Nem só de Vales vive uma cidade...

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Eles bem que queriam ser os únicos poderosos e ricos da cidade, a gente sabe, e ostentar toda sua magnitude em seus traços genéticos específicos que os fazem parecer mais ou menos a mesma coisa. Mas a grande verdade é que uma boa cidade tem mais de uma família tradicional espalhando seu charme por aí – mais sujos, talvez, do que a rua da sua casa, mas, ainda assim, um certo charme.

Na linha sucessória de FAMÍLIAS MUITO IMPORTANTES QUE NÃO ESCONDEM SUA IMPORTÂNCIA POR AÍ está Os Albuquerque. Eles não são podres de ricos nem comandam metade da cidade e nem, inclusive, ocupam muito Ponte Belo. Na verdade, é uma família bem pequena. Ainda que poderosa. Ainda que imponente. Ainda que rica – muito rica. Eles são quatro:

Olavo Albuquerque é seu fundador. Ele não é um advogado, mas o advogado, como gosta de explanar com voz grossa por aí. Embora ele vá te enganar com sua boa educação, seu jeito de portar e como fala, Olavo é filho da classe média da cidade, que ganhou boa parte do seu patrimônio casando-se com a garota certa: Tânia Menezzes.

Ao contrário do que as más línguas podem dizer, o casamento não foi um acordo comercial. Quem viu de perto o casal se conhecer afirma, sem pestanejar, que eles realmente ficaram apaixonados um pelo outro. Mas, se nossas grandes avós nos alertavam que, quando falta dinheiro em casa, o amor pula a janela, quando o dinheiro é muito, frequentemente, o amor sai pela porta, da frente, sem fechar, possibilitando que o vento frio não só entre como fique, para sempre, em seu lugar.

Tânia e Olavo se conheceram na faculdade, os dois cursando Direito, e, embora Olavo tivesse ideias muito claras e objetivas quanto ao seu futuro, ele não era o maior apoiador do futuro profissional de sua namorada. E mais por escolha do que por pressão familiar, Tânia acabou não se tornando advogada, apesar de ter se formado com glórias na faculdade. Ao invés disso, ela se dedicou com todo amor, bom coração e sorrisos bonitos, em montar uma família.

O casal viveu muito bem, até a primeira gravidez. Olavo estava, de verdade, muito empolgado com o primeiro filho, aquele que levaria o nome da família, seu grande herdeiro. E ele deveria ser homem, bonito, forte e inteligente. Ele deveria ser imponente como o próprio sobrenome que o patriarca tentava criar na mente pontebelense, especialmente depois que sua irmã (Bárbara) se casou com o mais velho dos Vale (Simas, o pai de Pedro).

Mas o destino tem maneiras estranhas de construir histórias e por conta de uma complicação – algo a ver com placenta fora do lugar – o primeiro filho veio ao mundo antes de completar vinte e duas semanas – ou seja, alguns dias faltando para completar seis meses, no vocabulário dos não-grávidos. Embora a medicina diga que um bebê de seis meses tem plena condição de viver no mundo hoje, quase trinta anos atrás não era, assim, tão fácil. E, embora um bebê de seis meses esteja relativamente pronto para o mundo (ainda que com um pulmão um pouco obstruído), o primeiro filho Albuquerque não veio como seu pai imaginava.

Assim, no dia treze de agosto, no meio de uma tempestade com ventos e pedrinhas de gelo, Rafael Albuquerque não chorou as três da manhã, ainda que tivesse nascido, pesando míseros quinhentos gramas e muito, muito mal de saúde. Seu pulmão não funcionava direito, seu coração era menor do que deveria e os rins falhavam constantemente, o que o deixava bem distante do desejo de seu grande pai.

Embora Olavo tenha se decepcionado com a realidade do seu sonho, dizem as más línguas que o nome foi escolhido por ele, quando, ainda em desespero, recorreu ao livro mais vendido do mundo – a Bíblia – para rezar pela saúde de seu primogênito. Aparentemente, a história contada é que ele abriu a bíblia num capítulo qualquer e leu alguma coisa acerca de anjos e Rafael, dando a ele o nome do anjo que, ironicamente, é conhecido por ser portador da cura de Deus.

Mas, é claro, isso é história bonitinha pra ser contada nos jornais. A história real é que, depois de ver um filho tão fraco, que precisaria de muitos cuidados no hospital e, possivelmente, algumas cirurgias, Olavo não aguentou e deu as costas para aquele que carregava seus genes. Felizmente, Tânia não desistiu. E, mais felizmente ainda, Simas pegou para si a missão de salvar Rafael de uma morte que parecia anunciada.

Financiando a estadia de seu afilhado no Hospital, e também os exames e cirurgias, Simas manteve Rafael vivo, embora com muitas restrições, até os sete anos, quando conseguiu um transplante de coração para o pequeno Albuquerque (ninguém sabe dizer exatamente se esse transplante foi feito de maneira legal ou o coração foi comprado no mercado negro, mas todo mundo sabe que, apesar de uma infecção que poderia ter arruinado as chances do garoto sobreviver, Rafael não só sobreviveu, como cresceu forte e saudável depois disso). Antes do sucesso do transplante, no entanto, e por causa do sangue raro de Rafael (ele nasceu tipo B negativo), e suas constantes trocas de sangue porque nem o coração bombeava o sangue direito, nem os rins pareciam filtrar como deviam, Tânia decidiu engravidar de novo.

O segundo filho, dois anos mais novo, teve muito mais sorte. Nasceu de nove meses, fisicamente perfeito, com três quilos e quinhentos e 50 cm. Infelizmente, para Rafael, ele nasceu sangue O, o que não seria assim de todo ruim, não fosse o fato de que seu RH era positivo. A história da sua geração não foi escondida dele, e, juntando a isso o fato de que sua mãe praticamente morava no hospital com Rafael, Renato não nutriu bons sentimentos pelo irmão.

Desse modo, a família que tinha tudo para ser bonita para além das fotografias, foi arruinada por um destino engenhoso. O filho desejado pelo pai não foi amado o suficiente; o filho desejado pela mãe não recebeu carinho como queria, e a união se desfez antes mesmo das bases serem solidificadas. Se Olavo não escondeu que Renato era o filho escolhido para carregar o sobrenome nas costas, motivo de orgulho e amor, também não fingiu que amava e aceitava Rafael como ele era. Por outro lado, se Renato queria a atenção e o carinho da mãe, não disfarçava o desagrado de ver tudo isso sendo destinado para o irmão mais velho. Enquanto essa disputa de sentimento acontecia no centro, Rafael Albuquerque, sonhado e desejado para ser o grande nome da família, lutava para sobreviver.

Se Olavo vai dizerque o importante é ter dinheiro, Renato defenderia que o que importa é terpoder. Tânia não nega que o necessário é ter amor. Para Rafael, no entanto, nocampo de batalha que foi a vida desde que abriu os olhos pela primeira vez, oque importava, mesmo, no final, era ter saúde – para conseguir viver.    

    

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⏰ Last updated: Jan 30, 2018 ⏰

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