Justiça.Nao Vingança

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E aqui estou, sentado na torre alta do Assombrado, no espaço vago que Corion fez para si. Um fogo estala na lareira, peles cobrem o assoalho, cálices sobre a mesa, vinho na jarra. E livros, é claro. A cópia de Plutarco que carreguei na estrada agora repousa em prateleiras de carvalho, com outros sessenta tomos esfregando seus ombros de couro. É um começo tímido, mas até mesmo as prateleiras cresceram de uma pequena semente.

  Estou sentado à janela. O vento foi detido atrás de uma dúzia de painéis de vidro, cada um com um palmo de espessura, chumbados juntos em molduras em formato de diamante. Os vidros vieram em carros de boi através das montanhas, desde a Costa Equina, não é incrível? Os thurtos deixam-nos tão lisos que você pode até procurar, mas dificilmente encontrará uma distorção.

  Estudo uma página na minha frente, a pena em minha mão e a tinta na sua ponta cintilando de negras possibilidades. Serei eu visto sem distorção? Olhando através dos anos, o quanto tudo será distorcido? 

  O nubano me disse que seu povo produzia tinta moendo segredos. Aqui estou desembaraçando-os e tem sido um trabalho lento.

  Fora, no pátio, vejo Rike, uma figura corpulenta reduzindo a anões os soldados que ele está treinando. Disseram-me que ele arrumou uma esposa. Não me aprofundei no assunto.

  Abro as páginas à minha frente. Um escriba terá que copiá-las. Escrevo em garranchos, uma fina linha contínua, a linha que eu tenho seguido em todos os lugares, o tempo todo.

  Vejo minha vida se abrir no tampo da mesa. Vejo o curso dos meus dias, como eu girei por aí, sem rumo, como um pião. Corion pode ter guiado meu destino, mas a jornada, a assassina, aleatória e destroçada jornada sempre foi minha.

  Gog está agachado perto do fogo. Ele cresceu, e não apenas em altura. Ele cria formas nas chamas e as faz dançar. Brinca com elas até se entediar. E então volta para seu soldado de madeira, fazendo-o marchar, levando-o para todos os lados, investindo contra as sombras.

  Penso muito na estrada. Não com tanta frequência agora, mas eu ainda penso nela. Penso na vida que começa a cada manhã, nas caminhadas, indo atrás de sangue, dinheiro ou sombras. Foi um outro eu que desejou essas coisas, um outro eu que desejou destruir tudo pelo prazer de destruir, pela emoção do que poderia vir pela frente. E para ver quem haveria de se importar.

  Eu era como o soldadinho de madeira de Gog, correndo em furiosos círculos sem sentido. Não direi que me arrependo das coisas que fiz. Mas estou farto delas. Não repetiria aquelas escolhas. Eu me lembro delas. Há sangue nestas mãos, nestas mãos manchadas de tinta, mas eu não sinto o pecado. Penso se nós não morremos todos os dias. Se não nascemos a cada amanhecer, um pouco mudados, um pouco adiante em nossa própria estrada. Quando muitos dias ficam entre você e a pessoa que reconhecem. Talvez seja isso o que significa amadurecer. Talvez eu tenha amadurecido.

  Eu disse que ao chegar aos quinze anos seria rei. E eu sou. Não precisei matar meu pai para ter uma coroa. Tenho O Assombrado e as terras

  O nubano me disse que seu povo produzia tinta moendo segredos. Aqui estou desembaraçando-os e tem sido um trabalho lento.

  Fora, no pátio, vejo Rike, uma figura corpulenta reduzindo a anões os soldados que ele está treinando. Disseram-me que ele arrumou uma esposa. Não me aprofundei no assunto.

  Abro as páginas à minha frente. Um escriba terá que copiá-las. Escrevo em garranchos, uma fina linha contínua, a linha que eu tenho seguido em todos os lugares, o tempo todo.

  Vejo minha vida se abrir no tampo da mesa. Vejo o curso dos meus dias, como eu girei por aí, sem rumo, como um pião. Corion pode ter guiado meu destino, mas a jornada, a assassina, aleatória e destroçada jornada sempre foi minha.

  Gog está agachado perto do fogo. Ele cresceu, e não apenas em altura. Ele cria formas nas chamas e as faz dançar. Brinca com elas até se entediar. E então volta para seu soldado de madeira, fazendo-o marchar, levando-o para todos os lados, investindo contra as sombras.

  Penso muito na estrada. Não com tanta frequência agora, mas eu ainda penso nela. Penso na vida que começa a cada manhã, nas caminhadas, indo atrás de sangue, dinheiro ou sombras. Foi um outro eu que desejou essas coisas, um outro eu que desejou destruir tudo pelo prazer de destruir, pela emoção do que poderia vir pela frente. E para ver quem haveria de se importar.

  Eu era como o soldadinho de madeira de Gog, correndo em furiosos círculos sem sentido. Não direi que me arrependo das coisas que fiz. Mas estou farto delas. Não repetiria aquelas escolhas. Eu me lembro delas. Há sangue nestas mãos, nestas mãos manchadas de tinta, mas eu não sinto o pecado. Penso se nós não morremos todos os dias. Se não nascemos a cada amanhecer, um pouco mudados, um pouco adiante em nossa própria estrada. Quando muitos dias ficam entre você e a pessoa que você foi, vocês não se reconhecem. Talvez seja isso o que significa amadurecer. Talvez eu tenha amadurecido.

  Eu disse que ao chegar aos quinze anos seria rei. E eu sou. Não precisei matar meu pai para ter uma coroa. Tenho O Assombrado e as terras de Renar. Tenho aldeias e vilas, e as pessoas me chamam de rei. E se as pessoas chamam você de rei é isto o que você é. Não é nada de mais.

  Na estrada, eu fiz coisas que os homens dizem ser o mal. Cometi crimes. Eles falam com frequência a respeito do bispo, mas houve muitos outros, alguns mais perversos, outros mais sangrentos. Já me perguntei se Corion pôs essa doença em mim, se fui a ferramenta e ele o arquiteto dessa violência e crueldade. Já me perguntei se ao cortar sua cabeça, se ao ter me transformado de um menino em um homem, tornei-me uma pessoa melhor. Eu me pergunto se poderei ser o homem que o nubano queria que eu fosse, o homem que o tutor Lundist esperava que eu fosse.

  Tal homem teria demonstrado ao Conde Renar a misericórdia de uma morte rápida. Tal homem     saberia que sua mãe não pediriam por nada além disso. Justiça, não vingança.

  De minha janela, posso ver as montanhas. Além delas, está Alexandria  e o Castelo Alto. Meu pai e seu novo filho. Katherine em seus aposentos, provavelmente me odiando. E mais além, Gelleth, Storn e um mosaico de terras que foram uma vez o Império.

  Não ficarei aqui para sempre. Chegarei à última página e descansarei minha pena. E quando acabar sairei por aí e isto tudo será meu. Eu disse a Bovid Tor que aos quinze eu seria rei. fumegantes. Agora estou dizendo que aos vinte anos serei imperador. Agradeça por eu estar jurando sobre esta página.

  Desço para ver Renar. Eu o mantenho na menor das celas do calabouço. Todos os dias permito que ele implore por sua morte e então eu o deixo com sua dor. Acho que quando acabar de escrever minha história deixarei que ele encontre o fim que procura. Não quero, mas sei que devo. Eu amadureci. O velho Jorg o manteria aqui para sempre. Eu amadureci, mas, seja qual for o monstro que deve haver em mim, sempre fui eu, minha escolha, minha responsabilidade, minha maldade, se você preferir.

   

   

  É o que eu sou. Se você quer desculpas, venha buscá-las.

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⏰ Última atualização: Jan 19, 2018 ⏰

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