LEONARDO
Não era possível. Sangue? Eu encarava minha mão, paralisado. De fato, eu não estava mais sonhando, estava acordado e não tinha mais como negar que aquilo não era apenas um sonho. Enrico tinha me furado com a ponta do seu rabo de escorpião, conseguindo machucar meu corpo físico aqui fora do sonho.
Cobri a testa com a mão e levantei me dirigindo ao banheiro, só então percebi que Beto ainda estava parado na porta do banheiro me encarando e esperando uma resposta para sua pergunta. Olhar para Beto novamente me lembrou de uma coisa: eu não sou gay, ok? Sei o que você pensou, mas aquilo era só um sonho! A realidade é bem diferente.
- Foi só um pernilongo, devo ter matado enquanto dormia. - Expliquei o sangue.
- É, essa noite teve pernilongo à beça, fez muito calor... - disse Beto com seu sotaque. - Léo, eu vou indo, tenho que dá uma passada na biblioteca e terminá um trabaio da faculdade.
- Ele saiu do quarto e pude ouvir a madeira dos degraus da escada ranger conforme ele descia.Era muito fácil fazer com que Beto acreditasse em algumas coisas, ele era muito ingênuo, mas isso não fazia mais fácil o ato de mentir para ele, eu me sentia mal. Obviamente ninguém acreditaria no que havia acabado de acontecer, nem mesmo Beto, então eu tive que mentir.
Ao pôr o primeiro pé no piso do banheiro, dei meia volta e fui ao quarto, pois lembrei o que Enrico tinha dito. Peguei uma folha qualquer, uma caneta e corri de volta para o banheiro. Ainda com a testa e a mão um pouco sujas de vermelho, me sentei na privada com a tampa fechada e comecei a escrever tudo que eu lembrava dos sonhos, desde a parte que eu não sabia que era um sonho, até o último momento, quando estava naquele lugar de cor densa com Enrico. Obviamente eu não lembrava de cada momento ou cada detalhe, mas conforme escrevia me lembrava de mais coisas, e fazendo minhas anotações percebi que havia uma ligação entre algumas delas: a fumaça que me guiou, as flores e os olhos de Enrico tinham a mesma cor de violeta. Parei por uns segundos, encarando meu reflexo no espelho do banheiro que agora não estava embaçado, pensando sobre a ligação disso tudo. Logo voltei a escrever, não podia me distrair ou esqueceria algumas partes, e tudo era importante.
Assim que terminei de escrever tudo que eu lembrava sobre os acontecimentos, comecei a escrever toda nossa conversa. Tudo isso levou alguns minutos.
Voltei a me olhar através do espelho, meu rosto sempre me fazia lembrar que eu não era mais um garoto, e sim um homem - não pela idade, eu só tinha 20 anos, são as coisas que você vive que fazem de você um adulto -, minha pele negra que me lembrava todos os momentos difíceis que já passei por discriminação e preconceito. Não que isso tivesse algo a ver com o momento de agora, era só uma observação, algo que eu lembrava sempre que olhava para o espelho. Com o tempo eu passei a amar a cor da minha pele e cada detalhe em mim, sendo na aparência ou na personalidade, porém nem sempre foi assim... trabalhei duro para ter a autoestima que tenho hoje, para me sentir bem comigo mesmo, me importando apenas com o que eu acho e tendo a convicção de quem eu sou. Levaram alguns anos de terapia para entender que a essência não é esquecer as coisas ruins que o passado te deu, mas sim saber fazer bom proveito delas.
Quando terminei, olhei a hora, eram quase 10h da manhã. De fato, eu estava atrasado como Beto tinha dito, não para o trabalho, mas para a minha rotina diária que eu mantinha durante a semana. Eu acordava às 7h00, me arrumava com roupa comum para descer e tomava café, fazia alguns exercícios de alongamento que terminavam bem a tempo de ver as notícias e logo depois um programa sobre animais selvagens, que eu adorava assistir, só então, às 10h eu começava a me arrumar e 20 minutos depois eu ia para o trabalho caminhando. Demorava cerca de 24 a 29 minutos, dependendo do meu humor no dia. Eu entrava às 11h, sendo assim eu sempre chegava cedo, pode fazer as contas.
Tive que pular a parte da tv, até porque já tinha passado a hora, e me arrumei logo com a roupa do trabalho para adiantar, tentei fazer o resto na sequência: tomar o café e fazer o alongamento. Graças ao bom Deus, Clarice não tinha pegado minhas bolachas, e quando desci nem ela nem Jonathan estavam lá para me atrasar.
Consegui fazer as tarefas que achei que conseguiria, só não consegui faze-las a tempo suficiente de não chegar atrasado.
Quando cheguei, "11h02" foi a hora que eu vi no grande relógio de gatinho que ficava logo acima ao caixa da loja onde eu trabalhava.
- Bom dia, dona Helena. - cumprimentei minha patroa, a dona da loja.
- Bom dia, Léo - ela respondeu, expressava preocupação em sua voz. - Aconteceu algo?
Olhei sem entender enquanto vestia a blusa da loja por cima da regata que eu usava.
- Você sempre chega cedo. - ela explicou. - Fiquei preocupada.
Ela realmente se preocupava. Dona Helena tinha idade para ser minha avó, era uma senhora muito saudável, mas era como uma mãe para mim. Ela sempre me convidava para os almoços, jantares, aniversários em sua casa e nunca me apresentava às pessoas como seu funcionário. "Este é Leonardo, um dos meus melhores amigos." Ela dizia.
E por mais que eu tivesse a chave da loja, todos os dias ela fazia questão de vir abrir alguns minutos antes que eu chegasse, para me dar bom dia.
Assim que terminei de vestir a blusa peguei o espanador e comecei a limpar as coisas.
- Eu não dormi muito bem... acabei perdendo a hora. - Isto não era uma mentira, mas no fundo eu queria mesmo era contar a ela tudo o que havia acontecido, ela sempre entendia tudo, quando não, tentava entender.
- Tudo bem, Leo. - Ela me deu um abraço, um beijo no rosto e outro na testa. - Bom trabalho!
Ela saiu. Eu continuei espanando. Era uma lojinha pequena no Gonzaga, centro comercial da orla da praia de Santos. A loja vendia lembranças - bem modernas na minha opinião, desde canecas e almofadas de animais e estampas de super-heróis até imãs de geladeira, chaveiros, pequenos quadros etc.
Meus pensamentos não saiam do mesmo lugar: os sonhos, Enrico, a cor violeta.
Depois que terminei de limpar a loja, peguei o meu caderno e comecei a ler tudo que escrevi sobre os sonhos.
A parte que me chamou mais atenção foi a que Enrico falava sobre os sonhos lúcidos e a habilidade. Intrigado, abri o notebook da loja e entrei no Google. Para minha surpresa consegui encontrar parte das informações que Enrico tinha dito: metade da população já teve um sonho lúcido, 20% tem um sonho lúcido por mês... Não sei porque isso me surpreendeu, afinal, depois de ter acordado com sangue na testa, nada mais devia me chocar, porém o que realmente me fez colar a cara na tela foi um link sugerido no canto direito da página, ele dizia:
"É possível controlar os sonhos. Saiba como!"
Não pensei duas vezes. Se tinha como controlar, eu queria saber como.
NOTA DO AUTOR:
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INCUBO - O Mundo Violeta (REESCRITA)
FantasyHistória em processo de reescrita. Acompanhe os rascunhos. 🏅 • Longlist em Wattys2018 •