai Noel já entrou em casa! Ele está deixando os presentes na árvore!— gritou a menina e ambos saíram disparados novamente pra dentro da casa.
Todas as noites de dezembro essa perseguição natalina voltava a acontecer. E todas as noites eles saiam e entravam, sempre criando histórias incríveis sobre como o Papai Noel estaria chegando na porta de casa, com todas as suas renas e duendes; e como, no segundo em que saiam para recebê-lo, terminavam se desencontrando porque o rápido velhinho sempre escapulia para dentro da casa.
Naquela correria sem fim e com as histórias que os dois inventavam juntos nascia o mais puro sentimento de alegria, daquele tipo que somente as crianças conseguem inventar a partir das coisas mais simples. Eles riam e tagarelavam, os rostos rosados de tanto correr no calor de dezembro, o coração a mil graças ao exercício e à felicidade. Do quarto dos pais não escutavam nenhum ruído, mas sabiam que estavam ali e que quando papai se sentisse o suficientemente forte para levantar-se, seria hora de jantar.
Em algum momento da noite, depois de duas ou três voltas na varanda, no meio de todas aquelas risadas, de repente a irmã sentia uma vontade enorme de chorar, e não sabia porque. Era tão fácil cruzar o umbral que separa a alegria da tristeza, e ela se sentia na fronteira entre ambas constantemente. Talvez porque naquele ano ela tivesse descoberto muitas coisas tristes sobre a vida; uma delas era que Papai Noel não existia.
Mas ela olhava para seu irmão mais novo e via nele todas as fantasias que antes eram reais para ela. A ilusão de que Papai Noel viria. A ilusão de que seriam uma família para sempre. A ilusão de que coisas ruins não acontecem com boas pessoas. E por isso ela engolia o choro e se forçava a continuar a brincadeira, correndo mais rápido, gritando mais alto, trancando a tristeza no fundo do seu coração. Somente para deixá-lo contente, para permitir que ele vivesse a fantasia um pouquinho mais.
No dia 24 de dezembro eles não tinham muito tempo para brincar. O dia sempre parecia passar rápido demais e havia sempre algo para fazer, uma visita para cumprimentar, um presente para embrulhar. O grande dia passava num piscar de olhos e quando a noite chegava a família se encontrava em uma reluzente casa natalina, frente a uma ceia de dar inveja.
A mesa era grande para os quatro, ainda mais porque eles se sentavam bem juntinhos perto da cabeceira. O pai distribuía pedaços de pernil, a mãe contava novidades dos parentes distantes, o pequeno irmão tomava muita Coca Cola e ficava hiperativo. E ela, a menina que insistia em perseguir um Papai Noel imaginário e fugir de medos reais, rezava com todas as forças para que continuassem reunindo-se os quatro naquela mesa por toda a eternidade.
Mais tarde, quando se acomodavam ao redor do pinheirinho para abrir os presentes, ela segurava a mão calorosa da mãe e se entretinha com os pacotes de todos os tamanhos e cores. Mas no fundo ela sabia que os maiores presentes que ela poderia receber estavam ali, ao redor daquela árvore, rodeados de todos aqueles enfeites e luzes, divertindo-se com cada embrulho aberto, contentes por simplesmente esta juntos em mais uma noite de Natal.
Enquanto a família se deliciava com a companhia uns dos outros, mal sabiam que do lado de fora da casa, perto de uma janela, um senhor já bem velhinho assistia a cena e sorria. Depois de alguns segundos observando os quatro e sentindo o amor que transmitiam, ele se afastava da janela bem devagar, colocava o gorro vermelho que havia tirado por causa do calor e saia em direção às próximas casas onde espalharia um pouco mais de amor, fraternidade e gratidão naquela noite mágica.
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Sobre a autora:
Regiane Folter nasceu em São Paulo, mas nunca criou raízes já que passou boa parte dos seus 25 anos viajando. Hoje reside em Montevidéu (Uruguai) onde trabalha durante o dia e de noite vive sua identidade não tão secreta de escritora. Em 2017 ela lançou no Wattpad uma coletânea de contos sobre amor, intitulada Amorez.
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Meu Natal Iluminado (Completo)
Historia CortaIndependente das escolhas e das surpresas, o Natal é sinônimo de desejar boas festas e vivenciar momentos mágicos, meios fatais e repletos de paz, amor e muito carinho. Muitos estão em busca dos presentes que não conseguiram comprar a tempo, outros...