Catorze Anos e Quase Um Dia

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Leo ainda não sabia, mas aquela era a última vez que abria os olhos pela manhã. Sem saber como o dia terminaria, ignorou o conselho do Minutos de Sabedoria que, por insistência da mãe, lia todas as manhãs, e se apressou para o banheiro.

Mesmo com o ruído da água fria que o despertava, escutou os gritos do pai reclamando o café que ainda não fora posto. O homem, vinte anos mais velho que a esposa, era ignorante e bruto com os de casa, mas se empenhava em ser gentil com os amigos. Sua admiração toda era para outros homens; para a mulher e o filho afeminado, restavam truculência e desprezo.

Inês suportava os abusos do marido pelo filho e nada mais. Interpretava bem o papel de mulher obediente, mas seu interior fervia de aversão ao velho e, na mesma medida, transbordava de afeto pelo único filho, uma figura solitária que parecia não haver encontrado seu lugar no mundo. Catorze anos eram tempo demais para o casamento que apenas sobrevivia, e mais ainda para o menino cuja vida não tinha muita cor.

Leo, apesar de tudo, tentava. Queria convencer seu pai de que era um bom filho. Sem amigos, passava o tempo livre estudando para ter boas notas e, quando estava sozinho, desenhava vestidos e sapatos para coleções e desfiles imaginários. Escondia as folhas e só as mostrava para a mãe, que, orgulhosa, prometia um dia ensiná-lo a costurar.

— Mas o primeiro vestido tem que ser pra mim — exigia Inês.

Leo terminou de se aprontar e foi à cozinha tomar café. O pai estava vendo o jornal da manhã e mal notou a entrada do filho.

— Bom dia, pai.

— Hmm.

Afeito à quase nula comunicação entre os dois, Leo não se importou com o descaso e pôs-se a comer. Despediu-se do pai com um aceno e da mãe com um beijo, e correu até o ponto de ônibus em direção à escola.

Assim que o marido saiu para o trabalho, Inês correu até o quarto e abriu um baú que escondia entre as calcinhas. A peça encerrava o dinheiro para comprar o presente de aniversário do filho, dali a um dia. Vibrou de alegria ao imaginar a surpresa do menino ao chegar da escola e encontrar a máquina de costura com que tanto sonhava.

No fim da tarde, Leo entrou no ônibus para voltar para casa. No caminho, olhava pelo vidro as pessoas passarem na rua e, como sempre, tentava imaginar como eram suas vidas. Será que seus pais se orgulhavam delas? Será que precisavam ocultar uma parte de suas existências para não desagradarem aqueles que podiam lhes fazer mal?

A noite já começava a vestir o céu de cobalto quando Leo chegou. Foi em um segundo, e antes que pudesse ver, que um motorista delirante invadiu a calçada com o carro. Leo o viu se aproximar, mas não reagiu. Enquanto o corpo era prensado contra o muro, a escuridão, velha amiga, envolveu-o em um abraço e o levou para sempre.

Os dias que se seguiram foram os piores da vida de Inês. Seu seguir em frente lhe fora roubado. Curiosamente, o marido havia se tornado um apoio, mas ela não se enganava: as lágrimas do velho não eram de tristeza, senão de remorso. O acidente o fez encontrar dentro de si amor pelo filho, mas agora não havia o que fazer com esse amor.

Sem o menino ao lado, Inês acabou também enterrando o marido. Encontrou-o caído no banheiro já sem vida e jamais quis descobrir o que o levou.

Os vizinhos ainda contam da mulher que caminha todos os dias até a Curva da Morte, como passou a ser chamado o local onde Leo viu pela última vez o mundo que nunca o compreendeu, e coloca duas velas no chão.

— Esta é por luto, e esta é por gratidão.

Naquele dia, Inês encontrou os desenhos de Leo e sorriu ao desembrulhar a máquina de costura que acabara de comprar.

Morte também pode ser vida.

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