Se durante a manhã alguns tributos vieram ter comigo para se apresentarem, alguma coisa no meu olhar lhes deve dizer que agora nem vale a pena tentar. Os primeiros com que falei foram os dois tributos do 5, que me deram os parabéns pela roupa do desfile (embora os elogios e sorrisos que me lançaram não me tenham parecido verdadeiros). Não me inspiraram a mínima confiança, então não lhes dei conversa.
O resto dos tributos que falaram comigo só o fizeram depois de me verem a lançar as facas, provavelmente perceberam que seria vantajoso ter-me como aliada. Confesso que fiquei surpreendida quando um ou dois carreiristas me abordaram porque setenta por cento das vezes são eles que ganham, e eu nunca pensei em mim como uma possível parte desse grupo profissional, dessa elite dos Jogos. Mais uma vez, não lhes dei muita atenção, estava demasiado concentrada nas minhas facas.
Agora o ambiente era o oposto, não havia mais conversas amigáveis e as pessoas parecem manter-se afastadas da minha secção. De vez em quando sentia os olhares presos em mim (incluindo o de Gabriel, que apesar de ainda não ter tentado falar comigo outra vez, continua a dar-me arrepios), e percebo o quão intimidante pareço: a raiva e nervosismo só aguçam mais os meus sentidos e as lâminas ficam quase todas cravadas nos bonecos.
Quando anunciam o final do dia de treino saio do pavilhão apressadamente e sou a primeira a chegar aos elevadores. Enquanto subo sozinha até ao piso do 10 os meus pensamentos são substituídos por outra coisa, ou melhor, por outra pessoa. Penso no silêncio dele, nos olhares curiosos e impressionados que me dirige, na postura defensiva e rígida que assume sempre. Mas ao mesmo tempo parece tão inofensivo, tão interessante, tão magnético...
Quando o elevador chega ao meu andar, caminho ansiosidade até ao meu quarto, mas sou interrompida por Letty, sentada numa das poltronas da sala:
- Então? Como correu o primeiro dia?
- Muito bem. - respondo rápido, tentando despachar a conversa.
Quando percebo que está prestes a fazer mais perguntas, acrescento:
- Depois conto a todos ao jantar.
Letty não insiste, acena-me com a cabeça, e eu avanço pelo corredor.
Abro a porta e a primeira coisa que faço, por instinto, é procurá-lo, e encontro-o junto à parede do lado esquerdo.
- Olá! - exclamo, sorridente e subitamente alegre, na esperança de uma resposta, mas tudo o consegui foi um aceno de cabeça e um indício de sorriso, que ele tentou esconder ao olhar para baixo.
Tento ignorar a falta de uma resposta e continuar com a boa disposição. Tiro o casaco do equipamento de treino e sento-me na cama enquanto me descalço. Só quando a minha barriga ronca é que me lembro que já não como nada há imenso tempo, especialmente considerando o meu almoço interrompido. Ainda penso em levantar-me e ir buscar qualquer coisa para comer, mas só a ideia de me cruzar com Gabriel depois do episódio de hoje deixa-me os nervos à flor da pele, e depois lembro-me que posso pedir ao meu Avox. Não é propriamente uma ideia que me agrade, detesto ter que lhe pedir uma coisa tão simples, e mesmo que toda a gente o diga, não consigo olhar para estas pessoas como minhas criadas, mas a alternativa assusta-me mais.- Hum, será que me podias trazer o lanche, por favor? - peço, da maneira mais simpática que consigo.
Ele fica mais atento e dá um passo em frente, incerto do que deve fazer.
- Qualquer coisa serve. - acrescento eu, e com um aceno ele dirige-se à porta. - Obrigada.
E mesmo antes de fechar a porta olha para mim de relance, e podia jurar que aquele segundo durou uma eternidade. Mal fico sozinha, deixo-me cair para trás na cama, sem perceber o que se acabou de passar, sem perceber o que aqueles olhos verdes querem dizer, sem perceber o silêncio. Já começo a dar em doida com esta falta de palavras, eu quero tanto conversar com ele, saber o seu nome, saber tanta coisa...
Daí a nada, depois de um bater suave na porta (que eu sei que não é o de Letty) e com a minha autorização, o rapaz entra no quarto com um tabuleiro cheio de comida, que pousa ao meu lado na cama, e depois volta para o seu "posto" junto à parede.
- Está ótimo. Obrigada. - agradeço, não deixando de notar no indício de sorriso e, como é óbvio, o silêncio.
Com a fome com que estou, acabo por comer mais de metade do que ele me trouxe a uma rapidez impressionante, e já cheia, levanto-me e preparo as coisas para tomar um banho. Enquanto pego numa camisola e nuns calções confortáveis sinto os olhos verdes a seguir o meu caminho, até que entro na casa de banho.
Respiro fundo. As próximas horas vão ser interessantes.
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Hunger Games: a história por contar
Teen FictionAs probabilidades parecem não estar a favor de Luna Allen quando é selecionada para participar na 71° edição dos Jogos da Fome. Com apenas 17 anos e tantas coisas por experienciar, Luna não está disposta a morrer sem viver primeiro, e o que procura...