As Estrelas que Moram Dentro de Uma Mulher

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  E, de novo, eu estava naquele bar. Não bebo, mas o barulho e o cheiro horrível de bebida velha que aquele lugar tinha me inspirava como nenhum lugar conseguia.
  Como sempre, acompanhado do meu bloco de notas e minha caneta preferida. Estava sentado na mesa do canto, observava a todos, mordendo a tampa da minha caneta.
  Uma moça me chamou a atenção, estava sozinha e cabisbaixa, usava roupas largas e o cabelo estava preso no alto da cabeça. As pessoas solitárias sempre me faziam imaginar histórias incríveis, e era exatamente disso que eu precisava.
  Após alguns minutos, a moça percebeu que eu a encarava. O olhar dela no meu me fazia ir ao espaço e voltar. Ela se levantou, pegou o copo de cima da mesa e veio até mim. Me surpreendi, a maioria das pessoas troca de lugar quando vêem alguém observando elas.
  A moça, que aparentava ser mais alta que eu, sentou-se na cadeira à minha frente. E eu, experiente na arte de ter de explicar o porquê que eu estava observando a pessoa, já me preparo para as perguntas que ela poderia fazer.
-Você é tímido.
-Perdão, o que disse? - Eu estava atônito com tal afirmação.
-Você, você é tímido.
-Talvez, um pouco. Nunca pensei sobre isso.
  Ela me fitava com os olhos, dava pequenos goles na bebida que havi consigo. Ficamos alguns minutos em silêncio, ela bebia devagar e eu observava as outras pessoas. Até que ela resolve quebrar o silêncio.
-O que você tá fazendo aqui?
-Procuro uma inspiração para escrever. Perdão por te encarar antes, eu só- e ela me interrompeu.
-Ah, cale a boca! Você me admirava, não me via como objeto, dá pra saber a diferença. Pare de ser chato.
  Fiquei quieto. Eu estava nervoso, e comecei a desenhar aleatoriamente na folha à minha frente, tentando me acalmar.
-O que você faz por aqui? Raramente vejo mulheres entrarem nesse lugar. Até eu tenho medo dessas pessoas...
-Me senti só. Coloquei uma roupa qualquer, prendi meu cabelo e peguei o dinheiro que tinha na carteira. Tô toda desleixada, tô acabada.
-Você tá linda, se me permite dizer.
-Você é sempre tão chato assim?
-Talvez.
  Ela me enchia de perguntas, eu fazia o mesmo. Parecia que estávamos em um programa de perguntas e respostas. Até que simplesmente, ela me disse:
-Me escreva algo.
-Como assim?
-Uma música, um poema, um texto, tanto faz!
  A caneta girava entre meus dedos enquanto eu a olhava. Meus olhos brilhavam. Me sentia, naquele momento, Antoine de Saint-Exupéry e ela era o meu pequeno príncipe.
-Por que um bar? - É, ela realmente era o meu pequeno príncipe e eu amava suas perguntas.
-Ouço várias histórias aqui.
-Me conte.
  Enquanto escrevia, ia lhe contando as mais diversas histórias. Morte, traição, solidão, festas de aniversário que reuniram amores, tudo. Ela ria nas histórias mais absurdas, pedia outra bebida nas mais nojentas. Ela escutava tudo. E eu escrevia.
-Já acabou?
-Sim, sim. Quer que eu o leia para ti?
-Por favor. Mas antes, qual o nome?
-Qual o teu nome?
-Giovanna
-Pois então, ele se chama Giovanna.
  Ela corou, e me esperou começar a ler. Arranquei a folha do meu bloco de notas, limpei a garganta e comecei a ler.
-Assim como as constelações existentes nas tuas costas, o universo foi feito pra você. Cada estrela, planeta e asteroide tem o caminho escrito pelo teu olhar, que é capaz de observar cada detalhe. Nunca só, cheia de si e de todas as mais belas criaturas inventadas pelo seu jeito sonhador de ser, seu jeito suave de ser. Até mesmo as flores param para te observar quando te vêem passar na rua. Esperando que você pare para apreciá-las...
O sol que aquece sua pele, o vento que balança teus cabelos, a chuva que te molha, todos se sentem inteiros ao lembrarem que fazem parte do teu universo. Universo esse que poucos podem entrar. Você deixa flores e frutas do lado de fora dos portões para não nos sentirmos mal por não adentrar na profundeza do teu ser.
E eu, mesmo tendo a melhor das intençoes, sei que nunca entrarei em ti. Tuas estrelas não me querem, mal sabes da minha existência, e infelizmente, para ti, sou apenas um estranho que acabas de conhecer.
  Dobrei a folha e a entreguei a moça. Ela olhava para a mesa, brincando com seu copo, percebia-se que ela estava corada.
-Nunca me dedicaram coisas assim...
  E eu sorri.

Do meu coração de água para o mundoOnde histórias criam vida. Descubra agora