As pessoas invisíveis

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Saímos do elevador e entramos pela primeira vez no andar reservado ao meu distrito.
Depois de ver o comboio achei que não houvesse nada mais luxuoso, mas estava enganada, tudo o que vejo aqui grita dinheiro. A zona comum é gigante e até o meu quarto é maior que o dormitório das raparigas no orfanato. Há tanta coisa para ver, tantos aparelhos que não sei para que servem... E ao mesmo tempo parece tudo tão impessoal, tão frio, faz-me sentir falta do meu edredão velho e desbotado, do cheiro a mofo, do ranger das portas.
Letty bate à porta do meu quarto e entra apressada sem esperar por uma resposta.
- O desfile foi um sucesso, todos repararam em vocês. Amanhã começam os treinos, quero que acordem cedo. - eu aceno com a cabeça. - Bem, o que achas do quarto?
- Nunca tive nada assim. É bonito. - respondo eu.
- Ainda bem que gostas. - diz ela com um sorrisinho e dirige-se à porta, mas quando está prestes a sair lembra-se de qualquer coisa. - Ah, posso chamar o teu Avox?
- O meu Avox? - pergunto eu confusa. Não faço ideia do que seja um Avox.
- Sim, é atribuído um a cada tributo.
Está ao teu dispor para o que precisares e vai ficar aqui durante a noite para nos certificar que estás bem.
- Para me controlar, queres tu dizer. - digo eu com ironia, e o sorriso de Letty desaparece. Nem acredito que vou ter alguém a ver-me dormir.
- Preferes isso ou câmaras 24 horas por dia aqui no quarto?
Nenhuma das alternativas é agradável, mas ao menos assim sei quem me está a ver e quando. Bastam-me as câmaras que tenho de enfrentar fora daqui.
- Bem me parecia. - constata Letty depois do meu silêncio, e sai do quarto.
Vou à casa de banho para me preparar para ir jantar. Lavo a cara e desmancho o penteado, pousando com cuidado as flores em cima do lavatório. Sento-me na cama e descalço as botas, e só agora me apercebo que nunca vou conseguir libertar-me das cordas sozinha já que elas foram postas em mim, com muitos nós e entrançados complicados.
Mas tento à mesma, puxo por onde consigo, mas em vez de fazer progressos parece que está cada vez pior. Vasculho todas as gavetas do quarto e casa de banho em busca de uma tesoura ou alguma coisa do género, mas obviamente não me iam deixar objetos desse tipo no caso de pensar em suicidar-me.
Quase grito de frustração quando volto para a frente do espelho e tento desvendar como desatar os nós. Até ia pedir ajuda, mas sei que Kiale está numa espécie de reunião com os outros estilistas para discutir o desfile e não sei a quem mais recorrer.
E é nessa altura que se ouve uma batidinha tímida na porta.
- Entre. - digo eu.
Um rapaz com não mais que 20 anos entra e fica de pé ao lado da porta com a cabeça baixa e postura submissa.
Apesar disso, quando levanta os olhos para mim decido que é a coisa mais bonita que já vi.
É um pouco mais alto que eu, corpo forte, cabelo cortado rente, pele escura e olhos verdes, uma mistura incomum.
Ele rapidamente desvia o olhar para o chão, como se tivesse feito alguma coisa que não devia. Só então reparo nas roupas que ele traz vestidas, é o mesmo uniforme das pessoas que me serviram ao almoço, das mesmas pessoas que arrumaram a bagunça da equipa de preparação, das mesmas pessoas, sempre silenciosas e encolhidas, que fazem as coisas por nós como fantasmas, sem um agradecimento, sem um olhar de reconhecimento.
Ele está vestido como as pessoas invisíveis.
Mas eu estou a vê-lo.

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Desculpem pela demora, prometo que o próximo vai ser mais rápido 😉
Espero que tenham gostado, votem e dêem a vossa opinião, era muito importante para mim.
Beijinhos e até ao próximo capítulo 😘

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