O mundo, aos olhos de uma criança, sempre superiorizará os ideais de paraíso de qualquer adulto. É indiscutível. O Sol brilha mais, as nuvens ganham formas animalescas e o canto dos pássaros se torna poesia. Não há medo do amanhã ou arrependimento do ontem, e o hoje é tudo o que importa. Quando se é criança, as promessas sempre serão cumpridas e os sonhos sempre se realizarão. Não há mentiras, orgulho ou mágoa. O perdão é o ponto chave do coração puro e o amor transcende a dor da alma.
Ao menos, foi isso o que me disseram.
Eu fui uma criança diferente das outras. Não via tanta beleza no mundo e imaginava que a vida passaria rápido demais, por isso, não teria tempo para apreciá-la. Passei os meus primeiros anos convivendo apenas com adultos e absorvendo toda a ansiedade que pude. Dívidas, economia, trabalho, tecnologia, política, violência, desemprego. Estava cercado por um mundo que me exigia pressa, e eu precisava me posicionar. Tinha pressa para entrar na escola. Pressa para ter habilitação. Pressa para aprender uma segunda língua. Pressa para me formar na faculdade. Pressa para me casar. Pressa para ter filhos. Pressa para poder começar a não me importar com as pessoas à minha volta e pressa para ensinar aos meus filhos que eles deveriam ter pressa. Viver era assustador e eu não via sentido em nada.
Até o nascimento de Clarisse.
Ela era diferente de tudo o que eu já havia visto e, especialmente, diferente de mim. As nossas personalidades eram visivelmente distintas e o nosso humor discrepante. Enquanto eu era o furacão que devastava cidades, ela era o arco-íris anunciando a promessa de uma vida nova. Mas eu tinha que ensiná-la, de alguma forma, a ter pressa. Eu tinha que acinzentá-la com a ideia da vida adulta, mas falhei quando permiti ser preenchido por suas intensas cores.
Só quando ganhei o meu primeiro livro, é que Clarisse e eu nos aproximamos de verdade. Lia e relia O Pequeno Príncipe tantas vezes, que tornou-se o nosso livro favorito. Quando ela teve uma experiência de quase-morte, após uma reação alérgica, percebi que já não podia viver sem a minha irmã. Foi então que sentei-me ao seu lado no leito hospitalar e, mais uma vez, li a história. Com os ouvidos atentos e o olhar curioso, Clarisse observava cada palavra que saía de minha boca, como se elas enchessem o seu coração de amor. Ao final, Clarisse fez uma reflexão tão incrível sobre a vida, que todos ficaram boquiabertos.
Ela tinha apenas quatro anos.
No meu primeiro ano na escola, fui até a biblioteca procurar algum livro para ler junto da minha irmã. Estava empolgado, pois a responsabilidade e o comprometimento de cuidar de algo que não era meu, faziam com que eu sentisse que estava amadurecendo da maneira correta. Após vasculhar dezenas de estantes, encontrei um livro diferente. Um livro que prometia-me revelar o significado dos sobrenomes. Um livro que eu pensei ser o mais legal do mundo. Virando e revirando algumas folhas, encontrei o meu facilmente. Braz. Descobrir a origem desse sobrenome foi um tanto curioso, principalmente por não ser exatamente um nome, mas sim uma sigla. "Braz" é de origem judaica e significa "Bem Rav Alexander Zinskind" que, traduzindo, equivale a "Filhos do rabino Alexander Zinskind". Após essa descoberta, passei meses imaginando ser filho de outro homem.
Hoje, aos dezesseis, realmente gostaria que isso fosse real. Não posso afirmar que a minha relação com o meu pai é do tipo conflituosa, pois sequer temos uma relação. Desde muito tempo, somos eu, a minha mãe e Clarisse.
Tudo o que eu preciso. Tudo o que eu amo.
VOCÊ ESTÁ LENDO
As Doze Promessas de Clarisse (Degustação)
RomansLeonardo teve que lidar com a responsabilidade muito precocemente. Após o pai abandonar a família e sumir no mundo com todo o dinheiro que possuíam, a mágoa e a maturidade transformaram o jovem em uma figura circunspecta. Ao lado da mãe e da irmã Cl...