Capítulo 10

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- Bom, quase todos já se apresentaram, – o professor Bruno faz uma pausa dramática. – Falta você, Daniel.

Todas as cabeças se viraram em minha direção, de forma surpreendentemente rápida. Sinto vontade de cavar um buraco e enfiar minha cabeça dentro dele, me esconder lá no fundo até que o mundo se acabe. Sinto uma breve sensação de náusea diante da situação vergonhosa em que me encontro.

Me levanto sem jeito, quase derrubando a cadeira na qual estava sentado. Caminho a passos lentos até a frente da sala e encaro brevemente as pessoas que me encaram, parecendo leões fitando a presa.

Posso perceber que Gustavo e Luana estão entretidos em seus mundos particulares, isso me alivia um pouco. Talvez seja melhor eu vestir uma máscara de ironia, parecer um completo babaca e acabar logo com isso. Pelo menos eu não me parecerei o cara covarde e sem graça que realmente sou.

- Bom, antes de tudo, eu não sou loiro de farmácia. Meus olhos são azuis de verdade, nada de lentes. E acreditem se quiserem, meu corpo é assim porque eu jogava no time de futebol da escola.

Meu esquema parece ter surtido o efeito desejado, as pessoas continuam quietas e me encarando com olhares confusos, sem entender bem qual é a minha intenção.

- Ok, Daniel. – Bruno me olha com um sorriso zombeteiro estampando seu rosto. – Isso todos nós já vimos – comentou, tirando algumas risadas da turma e me deixando ainda pior. – Agora que tal falar um pouco de como você veio parar aqui?

Tenho a impressão de que irei desmaiar ali mesmo, na frente de todos. Parece que meu chão se desintegrou durante alguns instantes e eu estava flutuando, prestes a cair em um abismo sem fim. Eu não quero – e não posso – falar sobre quem eu sou de verdade para esses trouxas que nem conheço. Se os conhecidos já me magoam, imagina com quem não tenho intimidade? Tento, em vão, buscar saídas lógicas em meio ao turbilhão de pensamentos que invadem o meu cérebro, remexendo as mãos sem motivo algum.

Eu só preciso da máscara certa para dar a eles o que querem.

- Tudo bem, – sinto minha voz falhar antes mesmo de completar a frase. – Desde pequeno, meus pais me incentivaram a jogar no time de futebol da escola. Eu gostava, mas também sempre gostei de escrever artigos para os grêmios estudantis e textos pessoais. – Ok, até aqui, tudo verdade. – Sempre fui incentivado a ler e a ser o exemplo da família. Tive várias namoradas durante minha vida estudantil...

Posso começar a mentir agora?

- E no momento, meu coração está de portas abertas para novas garotas. – Acho que exagerei um pouco, uma bela primeira impressão a ser passada. – E, ao contrário do que os meus pais esperavam, não fui parar na turma de Educação Física, mas sim na de Jornalismo.

A turma não parece muito interessada no que estou dizendo, muito menos o professor, então me sento novamente.

As conversas paralelas começam a surgir em questão de segundos, impregnando a sala de ruídos indistinguíveis. Pelo que pude perceber, a maioria dos meus colegas já havia encontrado pelo menos dois novos amigos, mas eu ainda estou sozinho. Olha, confesso que estou bem chateado por não ter conseguido a atenção da Luana e do Gustavo, mas não quero deixar isso me abalar logo no primeiro dia de aula, então finjo estar calmo e continuo sentado no meu canto, olhando para o nada enquanto o professor guarda suas coisas e sai da sala.

O barulho só é quebrado quando um estalo agudo ressoa pela sala, produzido pelos dedos de uma garota magra, alta e com os cabelos vermelhos. Ela veste apenas uma minissaia jeans com uma regata da Jack Daniels. Parece estar inquieta, ansiando por atenção.

- Bichos queridos, será que eu posso falar? – É tanto vermelho em uma pessoa só, que eu começo a sentir algo estranho em meu estômago.

Nossa, primeiro dia de aula... Tinha esquecido do trote.

Além do cabelo de fogo, a garota ainda estampa lábios com batom na cor de sangue e unhas longas na mesma tonalidade. Sem dúvidas, é o tipo de pessoa que gosta de chamar a atenção.

Aos poucos meus colegas vão se calando, pois além de muito bonita, a garota impõe certo respeito.

- Que bom, – ela estampa um sorriso estonteante em seu rosto quando todos silenciam. – Meu nome é Ingrid e sou do terceiro ano de jornalismo. Bom, agora queria chamar todos vocês para saírem da sala. Acho que sabem muito bem o que está esperando por vocês lá fora.

Recolho minhas coisas e as enfio na bolsa apressadamente. Tento conter o nervosismo, mas ele é evidente. Sinto meu rosto queimar enquanto sigo em direção à porta. Ingrid continua lá, medindo cada um dos meus colegas de classe dos pés à cabeça. Imponente feito uma gigante, algo bem acima de nós.

Estou chegando perto da porta e noto que ela mante seu olhar em mim por mais tempo, com certo interesse. Isso me deixa ainda mais envergonhado, por isso abaixo a cabeça para esconder meu rosto o máximo que posso.

Como se isso fosse adiantar alguma coisa.

Ingrid assovia para mim e, sem seguida, solta uma risadinha estridente e cheia de segundas intenções. Tento caminhar mais rápido, fugir de seu alcance, mas isso não me ajuda muito. A garota espera até que eu esteja de costas para ela, para só então lascar um belo de um tapa na minha bunda.

Me espanto, o constrangimento parece prestes a explodir dentro de mim. Eu paro e começo a tremer, não de vergonha, mas de raiva.

Como essa garota teve a coragem de invadir minha intimidade assim? Engulo todas as palavras que quero gritar para ela, quando ela desfere outro tapinha, desta vez, um pouco mais carinhoso.

- Vamos, bichinho. – Ela diz, como se tudo aquilo fosse completamente normal. – Continua andando. E só um comentário: que bunda gostosa, hein?

Por um triz não abro a boca e mando essa idiota se ferrar. Mas prefiro não perder meu tempo com isso, para não chamar a atenção dessa louca sobre mim o restante do ano. Então, continuo a andar em direção aos outros, usando o silêncio como única forma de indignação. Mesmo que seja difícil.

Imperfeito (Romance Gay) - DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora