Azul, de longe dava para ver a camiseta gritante da minha mãe, era a preferida dela, estava no portão varrendo a calçada, eu cheguei e fui logo lhe dando um abraço e um beijo. Sentia o cheiro do bolo de cenoura lá da rua, corri para comê-lo, estava faminto, maldita fase essa tal de adolescência, como a gente fica depressivo.
Fui da cozinha para o banheiro, do banheiro para a cama, mal dialoguei com minha mãe, queria dormir e quem sabe acordar com trinta anos, rico, em New York, jornalista badalado da Time Magazine, eu estava todo inspirado em De repente trinta, a "loka"!
Liguei o rádio, começou tocar Alanis, Head Over Feet, não ouvi a música inteira, peguei no sono. Despertei no meio da noite com minha mãe no meu quarto, ela fechou a janela, desligou o rádio e me deu um beijo de boa noite.
Acordei no dia seguinte alarmado, ainda tinha dezesseis, já eram mais de dez horas da manhã, tinha perdido a aula, ainda bem que minha mãe não me acordou, eu precisava daquele sono dos justos.
No banheiro foi mais meia hora me encarando no espelho.
- E agora Diego, você precisa se assumir cara. – Pensei comigo.
Como minha mente me consumia, lembro-me de me sentir um falso com todas as pessoas ao meu redor por não me assumir, mas com toda aquela avalanche de sentimento que fui exposta naquele semestre, uma coisa de fato eu adquiri e muito bem, malícia. Uma astúcia primordial para vivermos nos dias atuais.
Decidi que ninguém que não merecesse iria saber sobre minha orientação sexual, entretanto de fato fui me preparando para contar a minha mãe, ela mais do que ninguém precisava saber. Estudei e planejei como seria, pensei nas reações que ela poderia ter e, só contaria para ela no ano seguinte, estava próximo do ano e iriam acontecer todas as festividades com a família.
Nenhuma pessoa desconfiava, passamos a festa de fim de ano tranquila, meus avôs e tios estavam em casa, todo aquele tradicionalismo que acontece nessa época do ano. Comportei-me como o bom moço da família.
"Gente ele quer ser jornalista". – Minha mãe comentava toda orgulhosa;
"Que legal "Di", você é todo desenvolto, vai parar na Globo com certeza". – Completava a prima pegajosa.
Mas a pior pergunta era: "E as namoradinhas?"; meu pai batia nas minhas costas e fazia questão de responder: "esse é um garanhão"; e eu com um sorriso sem graça apenas balançava a cabeça como se estivesse concordando.
O ano de dois mil e dois chegou, foi o meu último de colégio, esse ano girou em torno de duas metas que foram cumpridas, a primeira era passar numa faculdade em São Paulo e a segunda seria me assumir para a minha mãe.
Para não dizer que no meu ano ocorreram apenas estes dois fatos, o carnaval foi maravilhoso, fui com a Tamela e outros amigos de colégio para Minas, mais precisamente Ouro Preto, significou uma experiência única, já fui para lá em outros carnavais, mas a primeira vez a gente nunca esquece.
A cidade histórica é linda, muita diversão e gente do mundo inteiro, curtimos muito ao som de Ivete, "Que vai rolar a festa, vai rolar, o povo no gueto mandou avisar", "peguei" meu primeiro gringo, Reinhold, um alemão lindo de olhos azuis, com ele tive minha segunda transa, na verdade terceira, mas a Carla eu nem conto. Foram quatro dias de muita farra e aprendizado, foi a partir de então que tive interesse em aprender outras línguas e estudei bastante inglês nesse ano.
O céu é o limite, "pegar" um estrangeiro despertou meu interesse em viajar pelo mundo, mas faltava grana, minha primeira viagem internacional foi acontecer apenas no ano de dois mil e sete.
Vamos ao que interessa, esperei passar as festividades de páscoa, outra festa religiosa do qual toda a família estava reunida, não contei logo no dia seguinte, pois era dia um de abril, dia da mentira, soaria um tanto quanto falso.
Foi em seis de abril daquele ano, num fim de tarde ensolarado, meu pai não estava em casa, nem na cidade, havia viajado a trabalho, minha mãe encontrava-se na varanda ouvindo o canto dos pássaros e então eu cheguei, eu estava com os olhos cheios de lágrimas, sentei numa cadeira de varanda em frente a ela e segurei suas mãos.
- O que foi meu filho? – ela questionou;
- Dona Valéria, a senhora é a pessoa mais importante da minha vida, você mamãe, é o meu grande amor. Por isso, depois de tanto tempo esperando o momento certo, estou aqui, com coragem de te encarar e contar o segredo que guardo.
- Sou homossexual mamãe!
Eu despenquei, chorei como um bebê, por alguns segundos minha mãe me olho, ela estava com um sorriso tímido no rosto. Então, ela se levantou me puxou e me deu um abraço.
- Meu filho, não chore. Independente de suas escolhas pessoais, eu sempre serei a sua mãe e sempre te amarei. Eu te aceitarei como você é, graças a Deus você é um bom menino, poderia usar drogas ou se envolver com pessoas erradas, você é um rapaz estudioso e eu não sei muito sobre isso, mas é sua opção sexual e terei que respeitá-lo.
- Mas, Diego, como você descobriu? A mamãe precisa saber mais detalhes, quero entender um pouco mais, por favor.
- Claro, desde que eu tenho consciência sobre sexualidade eu tive interesse por outros meninos, no começo achei um pouco estranho, também achava meninas bonitas e com a Carla, depois de ter relação sexual, eu vi que realmente não tinha desejo por mulheres, não sentia prazer. No começo eu me fechei, pensava ser errado, até forçava interesse por pessoas do sexo oposto, entretanto eu comecei a me aceitar e resolvi ter relação com outro homem, foi então que eu me descobri. - Completei.
- Ok Diego, não precisa entrar em detalhes meu filho. Só fico preocupada, com medo de ter errado em algo, ou que tenha sido algum trauma da infância.
- Não, claro que não mamãe, a senhora e o papai sempre foram ótimos na minha criação, sou eu, sou assim, provavelmente eu nasci assim, apenas com o tempo fui me descobrindo.
- Que bom filho, entretanto quero deixar algumas coisas bem claras, existem regras e tem atitudes que vou cobrar de você:
- Não quero que você fique se exibindo por ai, por enquanto seu pai não precisa saber, ele é muito conservador e não aceitará, você está crescendo, sairá de casa para fazer faculdade e depois construirá a sua vida, quando você for dono do seu próprio nariz meu filho e arcar com suas próprias despesas você contará para ele, até lá eu vou preparando o homem.
- E, preserve-se, seja responsável, se proteja, escolha a dedo as pessoas no qual você se relaciona, não preciso nem tocar no assunto HIV, né? Outra coisa, vivemos numa sociedade tradicionalista e perigosa, as pessoas agridem as outras pelo preconceito e não quero meu filho exposto, a mamãe estará aqui sempre que precisar e tenho consciência do filho adorável e responsável que criei. Vai enxugar essas lágrimas e, acima de tudo, seja feliz!
Eu a enchi de beijos e fui para meu quarto, eu sorria e chorava de emoção ao mesmo tempo, orei, agradeci a Deus pela mãe que ele me deu, uma dona de casa, não muito instruída, mas com uma sabedoria única, ela sempre foi meu suporte.
Lembrei-me que ainda adolescente, tinha lido que o grande Elton John tentou suicídio por ter que manter sua opção sexual em sigilo, essa história me deixou muito amedrontado, sempre fui uma pessoa alegre e positiva, mas com medo da rejeição, principalmente dos meus pais, poderia ser um trauma e jamais queria me tornar uma pessoa depressiva, por isso, a reação da minha mãe tirou um peso das minhas costas, fiquei extremamente aliviado e poderia tocar a minha vida de maneira muito feliz.

VOCÊ ESTÁ LENDO
As Sete Cores do Arco-íris
Любовные романыAs sete cores do arco-íris conta a história de Diego, um rapaz homossexual que vai estudar em São Paulo, sonha em ser ator, mas acaba fazendo jornalismo. Este livro não é um drama sobre aceitação, mesmo porque o personagem é muito bem resolvido, seu...