A VISITA

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Desde que deixou Aironh. Pricila tem passado os dias em incontáveis angústias. Observar o filho ir para a escola, depois vê-lo brincar com seus brinquedos. Comer sorvete, cortar o cabelo. Assistir televisão. E às vezes, ou quase sempre pegava o telefone para ligar para Aironh, mas sempre desistia.

- Filha, você tem que falar com ele.
- Não mãe, ele começou a surtar depois do que aconteceu com a gente. Ele deve está bêbado quase todo o tempo agora.
- Ele a amava. Você acha que um pai não surtaria com a perda da filha ? Do irmão ? E agora, de você, do João? Talvez a bebida tem feito ele esquecer das coisas. A lidar com a ausência.
- O que está insinuando mãe ? Que eu o abandonei ?
- E não ?

Pricila refletiu.
E talvez sua mãe Carmem estivesse absolutamente certa.

2

Aironh ficou 20 minutos debaixo do chuveiro quente. Vendo a água escorrer pelos seus pés. A cama estava bagunçada, tinha voltado a beber e a fumar. Um copo sujo estava ao lado do porta retrato da família. No rádio uma música tocava bem baixinho, "House of The Rising Sun".

Há uma casa na Cidade do Pecado
Eles chamam de o Sol Nascente
E tem sido a ruína de muitos garotos pobres
E Deus, eu sei que eu sou um deles

Flashbacks viam e iam na mente de Aironh. A quantos dias não dormia direito? Havia tantas teorias em que ele não sabia resolver, talvez não precisasse saber. Talvez apenas para acalmar seu coração. Quando pegou o Trem viu no Velho homem que vendia tortas um olhar maligno. Mas talvez também não importava. Pelo menos achava que não.

Acendeu um cigarro se afastando da agua, e deitando no chão. Ouviu a musica que soava baixo, mas de repente interromperam a programação, o locutor dizia:

Você que sintoniza a nossa radio, temps uma noticia estranha. A filha dos Alvinos acabou de vir a óbito, devida a hemorragia interna, e seguida de falência múltipla dos órgãos. Nos desejamos nossas condolências a toda a família, ainda não há data nem horário para o enterro.

E logo a música voltou.
Aironh deu uma tragada, e tentou se lembrar quem era a garota. E um flashback lhe ocorreu. Foi a garota que aceitou a torta do Velho no trem. Então tudo clareou sua mente; a água caindo sobre os seus pés. A música ecoando...

Bem, eu tenho um pé na plataforma
O outro está no trem
Eu estou indo de volta para a Cidade do Pecado
Para usar aquela bola e corrente...

O cigarro queimava, a fumaça desaparecia enquanto subia procurando a janela mais próxima. E então, do chuveiro a água se transformou em sangue, muito sangue. Um sangue vermelho-vivo, de vagar, e aumentando, e depois se transformou em um jato de sangue fresco, Aironh se debateu no chão, sufocado, ensanguentando todo o quarto, o sangue escorria pelo chão, inundando o quarto, o rádio soltou a faísca mudando a frequência repetidas vezes, e mudando, e mudando, e mudando, com vozes distorcidas. E nesse súbito momento Aironh soltou um grito, enquanto a boca estava aberta, regurgitava sangue, e dela saiu dedos, um á um, até que o punho apareceu, e depois o antebraço, os olhos de Aironh se reviraram, e o braço que saiu de sua boca furou seus olhos. Uma voz no rádio disse.

Isso é demais para oque seus olhos possam ver.

E então o cigarro queimou seus dedos.
Aironh despertou.
O chuveiro ainda escorria água. O quarto estava do mesmo jeito. O rádio ainda tocava a mesma música.

- Mas que porra! - arfou.

Se levantou, desligou o chuveiro. Pegou a toalha, mas sentiu uma mão. E de repente.

3

Tasty olhou para sua casa.
Olhou para suas vestimentas sujas.
Um vento frio soprou levemente sobre ele.
Uma dor sobreveio em sua cabeça, e caiu ajoelhado no chão. Ventou mais forte, como se o tempo distribuísse uma carga pesada de chuva. As folhas secas voaram, barulho de ferros, parafusos se debatendo, a cadeira de balanço se mexia só. E então eis que sobrevém um ser monstruoso, imponente, submisso, com uma túnica negra que decaia sobre todo o corpo, um capuz, sua face não era nítida, parecia um buraco negro sem fim, era possível ver apenas a eternidade mais obscura. As mãos compridas com unhas de animal pontiagudas, os pés descalços não tocava o chão apenas flutuava como se estivesse em perfeita inércia, e onde flutuava uma gota roxa escorria, respingando. Tasty tentou olhar para aquela coisa, seus olhos ardiam. Com um sinal com os dedos a coisa fez com que toda aquela ventania cessasse.

- Profano? - disse Tasty recuperando o fôlego.
- Meu fiel - disse a coisa com sua voz rouca e estridente.
- Oque posso ser útil?
- Ô, vim lhe visitar. Saber como tem lidado com sua vingança de século.
- Tem saído como o planejado meu senhor.
- Hmm, não tenho dúvidas Tasty, eu não tenho dúvidas. Vejo que tem se abatido um pouco não é ?
- Sim Senhor, tenho andado mais fatigado do que o normal.
- Entendo, entendo, e sabe o porque não é ? Sabe porque.
- Sim, o tempo está acabando.
- Isso Tasty, o tempo está acabando, e você tem o débito comigo, não me deu o que preciso.
- Dei a minha alma a ti.
- Acha que me importo com sua alma ? - aumentou o tom da voz - acha que me interesso? Temos um acordo. Prometi te dar poder para amaldiçoar seus inimigos na sua vingança ultrajante. Em troca de sangue puro do celeste.
- Sim, mas não tem sido fácil, sabe que nas escrituras diz...
- Eu sei o que diz as escrituras!

A coisa flutuou mais alto, de peito estufado, um monstro horrendo.

- Então sabe que para conseguir o sangue do celeste precisa que seja sacrificado e não roubado.
- Tasty meu querido, vejo que a imortalidade tem afetado seu discernimento. Tens passado tanto tempo para contribuir com sua vingança, que esqueceu como agir ? Aironh, eu quero o Aironh!
- Eu sei meu senhor, sei que corre nele o sangue celeste de, de...
- De sua avó. Sua amada não é.
- Sim...
- Porque matou o irmão dele ?
- Pensei que só assim ele iria se rebelar, e iria atras de mim, e assim eu o entregaria. Mas, não, então tentei com sua filha, mas isso o deixou mais distante de descobrir a verdade.
- Magnífico!
- Sua doce vingança tem sido patética.

E então nesse momento, Tasty fechou os olhos, e chorou. E lembrou que antes de se tornar um homem monstruoso algo dentro dele voltou a bater, seu coração, e se recordou de como era antes de chegar até ali...

Sr. TASTYOnde histórias criam vida. Descubra agora