Lembranças

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Tasty abriu os olhos.

Já era dia, o sol nascia. Refletindo seu calor da manha sobre a mata gélida e úmida. Urubus sobrevoava sobre Tasty e a Cruz de Ossos, que outra hora havia estado em chamas.

Tasty se levantou, o nariz estava com sangue coagulado, os olhos inchados, e o corpo um pouco mais cheio. Pegou as tortas, e voltou pelo trilho que fizera noite passada.

De volta à sua casa putrefata, recolheu a cabeça da mocinha, jogou aos porcos, que devoraram em questão de segundos. Colocou as tortas no forno, para reaquecê-las. Acendeu um cigarro, e se sentou na velha cadeira de balanço. Inalou a fumaça, e soltou, a fumaça subiu aos céus, e desapareceu.

2

"Sua chamada está sendo encaminhada para..."
Aironh desligou o telefone, com uma batida forte. Apoiou-se sobre o balcão, e tomou algo que continha dentro da caneca, com os dizeres de "FATHER ON THE YEAR" (Papai do Ano). Olhou para a caneca e jogou sobre a parede, a caneca se espatifou em pedaços pelo chão.

Pegou a chaves do carro, e saiu. Raspando o pneu sobre a estrada.

3

O vagão do trem estava cheio.
Muitas pessoas. Havia crianças, jovens. Horário em que muita gente iria para o trabalho mais próximo dali. O que significava, que Tasty também estaria ali.

"Tortas, tortillas. Mata sua fome de dentro pra fora..." dizia ele.

"Moço! Duas por favor" disse uma jovem mulher, chamada de Alene.

Ela deu uma mordida, e sorriu.
Logo mais à frente, uma família também comprou.

No fim do dia, deveria vender todas.
O trem parou na próxima estação. As portas se abriram, e Aironh entrou.

Tasty o encarou.
Aironh também olhou o homem velho de nariz carcomido. Se sentou no banco vazio. Tasty não tirou os olhos de Aironh, que por algum motivo sentiu o desejo de falar com aquele homem.

As portas de fecharam. O trem deu partida.

"Torta senhor?" Perguntou Tasty oferencendo a Aironh.
"Não obrigado, estou sem apetite"
"Ora! Admito que elas irão abrir seu apetite em um instante".
"Deixa para uma próxima, senhor, obrigado"
"Bom, tudo bem..."

Tasty deu meia volta, mas, Aironh o chama de volta.

"Sempre trabalha aqui!?"
"Se trabalho aqui? Sim, sim, um velho como eu não tem outro lugar em que trabalhar..."
"Entendo, a quanto tempo ?"
"Há muito tempo, tanto tempo quanto o número de estrelas no céu"

Os dois deram um sorriso forçado.

"Infelizmente fico triste em não vê-lo em um bom emprego" diz Aironh, com um tom melancólico.

"Sabe! Eu não! Isso me deixa vivo, me satisfaz, ocupa meus pensamentos. Minhas loucuras..."
"Certo, gosta de beber não é?"
"Olha garoto, eu gosto de fumar um pouquinho"

Mais uma vez, eles sorriem.

"Eu vou querer uma torta das suas".
"Ótimo! Ótimo, não vai se arrepender."

Aironh pagou, e o velho se levantou, e antes de dar meia volta, olhou Aironh abrindo o plástico e levando a torta a boca.

"Aironh!?"

Uma voz interrompeu.

"Elias ?!"

Tasty respirou fundo, segurando o ódio.
"Cara você sumiu ontem, te procurei por todo o canto, o que faz aqui?!" Perguntou Elias.

"Foi a última coisa que Emile fez antes de..."
"Olha, o que for fazer, estou contigo, cogitando que não mate ninguém" a frase saiu nervosa.

Tasty deu passos à frente, uma ira o tomava conta, parecia explodir. Olhou para a Mulher Alene, cuja a face já mudava, o olhar estava caído, e a cor já ia de um vermelho para um amarelo pálido. Tasty se aproximou do ouvido dela, e disse.

"Apodrecida..."

A mulher não reagiu. O trem parou, as portas se abriram, e Tasty desembarcou. Olhou o tempo todo para Aironh. As portas se fecharam, e Aironh também o olhou. Até que desapareceu de vista.

Aironh não comeu a torta. Ele apenas seguiu sua viagem, e a guardou para uma eventualidade. Era agora uma tarde fria e cinzenta em São Paulo. Havia pessoas de todos os tipos, fazendo o seu trajeto, as coisas que sempre fazem, viu crianças, viu homens engravatados e se lembrou de si mesmo antes dessa melancolia o destruir; ele viu casais cantando de um lado algo como "The Moon Song", e outro casal carregando balões e sorrindo, ele sentiu falta da esposa, ele se sentiu solitário, e por um descuido quase que um carro o atingiu.

Tudo parecia ter perdido a cor, ele já não sentia vontade de viver, sua motivação de perdeu junto com sua filha. Primeiro o irmão, depois sua filha, a esposa o deixou junto com o seu outro filho. Já não tinha ninguém, nem as questões de porquê comigo? O deixava seguir. Foi daí que ele começou a refazer o trajeto que supostamente sua filha fez antes de morrer.

Papai... eu te amo, sempre amei.

Ele não conseguiu ouvir nada, mais ele sentiu a presença da filha ao seu lado. E isso o deixou, não o bastante, aliviado. Vivo. Ele passou o restante do dia, comendo nos lugares em que ele a levava para passear, nas bibliotecas, nas livrarias, no Rei do Mate, porque ela achava péssimo os cafés do Starbuck.

Ficou de frente para o Masp, e por lá adormeceu, até bem de tarde, quando os guardas municipais o despertaram, há dias não dormia bem, foi revogoroso. Voltou pra casa, ao som de "Blindsided, do Bon Iver". Andar no trem nunca foi tão triste para ele.

Foi quando chegou em casa, deixou a torta em cima do balcão, passou pelo corredor, e uma sombra o seguiu subitamente. As luzes cintilaram, repetidas vezes, não era um Demogorgon, isso era fato. Aironh subiu as escadas, e ligou o choveiro, pensou nas palavras do Pastor.

E ali, Aironh chorou.

4

Havia algo na casa.
Uma mão com dedos pontudos deslizou sobre o balcão, e tocou na torta, a coisa sinistra que estava ali, olhou para a escada.

E nesse instante, uma cobra deslizou sobre o balcão.

Sr. TASTYOnde histórias criam vida. Descubra agora