Capítulo 03 - Ó Deus, por que eu?

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A cena não era agradável. Quer dizer, o quão agradável pode ser ver uma recém conhecida fantasma andando de um lado para o outro na biblioteca da sua nova escola e, como se já não bastasse gritar, bufar, xingar, ela também queria usar toda sua fúria fantasmagórica para jogar os livros do corredor de ficção para todos os lados.

— Você acabou de jogar toda a coleção de Harry Potter nesse carpete sujo! Calminha aí, colega — tentei me aproximar, mas quase tive a cabeça arrancada por uma versão de capa dura de Romeu e Julieta — Ok… — falei quando dei um pulo para trás — Você podia pelo menos não jogar tantas coisas…?

— Como você pode se preocupar com livros idiotas enquanto eu estou sofrendo porque aquela vadia agarrou meu Dimi a força? Ela se dizia minha amiga! — a expressão consternada de Vick foi direcionada a mim mais uma vez e eu não conseguia saber ao certo se ela queria chorar ou espancar alguém (provavelmente as duas opções estavam corretas).

— Hã… Detesto estragar seus sonhos, mas ele visivelmente não estava sendo agarrado a força — disse cautelosamente.

A loira soltou um grito agudo e eu não sabia ao certo se adorava ou detestava a ideia de só eu poder ouvi-la. Levei minhas duas mãos aos ouvidos e fiz uma careta.

— Deus, você vai estourar meus tímpanos!

Ela bufou mais uma vez e pisou forte antes de cruzar os braços sobre o peito e encostar-se em uma das estantes, escorregando até finalmente sentar-se no chão.

— Lore… Eu não sei o que fazer.

Uma sirene soou em minha cabeça: ela choraria. Vick apoiou a cabeça nos joelhos e seus cabelos cacheados escorregaram para a frente do seu rosto. Instintivamente corri para o lado dela e sentei-me.

— Ei, você não pode ficar assim, vai ficar tudo bem, ok? Nós duas vamos descobrir o que estava acontecendo ali e, se esse garoto tiver mesmo feito o que eu acho que ele fez, você pode ter certeza de que ele vai se ver comigo. — assentiu. Meu primeiro impulso foi abraçá-la, mas o contive porque sabia de que aquilo não era possível.

Vick levantou seu rosto e me olhou, a bochecha marcada por uma lágrima, mas ela sorria.

— Não foi você quem disse que não queria me ajudar?

Ri baixinho e neguei lentamente com a cabeça.

— As coisas mudaram.

Eu teria falado mais coisas já que estava em um daqueles raros momentos em que eu viro uma filosofa de botequim, mas fui interrompida por uma voz que vinha do início do corredor.

— Que coisas?

Voltei-me para ele com a testa franzida. Levei apenas alguns segundos para reconhecê-lo, era o menino em quem eu havia esbarrado mais cedoe que não havia sido exatamente gentil comigo.

— O que? — perguntei ainda confusa.

— O que você está fazendo? — ele questionou, como se eu devesse alguma explicação a ele.

— Hã… Falando sozinha…? Até onde eu sei, nós moramos em um país livre, não tem nada que me impeça de falar sozinha na biblioteca…

O garoto arrumou o nó da gravata que usava — que tipo de pessoa vai de gravata para a escola? — e se aproximou lentamente, parecendo quase hesitante quanto a estar perto de mim.

— Não tem ninguém mais aqui? — ele olhou ao redor, examinando o lugar.

— Não… Mas quem é você e por que está fazendo essas perguntas mesmo? Não lembro de ter pedido algum segurança ou algo do tipo — sorri falsamente.

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