Dor

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Você me perguntou como eu me sentiria se você morresse. Acredito que encarei a mensagem por segundos a mais do que o normal. E não tive como responder. Não sabia como responder. Ainda não sei.

Como eu me sentiria se você morresse?

Primeiro, acho que eu teria que pensar no meu dia, como seria meu dia sem você. Eu iria acordar, às 05 da manhã, iria ligar a Internet e automaticamente mensagens do grupo da família, da faculdade, mensagens da melhor amiga e de outras amigas chegariam na tela.

Nenhuma sua.

Eu iria responder, rápido como sempre. Não te mandaria um "Bom dia, Rainha". Então eu me levantaria, e tomaria um banho, encarando a parede, cantando Faroeste Caboclo duas vezes, mais rápido que Renato Russo, porque eu sei que é esse tempo que tenho no banho. Minha mente rodaria na música e talvez se perdesse num trabalho que tenho para entregar, ou no emprego que preciso, talvez até na consulta que terei que levar minha mãe.

Não pensaria em você.

Então eu iria me trocar, vestir um moletom de Star Wars, e colocar nos ombros a mesma mochila que você me disse que era legal. Mas, eu não iria pensar em você. Eu iria ir até o ponto de ônibus, tremendo um pouco de frio, e esperar meu ônibus junto com mais umas quatro pessoas, na beira da rodovia, encarando os carros, onde eu sempre imaginava você passando por ali, parando e me oferecendo uma carona. Mas dessa vez eu iria apenas encarar vagamente os faróis que me cegam. O ônibus iria parar e eu iria subir, sentando no mesmo lugar de sempre, atrás da catraca, sentindo minhas costas doerem. Normalmente eu estaria escutando algumas músicas de uma playlist chamada "Her 🙈", mas, dessa vez, eu só teria deixado no aleatório.

Nada de você em minha mente.

Eu chegaria no metrô, esperaria o trem, ainda ouvindo uma música qualquer, o olhar vago para o vidro. Eu pegaria meu celular, só para ver as horas, entraria no app de mensagens.

Sua conversa não estaria ali.

Então eu entraria no vagão não tão cheio, leria pedaços da matéria do jornal de outro alguém, sentaria no fundo assim que alguém levantasse para descer na estação Ana Rosa. Então eu desceria na Consolação, pegaria o jornal do metrô, e andaria até a universidade. Pararia na fila do elevador, e ligaria o wifi do meu celular, e enquanto estivesse conectando, leria as principais notícias.

O que será que estaria acontecendo no Brasil? Fora Temer? Lula preso ou elegido presidente? Bolsonaro ainda fazendo merdas de sempre? E em qual fase da lava jato estaríamos? 87?

Então eu colocaria o jornal embaixo do braço, pegaria meu celular e faria uma careta ao entrar no app de mensagens. Amigas mais novas no colégio, outras já na sala da faculdade, melhor amiga provavelmente dormindo, então apenas mensagens no grupo da sala. E ao contrário do comum ultimamente.

Nenhuma mensagem sua como um "Bom dia baby" "Tudo bom?" "Não vá de escada".

Então minha vez pro elevador chegaria, eu subiria todos os andares, entraria na sala dando um oi geral e me sentando no meio de colegas. Teria uma aula normal. Então no intervalo, iríamos ao Mc Donalds, eu provavelmente pediria um croissant de chocolate e um chocolate quente, meu celular já conectado ao wifi dali apitaria. Um aviso se novo vídeo de algum canal do YouTube que sou inscrita. Eu entraria no app de mensagens mais uma vez.

Vazio.

Nada de você.

Talvez eu fizesse uma careta, e suspirasse, bloqueando a tela enquanto alguém fala comigo e fazemos piada de alguma coisa estúpida. E eu riria.

Voltaria para a universidade, tendo mais alguma aula. E então, iria para casa, os primeiros minutos no metro seriam regados à conversas e risadas entre alguns colegas, até todos descerem na mesma estação e eu me encontrar sozinha. Eu iria sentar, puxar os fones e de novo, deixar no aleatório, pegaria um livro e tentaria ler. Meu celular apitaria.

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