O invasor no Natal - @Jluizf

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Correu o boato, em grande parte comprovado por verdade, nos idos iniciais dos anos noventa, época em que o Collorzismo e os sertanejos com cabelo mullet-robô dominavam paradas de sucesso e influenciavam massas televisivas sendo observados de perto por uma leva de alegres idosos, crianças e servos de satanás, que o adorável Lino, um rapaz muitíssimo inteligente, bonito e educado, que possuía um teclado semi profissional, um sapo, e era fã de filmes como Blade Runner e Tron estava guardando certo veículo revolucionário em sua própria garagem. O tal objeto, segundo ele, era uma invenção altamente à frente de seu tempo. Em posteriores entrevistas o rapaz declarou que os materiais para a construção, bem como o esquema desenhado, lhe haviam sido concedidos de uma vez por um misterioso homem. Sobre este, Lino não poderia dar maiores detalhes, pois jurava não os ter. Apenas que o havia conhecido em uma situação estranha, e muito desconcertante, e que em determinado momento tudo seria esclarecido à imprensa. Talvez tivesse sido em uma das viagens que ele fazia nas férias com sua família, ou em algum golpe de sorte armado pelo destino (fato que será melhor abordado mais adiante).

O pai de Lino volta e meia repetia: "Lino, tens capacidade de reinventar a roda, e o fará, se puderes". Era o senhor Sanches, um empresário que possuía grande rede de lojas e de certa forma confiava no filho como principal substituto para seus negócios. Isso era notório, o homem falava para todos, e a mãe e as irmãs de Lino já estavam cansadas de ouvir tal alegação. Era algo mais que certo e ecoava pela casa como mantra desde que o garoto aprendera a falar "papai".

Infelizmente tudo estava para mudar de forma drástica, mais exatamente a partir do dia primeiro de abril de 1990. Foi quando Lino, que além de simpático, inteligente e educado, e detentor de um senso de humor demasiada e exageradamente peculiar, decidiu que aquele seria o primeiro de abril mais espetacular e original já criado por um ser humano. Perceba-se que naquela época, uma data assim era realmente levada a sério em todo o país, sobretudo entre pessoas que frequentavam as séries do segundo grau para baixo. De qualquer forma, e para o próprio comportamento dos jovens da idade de Lino, era um evento esperado e corriqueiro, e a regra poderia se aplicar a qualquer hora do dia, da noite, ou até mesmo da madrugada. E ele sabia exatamente quem seria o alvo mais adequado: seu próprio pai. Tudo estava em grande expectativa dentro de sua grande cabeça, uma vez que, no passado, ocorrera um fracasso de ideias devido à falta de sincronia provocada por um Lino não suficientemente cauteloso. No ano anterior o rapaz conseguira adquirir com um grupo de palhaços que entraram em sua sala para vender coisas engraçadas (prática comum na época) certa tinta que podia ser jogada em roupas e desaparecia em 10 segundos. Aquilo era de uma eficiência espetacular, pois, o atacante atirava a tinta na roupa a qual a vítima estivesse vestida, e enquanto a vítima estivesse a reclamar ou se defender, ou até mesmo correr horrorizada, a tinta estaria desaparecendo e na maioria dos casos esta não perceberia, fazendo ela mesma um autêntico papel de idiota diante dos espectadores em volta. Naquele dia Lino havia acordado duas horas antes de ir para a escola, apenas para aguardar o momento do homem levantar. Chegado o momento ele havia aplicado o tal líquido especial nas roupas do pai, sobre a cama, antes que esse saísse para o trabalho. O homem se demorou em seu banheiro particular, e os dez segundos acabaram e a tinta simplesmente não desapareceu, impedindo assim uma boa e original brincadeira de primeiro de abril, fatidicamente arruinando as roupas novas e caras do pai, fazendo-o chegar quarenta minutos atrasado na reunião que lhe custou a perda de dois investidores e condenando o jovem rapaz a alguns meses de castigo irrevogável no quarto menor, antes destinado às suas irmãs pequenas. E, claro, dando fim a 300 ml de tinta mágica que havia sido muito cara!

O pai de Lino era um homem trabalhador, muito bem sucedido financeiramente, mas possuía uma mulher que lhe traía a cada certo período de tempo, com o rapaz que vende tapetes, ali mesmo em sua própria casa, mas ele fingia que não sabia e não tinha indícios. Sanches acreditava que isso era algo que iria atrapalhar a atmosfera familiar. Nesse ponto ele tinha razão. Era um homem que não possuía vícios, e gostava de sair para pescar às vezes. Pode-se dizer que era bom nisso, ainda que não trouxesse os peixes para casa. Sua pesca era esportiva, dizia ele. Além disso, o homem sabia tocar violão, cavaquinho, gaita, e teclado, motivo pelo qual deu um ao filho, pois achava que o instrumento era o que mais combina com o rapaz. O Senhor pai de Lino gostava de sentar-se à mesa sozinho, enquanto todos ainda dormiam, e sentir o silêncio da casa. Mas não por seus familiares serem barulhentos, muito pelo contrário. Ele gostava de ouvir suas respirações. Na verdade ele não ouvia quando as portas dos quartos estavam fechadas. Estava mais para algo que lhe agradava; imaginar suas quatro crianças como se fossem ainda bebês, sabendo que estavam bem, saudáveis e relativamente felizes em um sono natural. Sempre fez isso desde quando estavam no berço, e mesmo que a mais velha já tivesse 27 anos, a sensação agradável que lhe vinha à mente ainda era praticamente a mesma.

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